Sempre sigo alguns princípios quando faço a escolha dos livros para a leitura. Um deles é a escolha através dos autores. É o caso desse livro maravilhoso de Christian Laval, professor de sociologia da Universidade Paris-Ouest Nanterre - La Défense, A escola não é uma empresa - O neoliberalismo em ataque ao ensino público. Conheci Christian Laval por seus livros em parceria com Pierre Dardot, A nova razão do mundo - Ensaio sobre a sociedade neoliberal e Comum - Ensaio sobre a revolução no século XXI. Pretendo ainda ler muitos outros.
Uma dura contestação à escola neoliberal.
Uma dura contestação à escola neoliberal.
A escola não é uma empresa é uma forte defesa em favor da escola pública, uma longa construção histórica. Vou ficar aqui com apenas uma qualificação sua: ela é republicana. O livro se deve aos ataques que ela vem sofrendo por parte daqueles que querem alinhar a escola à lógica do capitalismo global. É sabido que a escola, historicamente, ficou um tanto imune a essa lógica, por ser um espaço de contraposição aos seus princípios. Passou a ser um raro espaço de humanização em meio a uma barbárie generalizada, com o avanço capitalista. Mas isso foi mudando, especialmente, no pós Segunda Guerra Mundial, quando são formuladas as teorias e a partir dos anos 1980, com a sua implantação.
O livro não é novo. A sua primeira edição é de 2003 (Brasil - 2004) e o Brasil ganhou uma nova edição, agora em 2019. Ele ganhou apenas um novo prefácio, para dizer de sua atualidade. É óbvio que isso tem a ver com golpe de 2016. Por ser um livro de 2003 ele não contém tanta novidade com relação aos princípios e aos fatos. O seu grande valor está no poder de análise e interpretação. Está muito bem fundamentado, tanto na apresentação dos referenciais teóricos, quanto nos documentos das agências internacionais que expõem a doutrina e as diretrizes para a sua implementação. Essas doutrinas representam um avanço sobre um incipiente e promissor mercado. Tudo está apenas começando. É óbvio que isso representa uma mudança profunda e é motivo de muitas preocupações e desalentos em meio aos profissionais envolvidos.
O livro, além de introdução e conclusão, está estruturado em três partes, que tem os seguintes títulos: I. A produção de "capital humano" a serviço da empresa; II. A escola sob o dogma do mercado e III. Poder e gestão na escola neoliberal. São 326 páginas, com muitas notas ao pé de página (fontes) e uma bela indicação bibliográfica, ao final.
A primeira parte possui quatro capítulos, que envolvem essa mudança fundamental nos objetivos educacionais. São eles: 1. Novo capitalismo e educação; 2. O conhecimento como fator de produção; 3. O novo idioma da escola e 4. A ideologia da profissionalização.
A segunda parte tem mais quatro capítulos, mas a numeração vai na sequência: 5. A grande onda neoliberal; 6. O grande mercado da educação; 7. A nova "gestão educacional" e 8. As contradições da escola neoliberal.
A terceira parte também tem quatro capítulos: 9. "A modernização" da escola; 10. Descentralização, poderes e desigualdades; 11. A nova "gestão educacional"; 12. As contradições da escola neoliberal. Ainda na estrutura geral do livro, os capítulos são apresentados com sub-títulos, fato que torna a leitura bem mais fácil.
Creio que com os títulos dos capítulos é possível vislumbrar um grande sistema de mudanças. A escola, de uma instituição pública foi transformada numa "organização" e, de um espaço destinado à de transmissão de conhecimentos foi reduzida à aquisição de competências e, ainda, de espaço de inserção cultural foi reduzida a treinamento de habilidades. A escola não mais é feita para a criança entrar numa "relação metacognitiva com a linguagem e os saberes". Se transformou num espaço onde se exercita o anti-intelectualismo.
Na orelha do livro encontramos a novilíngua dessa escola: A educação vai deixando de ser um bem comum, público, e adquire cada vez mais o caráter de mercadoria, de bem privado comercializável, sofrendo os condicionamentos da lógica empresarial em termos de gestão e de resultados. Nessa nova lógica, devem ser usadas as ferramentas da "gestão participativa", em que o eufemismo dá o tom: o poder se tornou "pilotagem"; comando é "mobilização"; autoridade é "suporte"; supervisionar é "ajudar"; impor é "convencer"; dirigir não é mais comandar, mas "motivar", "exercer liderança", "animar" e, sobretudo, "educar". O gestor é "um piloto que deve obter a adesão a um projeto".
O livro pelo qual conheci o autor.
O livro pelo qual conheci o autor.
Deixo ainda duas citações e uma chamada para um post especial sobre o futuro dos professores. Vai aí a primeira delas: "A contradição da escola neoliberal se deve, sobretudo, ao fato de que nenhuma sociedade é capaz de funcionar se o vínculo social se resume às "águas geladas do cálculo egoísta". A perda de sentido da escola e do saber é apenas um dos aspectos da crise política, cultural e moral das sociedades capitalistas, nas quais a lógica predominante traz em si a destruição do vínculo social em geral e do vínculo educacional em particular". (300-1)
E o último parágrafo do livro: "A educação é um "fato social total", para usarmos a expressão de Marcel Mauss, mas a transmissão dos conhecimentos é seu eixo. A educação ocupa o centro da lógica da dádiva e da contradádiva entre gerações. Saberes, sim, mas também normas e valores. Essa lógica é o fundamento da instituição e lhe dá embasamento antropológico. O maior perigo, com a desigualdade, é a mutilação da vida por uma concepção redutora da cultura e da educação, concebida como uma formação com objetivos profissionais. É como passar de uma escola dependente de um nacionalismo cultural para uma escola corroída pelo egoísmo utilitarista. Essa concepção dominante da educação faz parte da visão de uma humanidade formada por combatentes da guerra econômica mundial. Por isso é que ela deve ser combatida". (307).
E o último parágrafo do livro: "A educação é um "fato social total", para usarmos a expressão de Marcel Mauss, mas a transmissão dos conhecimentos é seu eixo. A educação ocupa o centro da lógica da dádiva e da contradádiva entre gerações. Saberes, sim, mas também normas e valores. Essa lógica é o fundamento da instituição e lhe dá embasamento antropológico. O maior perigo, com a desigualdade, é a mutilação da vida por uma concepção redutora da cultura e da educação, concebida como uma formação com objetivos profissionais. É como passar de uma escola dependente de um nacionalismo cultural para uma escola corroída pelo egoísmo utilitarista. Essa concepção dominante da educação faz parte da visão de uma humanidade formada por combatentes da guerra econômica mundial. Por isso é que ela deve ser combatida". (307).
Ótimo texto e análises. Obrigada ❤
ResponderExcluirDienny, agradeço a sua generosa manifestação. Mas que triste situação. Como poderemos nos livrar das "águas geladas do cálculo egoísta".
ExcluirMuito bom!
ResponderExcluirAgradeço a manifestação. E vamos continuar na defesa dos princípios da escola pública, na forma de sua construção histórica.
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