terça-feira, 10 de julho de 2018

A Última Quimera. Ana Miranda.

Um livro enigmático, a partir da própria palavra título do livro. O que seria uma quimera? A autora responde, na apresentação do livro, com um texto de Borges. Quimera está presente ao longo de toda a história da literatura. Significa o impossível, ou "Idea falsa, vana imaginación". A Última quimera é, na realidade, a biografia do poeta paraibano Augusto dos Anjos. Especialmente ele, uma quimera. Um ser humano de uma existência complexa.
Augusto dos Anjos, Olavo Bilac e outros ilustres estão aqui retratados.

O poeta Augusto dos Anjos nasceu no estado da Paraíba, onde não encontrou espaço para a sua afirmação, em virtude das negações do governador em ajudá-lo. Isso o fez procurar a sorte no Rio de Janeiro, onde não teve melhor sorte. As ajudas ficavam nas promessas dos políticos. Queria apenas um emprego que lhe desse a necessária sustentação na vida. Este emprego, ele foi encontrar em Minas Gerais, na cidade de Leopoldina, como professor na escola desta cidade.

Possivelmente a parte mais inusitada e original do livro seja a presença do narrador. O personagem está presente em todos os acontecimentos da vida de Augusto, a começar pela infância, vivida em conjunto na Paraíba, até os desejos por Esther, com quem Augusto se casou e teve filhos. O narrador também é um poeta e tem uma condição financeira bem melhor que a de Augusto. O narrador está envolvido com Camila, a quem acolheu e é tida como desaparecida. Ela é portadora de tuberculose. O narrador também esteve envolvido com Marion, que se tornou freira. Esther, depois de viúva, se casa com outro professor, sem sofrer a condenação do narrador.

Mas não é apenas Augusto dos Anjos o tema do livro. Também aparece Olavo Bilac, Rui Barbosa, a Revolta da Chibata, com os canhões voltados para a cidade do Rio de Janeiro, apontando, na verdade, para a angustiosa existência do narrador. Também a modernização da cidade está presente. Como podem observar, a data da morte de Augusto é o ano de 1914. Esta data é fundamental para localizar os acontecimentos da cidade, com uma pequena volta no tempo, quando Augusto e o narrador chegam à cidade.

O livro é divido em cinco partes, divididas em capítulos e estes em pequenos tópicos, em geral ocupando duas páginas, quando não apenas uma só. As cinco partes são: Parte um: Rio de Janeiro, 12 de novembro de 1914 (data do falecimento de Augusto dos Anjos, em Leopoldina); parte dois: a viagem; parte três: Leopoldina - MG.; parte quatro: De volta para o Rio de Janeiro e parte cinco: Epílogo.

Na primeira parte, dedicada ao Rio de Janeiro, os capítulos tem os seguintes títulos: A plenitude da existência, onde os principais personagens são situados; Eu, a obra poética de Augusto, que não tem boa acolhida; A luz lasciva do luar, onde entra em cena Olavo Bilac e seus confrontos com Raul Pompeia e, ainda, a morte de Augusto em Leopoldina; a triste dama das camélias, onde são reveladas as aflições e tristezas de Camila e seu envolvimento com o narrador, que a deixa escarrando sangue para ir ao enterro de Augusto e ao encontro de Esther; O morcego tísico, onde entra em cheio na biografia de Augusto e a sua ida para Minas, para dirigir a escola da cidade. Leopoldina era chamada de "Atenas da Mata". Ali o poeta morre em consequência de uma pneumonia.

A parte dois, dedicada à viagem para Minas Gerais, tem por títulos: O terror como leitmotiv, onde o narrador relata seu drama de consciência pelo abandono de Camila, enquanto novos personagens se integram na narrativa, na viagem para o enterro; uma simplicidade campesina, capítulo dedicado às reminiscências da infância vivida na Paraíba. Interessantes revelações sobre a personalidade de Augusto são feitas.
Busto em homenagem a Ciro dos Anjos na Academia Paraibana de Letras.

A parte três é dedicada à cidade mineira de Leopoldina, que passa a ser descrita, segundo as observações do narrador. Tem os seguintes títulos: Lagarta negra. O tema mais uma vez é Augusto, o seu funeral e enterro, a participação da população, até as prostitutas, também presentes na sua poesia, o epitáfio - Poeta paraibano - e outras descrições da cidade; Esther em negro, onde na primeira parte ainda é examinada a poesia de Augusto para depois falar do reencontro do narrador com Esther; A lua provinciana: o tema são as crianças de Augusto, Guilherme e Glória e o luar da cidade interiorana. A sua contemplação propicia novas reflexões; Tristes vidros violeta, apresentando o violeta e roxo como as cores da semana santa, as cores da vida de Augusto, apresentado ao narrador pelo padre da cidade, como um grande humanista; o rosto da morte, o rosto de Esther à janela; um urubu pousou na minha sorte, que marca a passagem de um professor amazonense na vida de Esther e Et perdez-vous encore le temps avec des femmes, que marca o retorno do narrador para Camila.

A parte quatro é marcada pelo retorno ao Rio de Janeiro, com dois capítulos: Marca de fogo, onde são queimados todos os pertences do narrador, inclusive seus poemas, por contato com Camila, acometida pela tuberculose e um mundo infinito, dedicado à velhice e às demências do ocaso de Olavo Bilac.

A quinta parte tem por título: Epílogo. Tem um único capítulo: A roda da vida. Onde é traçado o destino de todos os personagens envolvidos na trama. O narrador é saudado como o "Príncipe dos Poetas", título que pertence a Olavo Bilac, mas este não é paraibano, como o narrador. Depois da morte de Augusto, o seu livro EU, vende mais de 50.000 cópias em muito pouco tempo. O livro é maravilhoso. Profundamente introspectivo. Seguramente Ana Miranda é uma grande romancista.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.