segunda-feira, 20 de junho de 2016

Plenos Pecados. Soberba. O voo da rainha. Tomás Eloy Martínez.

Este é o meu segundo encontro com o escritor argentino Tomás Eloy Martínez. O primeiro contato ocorreu em 2012, com o livro O cantor de Tango. Fiquei maravilhado. O tema era a ditadura militar argentina. Agora um novo contato. A admiração só fez crescer. Trata-se de um grande escritor. Desta vez o livro foi O voo da rainha, da coleção Plenos Pecados e o pecado abordado é o da soberba, o primeiro pecado cometido e do qual todos os outros derivam. Será?
O maravilhoso livro do grande escritor argentino.


A trama do romance é cativante. É daqueles livros que você não para de ler enquanto não o termina. O mote para a abordagem da soberba é o jornalismo, ou mais precisamente, a redação de um jornal. Ali tem de tudo. Desde o máximo de soberba bem como o seu contrário, a servidão total, ou numa linguagem mais clara, o puxa-saquismo e a rendição total à soberba do chefe.

O personagem central é o excêntrico Dr. Camargo e uma mulher, que começa a crescer ao longo do romance, Reina Remis, a moça que ele observa a partir de sua janela. Camargo tem poderes ilimitados e Reina faz de tudo para crescer profissionalmente. O jornalismo praticado pelo Diário era o jornalismo investigativo, com foco na cobertura da corrupção do governo da Argentina no final dos anos 1990. Camargo era amigo do jornalista brasileiro Antônio Pimenta Neves, que lhe passa preciosas informações sobre a corrupção do filho do presidente argentino.

Pimenta Neves é o jornalista que se tornou famoso por um crime passional, quando ele (63) mata Sandra Gomide (32) com quem viveu um rumoroso caso de amor por três anos, quando a assassina por questões de ciúmes. É nesse período que Reina chega ao jornal e chama a atenção de Camargo com um texto sobre a morte de Robert Mitchun. O seu artigo sobre o ator remete a um filme em que existem referências a Jesus e a um possível irmão gêmeo seu, Simão, que aparece nos evangelhos apócrifos. 

Reina se torna famosa quando as notícias que envolvem a corrupção do presidente argentino ganham notoriedade. Num jogo midiático ele se retira a um convento de monges beneditinos, anunciando a todos que tivera uma aparição de Jesus Cristo. Ele voltara à terra. Reina, que sempre mostrou interesse em estudos de teologia, prova biblicamente que Ele só voltaria à terra em total triunfo e nunca em aparições individuais. A farsa se desvela junto com a indignação do abade que abrigara o presidente. Reina ganha primeira página.

Este parágrafo pretende ser um entre parêntesis à resenha. A invenção desta história para provocar o desvio do foco da corrupção é simplesmente memorável. Fica aí a sugestão para os marqueteiros do governo Temer. O problema é que envolve bastante gente. Como pode ser tão atual este livro. Ele foi escrito em 2002.

Reina provoca profunda admiração em Camargo e um relacionamento afetivo começa a ocorrer. Viajam o mundo. Camargo esquece de tudo na vida por causa dela e, também para o êxito do jornal, onde pratica os atos de soberba. Questão de competição. Esquece de Brenda, a esposa, esquece as filhas gêmeas, sendo que uma delas está sendo vitimada pelo câncer. A relação sempre fora tempestuosa mas se sustentava.

Até que um dia Reina se apaixona e aí começa a sua destruição. A sua paixão é um jornalista colombiano que fere profundamente o sentido de posse de Camargo. A sua vingança é quase inimaginável e não adianto nada de sua vingança para não comprometer a expectativa da narrativa do leitor. Adianto apenas uma frase: "Não foi só com doenças venéreas que ela foi contaminada duas noites atrás: também com uma paranoia maligna, um instinto de fragilidade do qual ela não sabe como se proteger". Lembrando que a paranoia é formada por medos insuperáveis e insuportáveis.

A destruição também atinge a sua vida profissional. Não há mais trabalho no meio jornalístico de Buenos Aires para ela. Mas esta menina destruída ainda é a paixão doentia de Camargo, que não se sentindo correspondido, repete a história de Pimenta Neves. O seu processo de absolvição foi muito fácil. Nenhuma culpa. Na contracapa do livro se lê: "A soberba é o mais prolífico dos vícios capitais. Como um desejo desordenado de glória e superioridade, a soberba também é considerada a forma básica do pecado - foi ela a responsável pela desobediência primeira, a de Adão, que provou do fruto proibido com a ambição de tornar-se Deus". Até uma origem histórica dos pecados capitais cabe no livro.

E mais uma frase, já da parte final do livro, quando Camargo é agraciado com um mel especial que as abelhas reservam apenas para a abelha rainha: "Porque o senhor não experimenta o mel com a cera Dr. Camargo. - Se as rainhas tiram daí toda a força que precisam para voar tão alto, imagine o efeito que isso pode fazer no senhor, que é um príncipe". Ainda recomendo uma atenção especial em todas as incursões teológicas que o narrador faz, especialmente, quando usa de Reina para expressá-las.

Ainda o Aurélio: Soberba é: "Elevação ou altura de uma coisa em relação a outra. Orgulho excessivo; altivez, arrogância, presunção, sobraçaria, sobranceira". O próximo livro do autor a ser lido será será uma biografia de Evita.

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