terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Três passagens sobre o Código Civil ou o Código de Napoleão.

Creio que ao longo do tempo adquiri uma certa compreensão do processo histórico. Dentro desta compreensão logo percebi toda a importância do Código de Direito Civil, também denominado Código de Napoleão. Ele foi o grande responsável pelo ordenamento burguês que seguiu aos agitos populares da primeira fase da Revolução Francesa. Destaco aqui três depoimentos. O primeiro, o retiro de uma biografia de Napoleão Bonaparte de autoria de Pascale Fautrier:
A bela biografia de Napoleão Bonaparte, de Pascale Fautrier.


"De seu gabinete Bonaparte precisava dar apenas alguns passos para chegar às sessões do Conselho de Estado, instalado na ala direita das Tulherias. Essas sessões eram uma ocasião para o Primeiro- Cônsul, depois imperador, colocar em cena publicamente seu poder: ele era visto tendo homéricos ataques de cólera, acusando este ou aquele, parabenizando aquele outro cujo apoio queria obter, fingindo levar em consideração alguns argumentos para melhor refutá-los a seguir etc. Ele teve controvérsias terríveis, mas podemos duvidar que tenham sido tão livres quanto afirma o Memorial (uma espécie de livro de memórias). Podemos confiar em Stendhal, que foi ouvinte no Conselho de Estado (a partir de 1810) e que admirou o grande homem quando escreve em sua Vida de Napoleão: "Criado pelas ideias militares, a deliberação sempre lhe pareceu uma insubordinação. A experiência todos os dias lhe provava sua imensa superioridade, e ele desprezava demais os homens para admiti-los na deliberação de medidas que ele havia julgado salutares".

Foi quando o Código Civil foi discutido por dois anos: seria promulgado no mesmo dia do assassinato do duque d'Enghien, 21 de março de 1804, conforme observado por Chateaubriand.

"Comprometido com o direito romano e o direito consuetudinário, com o Antigo Regime e a Revolução", o código de Napoleão, como foi batizado em 1806, arcou um nítido recuo em relação à legislação revolucionária sobre  a questão do direito das mulheres, consideradas como menores, do divórcio e sobre os direitos à herança dos filhos naturais: "A vontade do pai voltava a ser a base da célula familiar. "Qual o exato papel desempenhado por Bonaparte na redação desse código "feito para uma sociedade conservadora, que só se interessa pela propriedade da terra? Concentrado, quando não estava, batendo com o canivete no braço da poltrona ou escrevendo dez vezes seguidas "Vocês são todos uns malfeitores" ou " Meu Deus, como vos amo", num pedaço de papel, aspirando tabaco sem parar e às vezes cochilando (principalmente ao fim do Império), o primeiro-cônsul decidia em caso de conflito. Todavia, o "bloco de granito" do Código Civil, que sancionou, apesar de seu caráter conservador, a igualdade das pessoas diante da lei (exceto as mulheres), o grande ganho de 1789, foi obra sobretudo de Portalis, Tronchet e Maleville".

Ainda existe uma nota explicativa ampliando a influência de Napoleão sobre outros códigos. Eis a nota: "É difícil avaliar a contribuição exata de Bonaparte na redação dos códigos: além do Código Civil, o Código de Procedimento Civil (1806), o Código de Comércio (1807), o Código de Instrução Criminal (1808), o Código Penal (1810) e Rural (1814, a Cour de Comptes (1807). Isso tudo não foi pouco.
O monumental livro de Leo Huberman.


O segundo depoimento, o retiro de um livro que me acompanha desde os anos 1980, A História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman. Destaco quatro parágrafos: "É uma descrição exata do que ocorreu. Depois que a Revolução acabou, foi a burguesia quem ficou com o poder político na França. O privilégio de nascimento foi realmente derrubado, mas o privilégio do dinheiro tomou o seu lugar. "liberdade, Igualdade e Fraternidade" foi uma frase popular gritada por todos os revolucionários, mas que coube principalmente à burguesia desfrutar.

O exame do Código Napoleônico deixa isso bem claro. Destinava-se evidentemente a proteger a propriedade - não a feudal, mas a burguesa. O Código tem cerca de 2.000 artigos, dos quais apenas 7 tratam do trabalho e cerca de 800 da propriedade privada. Os sindicatos e as greves são proibidos, mas as associações de empregadores permitidas. Numa disputa judicial sobre salários, o Código determina que o depoimento do patrão, e não o do empregado, é que deve ser levado em conta. O Código foi feito pela e para a burguesia: foi feito pelos donos da propriedade para a proteção da propriedade.

Quando o fumo das batalhas se dissipou, viu-se que a burguesia conquistara o direito de comprar e vender o que lhe agradasse, como, quando, e onde quisesse. O feudalismo estava morto.

E, morto não só na França, mas em todos os países conquistados pelo exército de Napoleão. Este levou consigo o Código de Napoleão. Este levou consigo o mercado livre (e os princípios do Código Napoleônico) em suas marchas vitoriosas. Não é de surpreender que fosse bem recebido pela burguesia das nações conquistadas! Nesses países, a servidão foi abolida, as obrigações e pagamentos feudais foram eliminados, e o direito dos camponeses proprietários, dos comerciantes e industriais, de comprar e vender sem restrições, regulamentos ou contenções, se estabeleceu definitivamente".
A análise de Marx da Revolução burguesa na França.


O terceiro depoimento o retiro do mesmo livro de Leo Huberman, numa citação sua do Dezoito de Brumário de Luís Bonaparte, escrito em 1852: "Desmoulins, Danton, Robespierre, Saint Just, Napoleão, os herois e os partidos e massas da grande Revolução Francesa... ... terminaram a tarefa da época - que foi a libertação da burguesia e o estabelecimento da moderna sociedade burguesa. Os jacobinos revolveram o terreno no qual o feudalismo tinha raízes, e abalaram a estabilidade dos magnatas feudais que nelas se apoiavam. Napoleão estabeleceu por toda a França as condições que tornaram possível o desenvolvimento da livre concorrência, a exploração das terras depois da divisão das grandes propriedades, e a plena utilização da capacidade de produção industrial do país. Através das fronteiras, por toda parte, fez uma derrubada das instituições feudais..."

A burguesia foi a grande ganhadora com todo o processo revolucionário. Marx ganhou a disputa ideológica entre as esquerdas. O seu pensamento se tornou hegemônico entre a classe trabalhadora.


2 comentários:

  1. Não tenho a mesma capacidade de leitura (Estou bem mais lento), nem sua sabedoria (São efeitos da velhice encardida). Acompanho-o por aqui e aprendo muito.

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  2. Meu amigo Cláudio Ribeiro. Isso me emociona. Nutro pelo senhor o mais elevado grau de respeito. Que bom que a gente vai trocando leituras, e espero também, cervejas. Estamos preparando mais um encontro no Dé. Obrigado pelo elogio.

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