segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

Os Ratos. Dyonélio Machado.

Como cheguei a este livro? Nunca ouvira falar dele nem de seu autor. Mas, como leituras chamam leituras, Mary del Priore me conduziu a ele. Em seu livro Histórias da gente brasileira - Volume 3. República - Memórias (1889-1950) ela faz a citação deste escritor, um psiquiatra gaúcho e, comunista. No penúltimo dos 28 pequenos capítulos do livro se lê o seguinte: "Faz-se um grande tumulto dentro da sua cabeça". É o livro, Os Ratos, de Dyonélio Machado.
O livro de Dyonélio Machado (1895-1985), prêmio Machado de Assis (1935) da ABL.

Um psiquiatra a olhar o mundo de sua época, escolhendo como foco, as tristezas, as dores e as angústias de um modesto funcionário público, enrodilhado em uma dívida, dentro de uma vida endividada, que recebe do leiteiro o ultimato que tanto o perturba. Naziazeno Barbosa, o funcionário, está diante da cobrança - "Lhe dou mais um dia". Naziazeno se vira. Corre atrás e viverá um dia interminável, passando pelas mais humilhantes situações e uma longa insônia com o imaginário voltado para os ratos a roerem o dinheiro destinado ao leiteiro. É um romance introspectivo. O palco do romance é a de um dia da consciência agitada do pobre Naziazeno.

Como os editores do livro optaram por fazer uma apresentação absolutamente original, escolho o mesmo caminho para fazer esta resenha. Nesta apresentação existem depoimentos a respeito de Dyonélio e de sua obra. Faço alguns destaques. O primeiro é de Eliane Zagury: "É a angústia do tempo que se esvai em sua utilização imediata e inoperante, sem metafísicas. O problema existencial se reduz (e concretiza) às proporções do magro salário do 'barnabé', que não dá para manter a família. Temos, assim, uma narrativa de episódios cronometrados e classificados na medida sufocante do mundo capitalista - o tempo-dinheiro - que se marca no passeio completo por todos os meios possíveis de transações financeiras imediatas, no Porto Alegre da década de trinta". Um pequeno adendo. Também vivi, quase sem nenhum dinheiro, nesta Porto Alegre, no ano de 1968, depois de minha saída do seminário de Viamão. Mas não foi tão trágico assim.

O segundo é de Fábio Lucas: "O drama urbano pequeno-burguês mais comovente está em OS RATOS (São Paulo, 1935) de Dyonélio Machado, cuja ação se passa toda num dia. A personagem sofre a ameaça do leiteiro a quem deve: no dia seguinte não haveria mais fornecimento se a dívida não fosse liquidada. A novela desenvolve a epopeia do personagem em busca do dinheiro. A busca fora tão intensa que, à noite, o heroi acaba perdendo o sono e, naquele torpor e ansiedade, em que se encontra, sente que os ratos estão roendo o dinheiro que deixara para o leiteiro. Forma-se nele a convicção da perda total, até que ouve a entrada do leiteiro, que derrama leite na vasilha. O tema é o da escravização pela dívida, o drama da necessidade". Imagina então esta situação em tempos do capitalismo financeiro.

O terceiro depoimento é o de Moisés Velinho: "Com efeito o sr. Dyonélio Machado transporta-nos, com OS RATOS, para um mundo penoso, espécie de câmara fechada, onde repassam, hora por hora, minuto por minuto, num surdo e obstinado vaivém, os incidentes, os mesquinhos tormentos de um dia na existência de um pobre diabo. Um pobre diabo que é, não obstante, uma criatura humana, o chefe de uma família, o pai de uma criança que precisava comer e sorrir".

O quarto depoimento o tomo de Cyro Martins: "Com efeito, impressiona, desde logo, o grupo psicológico que formam Naziazeno, Duque, Alcides e Mondina. O vínculo que os une é a deformação masoquista da personalidade, que tem em Naziazeno a expressão máxima. Superficialmente, esses 'lutadores' parecem astuciosos armadores de ardis para sair de apertos, mas se os enquadrarmos numa perspectiva psicanalítica, vemos em seguida que são uns pobre-diabos, movendo-se num clima emocional de constrangimentos, de restrições, de procura de sofrimento e castigo".

Do mesmo Cyro tomo o quinto depoimento: "Em suma, essa história, que é um corte transversal no fluir existencial sem rumo de um punhado de indivíduos, evidencia o quanto os grupos humanos frequentemente funcionam como uma personalidade única, dividida em egos parciais. Quanto mais dividida estiver essa personalidade, mais patológica será, assim como também a profundidade da morbidez variará de acordo com o nível regressivo do laço moral que ocasional ou permanentemente os una, como é o caso, bastante ilustrativo, da pandilha d'OS RATOS".

Para encerrar, tomo o Pequeno Dicionário da Literatura Brasileira: MACHADO, Dyonélio - biográfico, crítico e bibliográfico. (N. 21/8/1895, Quaraí, RS). Diplomou-se em 1929 pela Faculdade de Medicina de Porto Alegre, especializando-se em Psiquiatria. Dedicou-se também ao jornalismo, como redator e, posteriormente, diretor interino do Correio do Povo, de Porto Alegre. Exerceu mandato de deputado no RS, antes da implantação do Estado Novo. D. M. alcançou notoriedade com OS RATOS, publicado em 1935 no Rio, logo após ter sido premiado, juntamente com obras de Érico Veríssimo, Marques Rebelo e João Alphonsus, em concurso de repercussão nacional. Nesse romance, descreve ele o dia angustiado de um modesto funcionário público às voltas com o problema de conseguir dinheiro para pagar, na manhã do dia seguinte, a conta do leiteiro. A opressiva banalidade do episódio e o desfibramento moral de seu protagonista são ressaltados, com muita propriedade, através de um pontilhismo introspectivo, que se demora na reconstituição minuciosa das pequenas misérias e frustrações do cotidiano".

Eis a resenha. Creio que perceberam que a busca deste livro valeu muito a pena. Em comentários vi comparações com Graciliano Ramos e Dostoiévski. Os tormentos interiores.

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