terça-feira, 7 de abril de 2015

O Tempo e as Jabuticabas. Rubem Alves.

Em meus arquivos encontrei esta crônica do Rubem Alves. Não sei dar a fonte, mas a folha com a crônica tem uma dedicatória, com uma letra belíssima, do meu amigo Ruy. Ela é datada de 26 de novembro de 2011. Não costumo fazer comentários quando publico alguma coisa do Rubem Alves, para não estragar a beleza do texto. E sendo assim, vamos direto ao assunto.
Estas jabuticabeiras carregam uma vez por ano, mas enchem baldes e mais baldes. São da chácara.

O Tempo e as Jabuticabas.

"Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquela menina que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ela chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, roi o caroço.

Já não tenho tempo para mediocridades.
Não quero reuniões, onde desfilam egos inflados.
Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir o que eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos.
Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo.
Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.
Já esta dá frutos várias vezes por ano e também bacias cheias. Esta é do condomínio onde moro.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.

Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de "confrontação", onde "tiramos fatos a limpo".
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário-geral do coral.

Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: 'As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos'.
Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir dos tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja tão-somente andar ao lado do que é justo.
O final da vida era tema recorrente nas crônicas de Rubem Alves. Ele o sentia chegando. Poucas jabuticabas lhe restavam na bacia e sorveu-as com gosto e vontade.

Caminhar perto das coisas e pessoas de verdade, desfrutar desse amor absolutamente sem fraudes, nunca será perda de tempo.

O essencial faz a vida valer a pena".


2 comentários:

  1. O autor deste texto é o Pastor Ricardo Gondim, está publicado em seu livro “Creio, mas Tenho Dúvidas”, publicado pela Editora Ultimato, com registro no ISBN-13: 9788577790111 e ISBN-10: 8577790118, e consta na página 107. Seria correto dar a Cesar o que é de Cesar não acha?

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  2. Está feito o registro. Meus agradecimentos.

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