quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Meu quintal é maior do que o mundo. Manoel de Barros.

Depois de ler os aterradores livros de Roberto Saviano sobre as maldades do mundo, foi importante marcar um encontro com as bondades desse mesmo mundo. E nada melhor, para conseguir este intento, do que buscar a beleza da poesia de Manoel de Barros. Meu quintal é maior do que o mundo é uma antologia de sua poesia, retirada de seus dezoito livros, muitos deles recomendados por diversas premiações. Uma bela edição da Alfaguara. Manoel de Barros se define por "encostar o verbo na natureza".
Meu quintal é maior do que o mundo. A antologia de poemas de Manoel de Barros.

Verbo e natureza são a sua vida. Nasceu em Cuiabá em 1916, foi para Corumbá, Campo Grande e para o Rio de Janeiro, para fixar raízes em Campo Grande e no Mato Grosso do Sul. Nessas terras, com a forte presença do pantanal, é que se situava o seu Meu quintal é maior que o mundo. Neste seu quintal tomou o gosto pelo viver e o fez até novembro de 2014, quando aos 97 anos transcendeu. A sua poesia é fortemente autobiográfica.

Uma carta, escrita em 1992, de Antônio Houaiss é uma espécie de apresentação da poesia de Manoel. O apresenta como um poeta maior, que em meio às contradições do mundo, com ele estabelece um nexo para nos fazer "mais solidários com a vida". Mas, afirma Houaiss, ele vai além disso. Ele "prova, com doçura e adequação de suas palavras, que, se quisermos, a nossa vida pode ser uma passagem de beleza em meio à beleza natural, uma prece de harmonia na vida universal, uma nuga de graça, um momento de bondade, em que há algo de irônico, de lírico, de doce, de solidário, de esperançoso". Depois define, ainda com maior clareza, a essência do poeta e de sua poesia:
Na antologia de suas poesias, também uma foto. Adoro esse tipo de cadeira.

"É um maravilhoso filtro contra a arrogância, a exploração, a estupidez, a cobiça, a burrice - não se propondo, ao mesmo tempo, ensinar nada a ninguém, senão que à vida". Mas a apresentação oficial do livro cabe a José Castello, que a faz com um título altamente definidor do que é a poesia em geral, e Manoel em particular - Manoel, além da razão. José Castello foi entrevistá-lo, e foi logo dizendo: "Não tenho nada para lhe dizer". O trecho é lindo, por isso o reproduzo.

"Não blefava, não mentia, ao contrário, levou-me a encarar a difícil verdade. A poesia de Manoel é feita de restos, de sobras, de dejetos. Como ele diz num poema: de 'inutensílios'. É uma poesia que se instala nos primórdios, quando as palavras ainda se confundem com as imagens. Ele confirma, assim, o caráter 'inútil' - isto é, não pragmático, indiferente aos resultados - que a define. Como ele mesmo nos diz no Concerto a céu aberto para solos de ave: 'Passei anos me procurando por lugares nenhuns./ Até que não me achei - e fui salvo". E no Livro sobre nada, ele afirma que "a sensatez me absurda". Mais uma característica de seu poetar.
Uma foto típica com a marca se seu sorriso amplo.

Do pintor boliviano assimilou o pensamento de que a força de um artista não vem de seus sucessos, mas de suas derrotas. "É ali onde a arte falha" - diz José Castello, "em pleno silêncio aterrador - que a poesia nasce". E continua: "Mesmo com os cabelos brancos, Manoel ainda vivia uma infância na qual 'não havia limites para ser'". A apresentação termina com o sentimento que o poeta provoca: "É porque erra - também no sentido de andar sem rumo - que ele acerta. Manoel nunca temeu afirmar que o nome empobrece a linguagem. Que a palavra a diminui e prende. Ainda assim, a palavra é tudo o que um poeta tem. Aceitando seu destino, escreveu: 'Com esses exercícios os nossos/ desconhecimentos aumentaram bem'".

Os poemas que compõem a antologia são selecionados a partir de seus 18 livros. Escolho dois como amostra. O primeiro, de seu primeiro livro. Poemas concebidos sem pecado. O poema leva por título - Antoninha-me-leva.
Um pouco de cada um de seus livros, nesta antologia.

Outro caso é o de Antoninha-me-leva:
Mora num rancho no meio do mato e à noite recebe os
vaqueiros tem vez que de três e até quatro comitivas
Ela sozinha!

Um dia a preta Bonifácia quis ajudá-la e morreu.
Foi enterrada no terreiro com o seu casaco de flores.
Nessa noite Antoninha folgou.

Há muitas maneiras de viver mas essa de Antoninha era 
de morte!

Não é sectarismo, titio.
Também se é comido pelas traças, como os vestidos.
A fome não é invenção de comunistas, titio.
Experimente receber três e até quatro comitivas de 
boiadeiros por dia!.
Neste filme documentário você tem uma bela oportunidade de conhecer  Manoel de Barros.

O segundo poema é do Livro sobre nada. Nem título tem, mas é maravilhoso.

Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras.
Sou formado em desencontros.
A sensatez me absurda.
Os delírios verbais me terapeutam.
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
(e sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso
porque não encontrava um título para os seus poe-
mas. Um título que harmonizasse os seus conflitos.
Até que apareceu Flores do mal. A beleza e a dor. Essa
antítese o acalmou.

As antíteses congraçam.


2 comentários:

  1. Obrigado! A um bom tempo eu ja queria comprar um livro de Manoel de Barros, mas nao achei em nenhuma livraria e sebo da minha cidade. Seu texto me ajudou a decidir comprar esse livro dele na amazon!! Ansioso para ler ele! Abraços

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  2. Que bom, Paulo. Fico contente. Eu praticamente só compro livros por internet. Compro bastante na Livraria da Travessa, que tem um serviço muito bom. Boa leitura do nosso belo poeta.

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