Um texto meu de 2006 para a revista Ciência e Opinião da Universidade Positivo.
FHC e Lula. Uma Continuidade. PT e PSDB iguais. O olhar de Francisco de Oliveira.
Estranho!
Estranho! Que disparate é este? Vejo dois reis – e somente um burro.
(Nietzsche, no quarto livro do Zaratustra, referindo-se ao
encontro com dois reis: o da esquerda e o da direita e que carregam no mesmo
burro os seus sonhos).
Pedro Elói Rech. Mestre em História e Filosofia da educação.
PUC-SP.- Professor de Teoria Política e Filosofia no UNICENP.
Apresentação:
Entre
o tão rico quadro de debates sobre a realidade brasileira e nas exigências
formais para este texto, optamos por fazer um acompanhamento do pensamento do
eminente sociólogo da USP, o professor Francisco Oliveira, um dos fundadores do
PT e agora contundente crítico do mesmo. Dividimos o texto em duas partes:
primeiramente acompanhamos as críticas de Oliveira feitas em pronunciamentos e
pela imprensa e na segunda acompanhamos um ensaio seu intitulado “O
Ornitorrinco”. Concluímos com algumas críticas que complementam as visões
relativas ao governo Lula.
O Pensamento de Francisco Oliveira
na imprensa e no - O Ornitorrinco.
Um
dos seus primeiros artigos foi publicado pela Folha de S.Paulo no dia 18 de
maio de 2003. O seu título é uma interrogação: O enigma de Lula: ruptura ou continuidade? E a sua conclusão é uma
espécie de absolvição. In dúbio pro reo.
O
artigo, meticulosamente trabalhado, examina o processo eleitoral de 2002, que
conferiu a vitória a Lula, passando pela análise da derrota do grupo de FHC. O
tom inicial é até certo ponto eufórico, com a expressiva vitória de Lula e a
eleição de uma forte bancada do PT para o Congresso, que poderia significar,
além do fim da era FHC, também o de um longo ciclo da “via passiva” brasileira,
uma vez que os votos dados a Lula, foram dados para a promoção de mudanças.
A
vitória de Lula se deu fundamentalmente em função do fracasso do segundo
governo FHC e representou, nas palavras do sociólogo “um caleidoscópio de
protestos, promessas, possibilidades, frustrações, insegurança, falta de
horizontes. É uma soma negativa, como na álgebra, onde menos com menos dá mais”
(Folha de S.Paulo. 18.05.03). Este caleidoscópio não se desfez com a eleição.
Ele permanece no governo Lula e exige constantes acordos ad hoc, numa administração de problemas diversos e divergentes, reduzindo
os espaços políticos dos horizontes amplos e das possibilidades, para uma mera
e difícil administração do cotidiano.
Oliveira
afirma que o enigma Lula começou a ser decifrado com as primeiras nomeações
para os cargos mais importantes de seu governo, como o Ministério da Fazenda e
para a presidência do Banco Central (Palocci e Meirelles). Já acidamente
percebe que “aquela soma negativa não se constituiu em hegemonia, mas apenas em
vitória eleitoral” (Ibidem).
O
artigo segue analisando o que foi o governo FHC, as dificuldades do governo
Lula em construir um projeto de hegemonia e que se isto não se concretizasse,
ao menos no curto prazo o novo governo seria “a continuação da política
econômica de FHC, enfeitada com uma política social tipo Fome Zero” (Ibidem). O
que dava ainda certas esperanças para o articulista eram as bases sociais de
apoio a Lula, como a Igreja católica, ONGs. cívico-republicanas, as centrais
sindicais, os movimentos sociais e o MST em particular. Estas
forças seriam a expressão de um movimento ético político sobre o qual se
poderia ainda construir uma hegemonia. Daí a conclusão: in dúbio pro reo.
Pouco
tempo depois, no entanto, as dúvidas já tinham se dissipado. Em solenidade
promovida pela Câmara Municipal de São Paulo e realizada no auditório de
história da USP., o sociólogo recebeu o título de cidadão honorário paulistano.
Em seu discurso na solenidade já foi contundente ao inverter o famoso slogan de campanha, envolvendo as
palavras medo e esperança, ao afirmar que esta fora efetivamente vencida pelo
medo. É o que nos relata a reportagem da Folha de S.Paulo do dia 14 de junho de
2003. A
reportagem mostra o tom já desprovido da esperança no seu discurso porque o
governo Lula já reforçara a porta fechada para o crescimento com inclusão
social (em alusão a continuidade da política econômica de FHC). Vejamos a
reprodução de uma parte deste discurso: “A vontade política, na qual se colocou
o acento da mudança, está sendo enquadrada pelos rigores da nova forma do
capital. Com a financeirização desaparece a porta. Ela está fechada com o
cadeado dos juros, com a exportação de 9% do PIB como serviço da dívida
externa” (Folha de S.Paulo. 14.06.03).
A
reportagem destaca outros momentos do discurso em que critica o crescimento
ocorrido entre as décadas de 50 e 70, por ter promovido concentração de renda
em vez de sua distribuição. Critica ainda as políticas sociais do governo,
classificando-as como políticas de exceção, de compensação daquilo que o Estado
não pode dar, em virtude da diminuição da sua capacidade de ação e de sua
subordinação aos interesses da economia, já no estágio da sua financeirização.
A
próxima entrada de Oliveira na crítica ao cenário nacional irá ocorrer quando
Lula inicia o seu programa de reforma previdenciária, contra a qual jogou
pesadamente. Participando de um fórum de debates, organizado pelo ANDES (o
sindicato dos professores das universidades públicas) lança a questão que
permanecerá no centro de todas as suas críticas que desenvolverá
posteriormente, a do surgimento de uma nova classe social, a dos
administradores dos fundos de pensão, a quem acusa como os maiores interessados
nesta reforma. Neste fórum afirma que esta reforma não atende aos interesses
republicanos, mas sim aos dos fundos de pensão. Destaca a importância da
seguridade social na reconstrução das economias do pós-guerra, dizendo que elas
são “parte da política econômica de qualquer país. Se não tiver, quem vai para
o brejo é a economia” (Folha de S.Paulo. 17.07.03). A frase se relaciona,
obviamente, ao caráter distributivista destas medidas.
Afirmou
ainda, que toparia esta reforma se o dinheiro economizado se destinasse
diretamente aos milhões de miseráveis do país, mas não com o programa Fome
Zero, que considera ridículo. A parte certamente mais polêmica desta sua fala é
quando considera que as ações do governo se constituem numa traição ao povo:
“Uma sociedade que busca anular-se indo para a incerteza do mercado não merece
esse nome. Nem esse partido (o PT) merece esse nome” (Ibidem).
Quando
foi lançado o seu ensaio sobre o Ornitorrinco, o sociólogo concedeu uma
entrevista de página inteira para a Folha de S.Paulo. Desta vou aproveitar
inicialmente as duas manchetes dadas para a mesma. A primeira: - Elite do
sindicalismo nacional provocou a aproximação entre o PT e o PSDB e levou ao
continuísmo – e a segunda: - Nova classe social comanda governo Lula, diz
sociólogo (Folha de S. Paulo.2003. 22.09.2003). Recorro a elas por serem bem
ilustrativas. A entrevista se refere a este ensaio, que passaremos a analisar.
Em
1972, na revista – Estudos do CEBRAP – número 2, Oliveira publica um ensaio sob
o nome de “A economia brasileira: crítica a razão dualista”, que em 1981 foi
transformado em livro. Em
2003 foi novamente publicado, desta vez junto com “O Ornitorrinco. Sobre o
primeiro ensaio o próprio autor nos conta que ele procura dar respostas a
perguntas formuladas pelo CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento)
“acerca do processo de expansão socioeconômica do capitalismo no Brasil”
(Oliveira, 2003. p.27).
Quanto
ao segundo ensaio “O Ornitorrinco”, este nos chama particular atenção já em
virtude de seu título. O motivo desta escolha se deve a uma comparação deste
animal com a economia brasileira e os seus resultados sociais, desenvolvida nos
últimos anos, envolvendo inclusive o governo Lula, agora já claramente definido
como continuidade de FHC. O ensaio inicia com a definição de ornitorrinco,
retirada de uma enciclopédia.
“Mamífero
monotremo, da subclasse dos prototérios, adaptado à vida aquática. Alcança
40cm. de comprimento, tem bico córneo, semelhante ao bico de pato, pés
espalmados e rabo chato. É ovíparo. Ocorre na Austrália e na Tasmânia. Encicl.
O ornitorrinco vive em lagos e rios, na margem dos quais escava tocas que se
abrem dentro d’água. Os filhotes alimentam-se lambendo o leite que escorre nos
pêlos peitorais da mãe, pois esta não apresenta mamas. O macho tem um esporão
venenoso nas patas posteriores. Este animal conserva certas características
reptilinas, principalmente uma homeotermia imperfeita. Grande Enciclopédia
Larousse Cultural (Oliveira. 2003. p. 123).
O Aurélio nos
dá um acréscimo. “...São ovíparos, constituindo uma forma de transição entre
reptis e mamíferos” (Ferreira, 2004. p.1451). Convenhamos, um estranho animal.
Oliveira, em nota de rodapé, explica que em 2001, quando participava da banca de
doutorado de um amigo, lhe veio o estalo. “A sociedade e a economia brasileira
que ele (o doutorando) descrevia, em seus impasses e combinações esdrúxulas, só
podiam ser um ornitorrinco” (Oliveira, 2003. p. 125). Um animal travado em seu
processo evolutivo.
O ensaio tem
dois subtítulos: o primeiro: “De Darwin a Raul Prebisch e Celso Furtado” e o
segundo: “Sob o signo de Darwin: o ornitorrinco”. Não vamos aqui entrar no
mérito do ensaio, mas nas suas enormes repercussões políticas. Pelos subtítulos
fica claro que se trata de uma análise da evolução da economia e da sociedade
brasileira. As principais categorias de interpretação são de Marx e as dos
economistas ligados à CEPAL (órgão de cooperação econômica da ONU para a
América Latina e o Caribe), de Prebisch e Furtado, e outros pensadores do
CEBRAP, com quem Oliveira estabelece as suas interlocuções.
Já vimos a
descrição deste ornitorrinco bicho. Vamos agora vê-lo na economia e depois na
sociedade brasileira. Oliveira o descreve respondendo a pergunta: como é o
ornitorrinco?
Altamente urbanizado, pouca força de trabalho no
campo, dunque nenhum resíduo pré-
capitalista; ao contrário, um forte agrobussines.
Um setor industrial da Segunda Revolução Industrial completo, avançando
titibate, pela Terceira Revolução, a molecular-digital, ou informática. Uma
estrutura de serviços muito diversificada numa ponta, quando ligada aos
estratos de altas rendas, a rigor, mais ostensivamente perdulários que
sofisticados; noutra, extremamente primitiva, ligada exatamente ao consumo dos
estratos pobres. Um sistema financeiro ainda atrofiado, mas que, justamente
pela financeirização e elevação da dívida interna, acapara uma alta parte do
PIB... (Ibidem. P.132-3).
Onde estaria exatamente o
estranho animal? Ele é absolutamente moderno, e simultaneamente, extremamente
atrofiado. Moderno porque é urbanizado e por já ter alcançado, na linguagem do
sociólogo, a revolução molecular-digital e que dispõe de uma gama de serviços
altamente sofisticados, tendo como contrapartida o extremo atraso dos setores
mais pobres da população, ou seja, a absoluta maioria. É o seu lado ainda
primata.
A
análise continua, procurando as causas que produziram este bicho, encontrando-as,
entre outras, à subordinação financeira externa, ao ingresso dos capitais
especulativos, ou aquilo que, em síntese se chamaria de financeirização da
economia. Isto será acompanhado por enormes mudanças nas relações de trabalho,
em que diminuem enormemente as suas relações formais, com a sua precarização e
o seu desaparecimento, devido a revolução molecular-digital e pelo aumento da
produtividade do próprio trabalho. Isto nos conduz de novo ao estranho animal,
agora em sua fisionomia, ou melhor, em seu corpo inteiro, no aspecto social. O
lado moderno deste bicho nos é agora mostrado no luxo dos teatros municipais de
São Paulo e do Rio de Janeiro e o seu aspecto primata, pelo que ocorre no lado
externo destes mesmos espaços. Em suma, neste quadro os trabalhadores perderam o
seu trabalho e arrumaram ocupações. Vejamos a descrição.
Grupos de jovens nos cruzamentos vendendo qualquer
coisa, entregando propaganda de novos apartamentos, lavando-sujando vidros de
carros, ambulantes por todos os lugares; os leitos das tradicionais e bancárias
e banqueiras ruas Quinze de Novembro e Boa Vista em São Paulo
transformaram-se em tapetes de quinquilharias; o entorno do formoso e
iluminadíssimo Teatro Municipal de São Paulo – não mais formoso que o Municipal
do Rio de Janeiro, anote-se – exibe o teatro de uma sociedade derrotada, um
bazar multiforme onde a cópia pobre do bem de consumo de alto nível é
horrivelmente kitsch, milhares de
vendedores de coca-cola, guaraná, cerveja, água mineral, nas portas dos
estádios duas vezes por semana (Ibidem. p. 142-3).
Bem,
mas vamos à parte polêmica do texto, que é a que alcançou maiores repercussões.
Ela está nas duas manchetes que já apresentamos e que são as de que uma nova
classe social comanda o governo Lula e que o PSDB e o PT são partidos idênticos
e que por isso mesmo Lula é uma continuidade do governo FHC. Vamos à análise.
Oliveira
busca as origens do PT nos movimentos sindicais da década de 70, nos chamados
sindicatos “autênticos”, ou oposições sindicais e que à moda européia
reivindicavam conseguir melhorar as suas rendas, via salário, benefícios
indiretos e seguridade social. Os sindicatos do ABC em São Paulo e os dos
bancários e petroleiros no resto do país se integram nestas categorias. Muitos
destes sindicatos são os de empresas estatais e estas, entre as concessões de
benefícios, criaram os chamados fundos de pensão. Ao longo da década de 80
houve um enorme refluxo na situação dos trabalhadores, o mesmo ocorrendo no
governo FHC, como já vimos. Este refluxo trouxe uma grande mudança na
representação dos trabalhadores. Que mudanças são estas? As elites dos antigos trabalhadores, seus
dirigentes sindicais passam a ser os administradores dos fundos de previdência,
como o PREVI, dos funcionários do Banco do Brasil, o maior de todos. Vejamos a
sua nova posição.
Fazem parte de conselhos de administração, como o do
BNDES, a título de representantes dos trabalhadores. A última floração do Welfare brasileiro (o estado de
bem-estar da social democracia) que se organizou basicamente nas estatais,
produziu tais fundos e a Constituição de 1988 instituiu o Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) – o maior financiador de capital de longo prazo no país.
(...) Trabalhadores que ascendem a essas funções estão preocupados com a
rentabilidade de tais fundos, que ao mesmo tempo financiam a reestruturação
produtiva que produz o desemprego (Ibidem. p. 146).
Em nota de
rodapé o sociólogo diz que em recente festa de aniversário do dirigente
financeiro da campanha presidencial do PT (trata-se de Delúbio Soares) a
imprensa contou entre 15 e 18 aviões executivos, inclusive pequenos jatinhos,
presentes no evento. Como os trabalhadores não costumam ter jatinhos somos
obrigados a interrogar sobre os motivos da presença dos empresários nesta
festa. A resposta parece óbvia. Aproximar-se dos controladores, ou dos
operários operadores dos fundos de pensão, principais agentes da
financeirização da economia.
A pergunta que
necessariamente decorre desta nova situação e que não pode calar será esta.
Pode este partido, com os seus dirigentes que, conforme Oliveira nos alerta,
apoiado numa expressão de Robert Kurz, transformaram-se em “sujeitos
monetários”, podem estes dirigentes ainda buscar horizontes socialistas ou
mesmo ideais distributivistas da social democracia? Não. Eles optarão pelos
caminhos do mercado. E será esta palavra – mercado – que abrigará tanto os
dirigentes do PT, quanto os do PSDB sob a mesma visão econômica e ideológica.
São idênticos no exercício de suas funções e na sua visão política. Vejamos:
É isso que explica recentes convergências pragmáticas
entre o PT e o PSDB, o aparente paradoxo de que o governo Lula realiza o programa
de FHC, radicalizando-o: não se trata de um equívoco, nem de tomada de
empréstimo de programa, mas de uma verdadeira nova classe social, que se
estrutura sobre, de um lado, técnicos e economistas doublés de banqueiros, núcleo duro do PSDB, e trabalhadores
transformados em operadores de fundos de previdência, núcleo duro do PT. A
identidade dos dois casos reside no controle do acesso aos fundos públicos, no
conhecimento do “mapa da mina”. Há uma rigorosa simetria entre os núcleos
dirigentes do PT e do PSDB no arco político, e o conjunto dos dois lados
simétricos é a nova classe (Ibidem. p.147-8).
Oliveira continua sua análise
dizendo que a mesma simetria ocorre também quando se trata da questão
ideológica e isto se deve a origem de suas matrizes. Assim o núcleo de
formulação de políticas de governo de FHC se originou na PUC- Rio, classificado
por Oliveira, como o templo do neoliberalismo. Malan é o seu grande
representante. O PT por sua vez encontra o seu núcleo formulador destas
políticas na Escola de Administração da FGV em São Paulo. O maior
representante teria sido Celso Daniel, que fora o primeiro coordenador do programa
de Lula. Ali se formaram também Gushiken e Berzoini. Mântega foi professor da
instituição. Apenas Palocci por aí não passou. Em cima destas questões Oliveira
conclui que “a nova classe tem unidade de objetivos, formou-se no consenso
ideológico sobre as novas funções do Estado, trabalha no interior dos controles
de fundos estatais e semiestatais e está no lugar que faz a ponte com o sistema
financeiro” (Ibidem. p. 148). Oliveira ainda afirma que não está fazendo nenhum
julgamento ético desta realidade, mas apenas a sua constatação.
Sem
pretender fazer inferências nas análises do sociólogo, queremos apenas apontar
algumas indicações para melhor compreender o neoliberalismo, que é apontado
como a grande matriz ideológica das novas concepções de economia e de Estado,
que identificam estes governos e partidos. O neoliberalismo tem os seus
fundamentos no liberalismo clássico de John Locke e Adam Smith e a sua
reafirmação histórica no século XX, com o livro de Friedrich Hayek, O Caminho da Servidão, lançado em 1944 e
o de Milton Friedman, lançado em 1962, Capitalismo
e Liberdade e posteriormente relançado em 1979, em parceria com Rose
Friedama e, nestes novos tempos, transformado em grande bestseller, sob o nome de Free
to Choose – Liberdade de Escolher. O
novo liberalismo econômico. A escola monetarista de Chicago seria o seu
centro irradiador e a sua aplicação em práticas de governo ocorreria ao final
dos anos 70 e início dos 80, com a eleição dos governos de Thatcher (1979), de
Reagan (1980) e de Khol em 1982. O seu impulso maior ocorre com o fim do
império soviético em 1991, quando com o fim da bipolaridade é anunciado o fim
da história e a implantação do pensamento único. Os seus dogmas seriam impostos
através do FMI e do Banco Mundial, e afirmados, no caso específico para a
América Latina, no Consenso de Washington (Que apropriação semântica!?).
Em
suma, o que afirma Oliveira, que já havia teorizado sobre as razões do
subdesenvolvimento brasileiro, agora, em seu O Ornitorrinco?
Que o nosso subdesenvolvimento adquiriu uma nova forma sob a terceira
revolução tecnológica e a financeirização da economia e que estas entravam de
vez o crescimento econômico com distribuição de renda, que deveria ser o
processo evolutivo normal e que impede o processo de evolução social, definitivamente
truncado, produzindo este pequeno monstrinho e desautorizando a teoria
evolucionista de Darwin. Este processo se iniciou com o governo do PSDB, de HFC
e continua no governo do PT, de Lula, em virtude de que as suas políticas procedem
da mesma matriz ideológica. Esta matriz
gera uma visão macro econômica que tem na fixação de metas
inflacionárias baixas, na desvalorização cambial, na alta taxa de juros, na
obtenção de elevado superávit primário, somente atingível por um forte
contingenciamento de verbas públicas (responsabilidade fiscal), as suas metas
básicas, que impedem os investimentos públicos e que encilham o crescimento.
Esta era foi inaugurada por FHC e que agora, o governo Lula, por sua
continuidade, teria fechado de vez as suas portas, por não ter promovido
mudanças.
Como
conclusão, trazemos apenas mais algumas afirmações que apontam para a mesma
direção deste impeditivo de crescimento. A primeira é sobre as convicções de
Lula sobre a sua política econômica. Quem nos fala será outro fundador do PT e
assessor especial da Presidência até 2004, Frei Betto. Ressalte-se que Frei
Betto não considera os governos FHC e Lula, como iguais. Ele continua na defesa
de Lula, mesmo discordando da política econômica. A fala de frei Betto está
contida na revista Fórum, quando responde a indagação sobre a sua saída do
Governo.
Ao longo de 2003, oral ou por escrito, comuniquei ao
presidente minha crítica à política econômica. Muitas vezes ele se mostrava
inquieto, dando a entender que era uma fase de ajuste e que depois haveria uma
mudança de rumo, uma flexibilização. Quando comuniquei, em maio de 2004, minha
saída, ele já tinha uma postura de defesa da política econômica. Eu é que não
estava entendendo quão benéfica era ela e mais tarde entenderia os resultados
(Frei Betto, 2006. p.12).
A
outra afirmação é de Carlos Lessa, que foi afastado por Lula do cargo que lhe
dera de presidente do BNDES e que segue na mesma direção da de Chico Oliveira,
sobre os entraves ao crescimento provocados pelo tucanopetismo. Vejamos Lessa,
em artigo publicado na Folha de S.Paulo.
A economia precisa crescer e romper com a estagnação
cruel da última década. A opção tucana e petista não foi com o povo.
Comprometeram o Brasil com o pagamento de juros da dívida pública, que em 2006
beneficiará os donos da dívida com R$ 180 bilhões. Estima-se que 70% desse
pagamento vão para 20.000 famílias. Em contraste com o bolsa-família em 2006,
serão gastos pouco mais de 7 bilhões para mais de 11 milhões de famílias. Isso
é possível com a taxa de juros escandalosamente elevada pelo Banco Central para
a felicidade do “mercado financeiro”. O Brasil não cresce e o desemprego é
brutal (Lessa. Folha de S.Paulo.27.04.06).
Vê-se claramente que o
crescimento evolutivo deste ornitorrinco continua truncado. A última afirmação,
a retiro também de um dos fundadores do PT, há muito com ele rompido e que se
constitui num de seus mais agudos críticos, não só do governo Lula, mas também
do próprio Lula. Retiro estas afirmações de uma entrevista concedida ao O
Estado de São Paulo. Nela ele aponta dez pontos que seriam fundamentais para
uma mudança radical de rumos para a Nação brasileira, usando este termo Nação,
já em contrapartida ao mercado em que diz nos ter-mos transformado. Na questão
econômica chama a atenção para a imobilização do Estado como agente de
desenvolvimento, uma vez que 40% dos recursos da União são gastos com os
encargos da dívida financeira, restando 5% para os investimentos. Os restantes
55% seriam despesas correntes fixas. Benjamin traça um interessante quadro
comparativo sobre o significado deste comprometimento.
A desproporção com os gastos do serviço da dívida, em
relação aos demais gastos do Estado é chocante. Dois meses d pagamento de juros
correspondem ao dispêndio anual do SUS. Um mês corresponde ao gasto anual com
educação. Quinze dias, aos recursos alocados no Programa Bolsa-família.
(...) Um dia de pagamento de juros
ultrapassa com sobras o gasto,no ano, destinado a construção de habitações
populares. Um minuto corresponde a alocação anual de recursos com a defesa dos
direitos humanos. É um descalabro (Benjamin. O Estado de S. Paulo.07.05.06).
César Benjamin
desenvolve excelentes reflexões sobre a relação existente entre a
responsabilidade fiscal e a responsabilidade social, tema que precisa
urgentemente constar na pauta das discussões econômicas e sociais brasileiras.
Como final, mesmo, apresento a epígrafe da introdução ao livro de Oliveira,
escrita por Roberto Schwartz. Ele recorre a Oswald de Andrade, que já em 1946
apresentou o ornitorrinco da seguinte forma:
“Venceu o
sistema de Babilônia
E o garção de
costeleta” (Oliveira. 2003. p. 11).
P.S. Já no limite para a entrega
deste texto, me deparo com um debate realizado no CEBRAP, no dia 26 de maio de
2006, em que compareceram o cardeal tucano Bresser Pereira e o cardeal petista,
ministro Tarso Genro. O tema do debate era: “Brasil: desafios para os próximos
10 -15 anos”.
Vejamos
algumas afirmações de Genro: “redução drástica de despesas da União, com corte
de salários, pensões e aposentadorias como medida exemplar” e “remover o
conceito arcaico de direito adquirido”. Por outro lado vejamos uma afirmação de
Bresser Pereira: “o novo desenvolvimentismo, é fortemente a favor do ajuste
fiscal. É mais rígido que a ortodoxia”. Se isto não confirma a identidade
destes partidos, vejamos esta outra afirmação de Genro. “A relação PT – PSDB em
cima de um pacto de governabilidade não só não é impossível como é necessária”.
Os dois
afirmaram que somente com estes ajustes seria possível o início de um novo
ciclo de crescimento no Brasil (Dados extraídos da Folha de S.Paulo de
27.05.06).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FERREIRA. Aurélio. Novo Dicionário Aurélio da Língua
Portuguesa. Curitiba: Positivo. 2004.
OLIVEIRA. Francisco. Crítica à Razão Dualista. O Ornitorrinco. São
Paulo: Boitempo Editorial. 2003.
JORNAIS E REVISTAS:
BENJAMIN, César. Uma receita para
superar o lulismo. In: O Estado de S. Paulo. 07.05.06.
BETTO. Frei. Se não for com Lula,
não será sem ele. In: FÓRUM. Ano 4. Número 35. Fevereiro de 2006. pp. 8-13.
LESSA. Carlos. Povo e Nação. In:
Folha de S. Paulo. 27. 04.06.
OLIVEIRA. Francisco. O enigma de
Lula: ruptura ou continuidade? In: Folha de S.Paulo. 18.05.03.
_________, Medo venceu a
esperança, diz Oliveira. In: Folha de S.Paulo. 14.06.03.
_________, Sociólogo aponta
interesse privado na reforma. In: Folha de S. Paulo. 17.07.03.
_________, Nova Classe Social
comanda Governo Lula, diz sociólogo. In: Folha de S.Paulo. 22.09.03.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.