Muito pouco eu conhecia da vida de José Roberto Torero. Coisas do esporte e de roteiros para o cinema. Na literatura, apesar de já ter ganho o prêmio Jabuti com O chalaça (1995), este foi o meu primeiro contato com sua obra. E foi muito bom. Gostei demais de ler, da coleção Plenos Pecados, o livro Xadrez, truco e outros jogos, sobre o pecado da ira. Acima de tudo muita ironia.
O pecado da ira pode até ser compartilhado com deus.
A ira talvez seja o único pecado que é cometido por Deus ou pelos deuses, mais em tempos antigos do que nos tempos atuais, dizem. Acho que não. Ou estaria profundamente enganado? Os deuses o cometem constantemente e devem se alegrar muito quando os humanos o cometem em seu nome. Ele sempre se justifica quando é para combater o mal. Como o mal nunca foi derrotado, a sua prática continua a assombrar o nosso cotidiano. A ira é um estado permanente e benfazejo no eterno combate ao mal. A ira fará a pessoa ser merecedora de muitas glórias.
Torero me fez lembrar de Saramago. O Saramago que faz uma prestação de contas com Deus, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, com o Deus do Novo Testamento e de Caim, quando a prestação de contas se dá com o irado Deus do Antigo Testamento. Mas é evidente que nem todos tem o mesmo olhar. Raul Seixas nos confessa que, já aos onze anos, não acreditava na verdade absoluta. E quando a verdade não é absoluta, tudo é relativo e os olhares passam a ser diferentes.
Olhares diferentes. Assim é que começa a construção do belo romance. O rei e o diplomata em seus jogos de xadrez, para os inteligentes, e o truco, para o qual "não é necessário raciocínio, mas esperteza, dissimulação e sorte", veem a guerra com os seus espertos e calculados olhares, assim o general, o coronel, o capitão, o tenente, o sargento e o soldado. O rei quer que os seus aliados vençam as próximas eleições, o diplomata vender suas armas, o general ganhar títulos e medalhas, o coronel as suas promoções o capitão fazendo cálculos, o tenente e o sargento com suas maldições e o soldado com a disposição de matar o ditador do país vizinho.
Todos cometem o pecado da ira e procuram dela se alimentar. Ela sempre vem acompanhada de outros pecados, especialmente com o da ambição. A narrativa foi extremamente bem construída. O grande palco para a ira foi armado através da guerra do Paraguai, ou de forma menos explícita ao país situado a oeste. O capelão acompanha o exército, sempre fazendo sermões para manter a ira em alta temperatura contra os covardes soldados do povo vizinho.
Belas tramas vão formando o enredo e, segundo a orelha do livro "uma guerra, no entanto, não se constroi apenas com atos corajosos. Há paixões mesquinhas. Gestos infames. Feitos inglórios. Há covardia, medo, mortes. Há até mesmo amor". E a história de amor é muito bonita. É de uma timidez comovedora. A declaração de amor, por sinal plenamente correspondida, é de uma invenção criativa maravilhosa. Merece uma cópia na vida real. Um belíssimo jogo de sedução. O soldado e a mulher das cartas.
Além da ironia há jocosidade. Ou os dois estados de ânimo sempre caminham juntos. Quanto de mediocridade não existe numa guerra e quanto desprezo por vidas humanas. A guerra do Paraguai deve ter sido uma trapalhada só. Me deu vontade de ler A retirada da Laguna, não sei exatamente o por quê.
Mas o livro termina com os mesmos personagens com os quais o autor começou o livro. Uns não voltaram, outros estavam bastante mutilados, com sinais das batalhas, com promoções, condecorações e títulos por receber. Mas os mais felizes eram o rei e o diplomata, que ao longo da guerra nunca abandonaram o seu jogo de xadrez ou truco e nem a vontade de novamente se sentirem tão irados, a tal ponto, se os interesses o ditarem, promoverem outra e nova guerra, agora contra os povos do leste. A guerra sempre é um momento de grandeza nacional.
Para não cometer injustiça com as outras obras, a definição de ira retirada do Aurélio: "Cólera, raiva, indignação. Desejo de vingança". Apenas isso.Também me lembrei dos constantes jogos de truco nas cantinas de nossas universidades. Exercícios ou jogos do que mesmo?
Para não cometer injustiça com as outras obras, a definição de ira retirada do Aurélio: "Cólera, raiva, indignação. Desejo de vingança". Apenas isso.Também me lembrei dos constantes jogos de truco nas cantinas de nossas universidades. Exercícios ou jogos do que mesmo?
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