segunda-feira, 23 de julho de 2018

Brasil: uma biografia não autorizada. Francisco de Oliveira.

Sempre gostei muito do Francisco de Oliveira. Por isso quando vi - sobre o lançamento de seu novo livro, não hesitei em comprá-lo. Na verdade, não se trata de um novo livro. Trata-se de uma edição de textos já publicados anteriormente, mas que são de premente atualidade. O livro é composto de dois textos maiores, sendo que o primeiro deles serve de mote para o título do livro. Ele tem por título - O adeus do futuro ao país do futuro: uma biografia breve do Brasil. O segundo é - Quem canta de novo a L'Internationale, uma retrospectiva histórica do movimento operário brasileiro.
O livro é uma reedição de textos.

Os textos menores são - hegemonia às avessas; o avesso do avesso; a clonagem e jeitinho e jeitão. Seguem compilações de entrevistas suas sobre diversos temas como as suas origens, sobre Miguel Arraes, sobre o golpe de 1964, sobre as suas prisões, sobre a USP, sobre a social democracia, sobre o totalitarismo neoliberal, sobre o lulismo, sobre a hegemonia às avessas, sobre o PSOL, sobre o MST, sobre o golpe institucional, sobre o governo Temer, sobre a herança socialista, sobre os intelectuais e a crítica social no Brasil e sobre crítica e utopia.

O primeiro texto é primoroso e profundamente impregnado de pessimismo. Não há futuro para o Brasil, o apregoado país do futuro. Dou os subtítulos: síntese da formação histórica brasileira; o lugar do Brasil na América Latina; a vertigem da aceleração: quinhentos anos em cinquenta e um epílogo provisório. O texto, como síntese, é uma preciosidade e vale o livro. Ocupa as páginas 27 a 78. O total é de 174. Destaco um parágrafo, que também é destacado na contracapa:

"Desde logo, eis os elementos do truncamento que alimentou a autoironia dos brasileiros, às vezes cáustica, mas baseada em fatos: uma independência urdida pelos liberais, que se fez mantendo a família real no poder e se transformou imediatamente numa regressão quase tiranicida; um segundo imperador que passou à história como sábio e não deixou palavra escrita, salvo cartas de amor um tanto pífias; uma abolição pacífica, que rói as entranhas da monarquia; uma república feita por militares conservadores, mais autocratas que o próprio imperador". Dou também a frase final do texto: "Obrigado, Cacá Diegues: Bye-bye, Brasil".

O título tem a sua origem em Stefan Zweig, o suíço que, refugiado do nazismo e maravilhado com o país, profetizou que o Brasil seria o país do futuro. Futuro que, no entanto, não se concretizou. Em todos os momentos de nossa história, que poderiam ser marcados pela ruptura, um forte conservadorismo sempre prevaleceu. E a decepção maior veio com os governos do PT, que praticaram a hegemonia às avessas, quando os trabalhadores foram os condutores morais do capitalismo, mas não assumiram o seu direcionamento econômico. Este ficou em poder da burguesia, e pior, da burguesia financeira. É óbvio que esta crítica aos governos do PT foi a maior motivação da escrita do livro. A questão financeira marca hoje a centralidade da política brasileira.

Francisco de Oliveira foi um dos fundadores do PT mas o abandonou assim que ele chegou ao poder, quando Lula empreendeu a Reforma da Previdência do setor público, seguindo as pegadas de FHC, de sua reforma que atingiu o setor privado. Neste bojo surgiu o PSOL, partido ao qual aderiu, e que, conforme diz, não veio com perspectivas de poder, de corrigir os erros do PT, mas de manter viva a crítica. A maior das críticas se dirige ao Bolsa família, medida que diminuiu a fome, mas não combateu a desigualdade.
A esdrúxula figura do ornitorrinco também está presente no livro.

Para aguçar a curiosidade, transcrevo ainda dois parágrafos da orelha: "Sem papas na língua, Francisco de Oliveira analisa a "hegemonia às avessas" dos governos Lula e Dilma, em que governos eleitos com base popular - promovendo "políticas assistencialistas de funcionalização da pobreza" - dariam garantia de continuidade à dominação burguesa neoliberal, a exemplo do que ocorreu sob a liderança de Mandela na África do Sul.

Escritas no auge do Lulismo e lidas hoje, as reflexões aqui reunidas ganham um sentido profético. Mas nem por isso o autor se deixou levar pela direita: confessa que, apesar das críticas, votou em Lula e em Dilma nas três últimas eleições (ainda que apenas no segundo turno). Isso mostra o tamanho da encrenca em que a esquerda brasileira está metida, para não falar como já dizia outro velho barbudo, ter consciência do problema já é um primeiro passo para encontrar a solução".

A crítica ao Lula vai do culto da personalidade, fenômeno que deveria estar ausente no moderno conceito de democracia, ao lulismo, "uma perversão do petismo". O lulismo se tornou possível graças ao assistencialismo praticado pelo Bolsa Família. Como Francisco de Oliveira confessou ter votado em Lula e Dilma no segundo turno, pressupõe-se que ele tenha visto alguma coisa boa neles, mas isto não aparece ao longo do livro. Dilma é vista apenas como o clone do Lula. O texto sobre o sindicalismo é muito bom e foca especialmente os sindicatos de metalúrgicos e São Paulo e de São Bernardo do Campo.


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