quarta-feira, 4 de julho de 2018

Rompendo o silêncio. Alice Walker.

Revendo o livro A cor púrpura, deparo com outro livro de Alice Walker. Trata-se de Rompendo o silêncio. Uma poeta diante do Horror em Ruanda, no Congo Oriental e na Palestina/Israel. Em A cor púrpura, Alice é mostrada como "internacionalmente conhecida por sua participação em movimentos pelos direitos civis, principalmente das causas negra e feminina". Como podemos ver, em Rompendo o silêncio, ela amplia o seu leque de indignações. A cor púrpura é de 1982 e Rompendo o silêncio é de 2010.
O livro de Alice Walker.


O estilo é o mesmo. Pequenos capítulos de duas a três páginas. Sempre cortantes pela delicadeza com que aborda os temas, mesmo sendo expressões do violento ódio que assola a humanidade. A questão de Ruanda recebe apenas um capítulo, bem explicativo de como os belgas plantaram o ódio que provocou um dos maiores genocídios da humanidade, entre os hutu e os tutsi. O  Congo Oriental ganha dois capítulos, mostrando o estupro como arma de guerra dos brancos e a sua ímpar crueldade, obrigando os filhos a comerem carne assada de seus próprios pais. Os demais 21 pequenos capítulos tem a Palestina/Israel como tema.

O título, Rompendo o silêncio, já nos induz que o livro se dedica a fazer denúncias. Estas são as cometidas pelo governo de Israel contra o povo palestino, sob o beneplácito incondicional do governo dos Estados Unidos. Ela descreve o que viu ao longo de uma viagem realizada à região, em nome de organizações internacionais das quais participa. Depois de mostrar Ariel Sharon como o "açougueiro" de Sabra e Chatila, relata a aprendizagem que os judeus tiveram com os americanos para praticarem os horrores na Palestina, numa reflexão que faz "sobre esse ciclo de violência que os humanos traçaram para si mesmos":

"Hitler aprendeu (parcialmente) dos americanos como "limpar" a Alemanha dos judeus, assim como usar cabelos de judeus para rechear colchões. Os cabelos dos indígenas há muito também, foram usados como recheio de colchões. Crianças e famílias indígenas foram massacradas, não porque fossem "selvagens" - um olhar à sua arte diz quem eles foram -, mas porque os colonos europeus que chegaram à América queriam suas terras. Assim como os israelenses quiseram e tomaram à força o território palestino. Do mesmo modo que os americanos, eles tentaram ocultar sua avareza e crueldade por trás de uma montanha de mitos: que ninguém vivia na Palestina, que os palestinos eram selvagens, que não havia nada parecido com um palestino (contribuição de Golda Meir), que os israelenses eram Davi e os palestinos Golias [...] Depois há Hollywood, que tem enorme responsabilidade por constantemente desconsiderar os árabes em geral, mas que, em se tratando da Palestina e de Israel, sempre projeta Israel como estando em seu direito, não importa o que façam...".

A narrativa prossegue contando sobre os bombardeios, os escombros e o medo com que os palestinos tem que conviver diariamente, das comidas que se tornam deliciosas à medida da dificuldade que tem em adquiri-las e também sobre os costumes como o caso do uso do véu e dos problemas que este hábito pode gerar. Nas conversas com o povo, tem uma mulher que aproveita para mandar um recado para Oprah, a famosa apresentadora de televisão. Alice promete transmitir o recado e assim descreve esta mulher:

"Essa bela mulher ri; em seguida, fala com seriedade. Não odiamos os israelenses, Alice, diz ela serenamente. O que odiamos é ser bombardeados, ver nossas crianças vivendo com medo, enterrá-las, morrer de fome e ser expulsos de nossa terra. Odiamos gritar eternamente para o mundo abrir os olhos e ouvidos para a verdade do que está ocorrendo e ser ignorados. Mas não odiamos os israelenses. Se eles parassem de nos humilhar e nos torturar, se parassem de tirar tudo que é nosso, inclusive nossas vidas, dificilmente pensaríamos neles. Por que o faríamos?"

O capítulo 18 tem por título "dominados pela dor". O transcrevo na íntegra: "Há uma sensação de derrota ao tentar confortar alguém cujo filho foi morto enquanto dormia e enterrado, algumas semanas antes, até o pescoço em escombros. Ou uma mãe que perdeu quinze membros da família, todos os filhos, netos, irmãos e irmãs, e o marido. O que dizer para as pessoas cujos familiares saíram de suas casas bombardeadas acenando bandeiras brancas somente para serem baleadas? Para mães cujos filhos estão, neste momento, brincando sobre os escombros tomados de fósforo branco que, depois de vinte e dois dias de bombardeio, se encontram em toda parte em Gaza? O fósforo branco, uma vez em contato com a pele, não para de queimar. Realmente, não há nada a dizer. Nada a dizer àqueles que, ao voltarmos para a América, não querem ouvir as notícias".

Termino com mais um relato dramático de destruição: "Eles destruíram a minha casa, disse, com bombardeios, e então vieram com escavadeiras e deceparam o limoeiro e as oliveiras. O exército de Israel já destruiu mais de dois milhões e meio de oliveiras e árvores frutíferas desde 1948".

Transcrevo ainda o capítulo 24. O mundo encontra sua voz: "O mundo, afinal, encontra sua voz sobre tudo aquilo que o prejudica. Nesse sentido, o duplo legado da catastrófica mudança climática (parte dela causada pela guerra) e da Internet veio para soltar a voz, mesmo a dos mais silenciosos. Ainda que o horror do que testemunhamos em lugares como Ruanda e Congo e Burma e na Palestina/Israel ameace a nossa própria capacidade de falar, nós falaremos. E, como quase todos no planeta agora reconhecem nossa marcha coletiva contra o desastre global, a menos que mudemos profundamente nossos métodos, nós seremos ouvidos.

Como solução ela apresenta a proposta da unidade territorial da Palestina, sem as separações, assim como aconteceu no caso do apartheid da África da Sul.

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