quarta-feira, 29 de junho de 2022

Um banquete no trópico. 1. Padre Antônio Vieira. Sermões.

O padre Antônio Vieira e os seus Sermões nos são apresentados por João Adolfo Hansen, professor de Literatura Brasileira da USP. Uma belíssima apresentação que ocupa as páginas 23 a 53 do livro que estamos trabalhando - Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota. O seu forte é uma bela contextualização do padre em seu tempo histórico e os espaços geográficos que ele ocupou. O padre Antônio Vieira nasceu em Lisboa em 1608 e morreu em Salvador em 1697. Dividiu o seu tempo, vivido em cidades como Lisboa, São Luís do Maranhão e Salvador. Se tivéssemos que apontar um fato histórico relevante nesse período, eu apontaria para a dominação espanhola sobre Portugal (1580-1640) e a Restauração e ainda para a invasão holandesa em Pernambuco (1630-1654). Antes Salvador também havia sido invadida pelos mesmos holandeses (1624-1625). São temas de seus sermões. Antes de continuar a resenha deixo o link, do projeto de trabalho: http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Introdução ao Brasil. Um banquete no trópico. Os sermões. Na primeira resenha.

Segundo o professor de literatura da USP, que apresenta o texto, o padre Vieira tinha um objetivo bem claro em seus sermões, que era o de apresentar Portugal como o Império de Deus na terra, pela família dos Bragança, na pessoa do rei D. João IV. São os tempos de Restauração. O Brasil dessa época era o das províncias da Bahia, do Maranhão e Grão Pará. Os sermões são os de um padre jesuíta da contra reforma, a apresentar os princípios da metafísica cristã para um povo a ser salvo. Os sermões ganhavam uma grande força de dramatização em sua apresentação.

Para um protestante da época bastava o sola scriptura, o crente e a sua bíblia, mas para um católico tridentino também era necessária a traditio, isto é, ritos, cerimônias, magistério, governo e textos canônicos. Com isso ganhou forma a pregação, grandes celebrações, festas populares e santos. Os púlpitos ganhavam espaços privilegiados nas igrejas. A pregação passa a ser uma exortação dramatizada que visava uma intervenção na prática dos fieis. Cultivava-se a eloquência sacra. O sermão se compunha de seis partes: o exórdio, a narração, a divisão, a confirmação, a peroração e o epílogo. Os sermões do padre Vieira seguiam Aristóteles: eram deliberativos (propunham ações futuras), judiciais (juízos sobre o passado) e epidíticos (celebravam ações e personagens do presente). Eles tinham caráter doutrinário dogmático, eruditos, cultos e letrados. Apesar disso eram de fácil compreensão para o seu público alvo, geralmente o povo simples. Os temas eram impostos pelo calendário litúrgico, indo além, para temas econômicos e políticos.

O sermão jesuítico era um teatro sacro em que a palavra de Deus, pelas escrituras, era o essencial, sendo a ortodoxia e a lógica, os seus instrumentos. Os sermões do padre Vieira, embora o barroco fosse um modo de expressão artística posterior, eram considerados como tais. O grande mote, voltamos a destacar, era a força de Portugal, após a Restauração, em consonância com o poder papal, contra os reinos protestantes. Celebravam um pacto de submissão ao Rei, um pacto natural, cumprindo cada um a sua tarefa dentro da lei natural divina. É o caminho para o bem comum. Seus sermões são permeados por questões éticas, econômicas, religiosas e jurídicas. A casa de Bragança deve ter ficado agradecida.

Depois dessa belíssima contextualização geral, segue uma divisão da vida do padre, de acordo com os locais para os quais havia sido designado e o teor específico de seus sermões. São seis fases: 1. Bahia, 1632-1641; 2. Restauração, 1641-1651; 3. Missão no Maranhão e Grão-Pará, 1652-1662; 4. Santo Ofício 1661-1669; 5. Roma, 1669-1675; 6. Brasil, 1681-1697.

Em sua primeira fase, desenvolvida entre Salvador e Olinda, irá proferir os seus primeiros sermões. Um tema presente é a escravidão negra, que considera normal e integram o plano da Divina Providência para que Portugal conquistasse a hegemonia católica no hemisfério sul. Condenáveis eram os excessos. Ele simplesmente naturaliza a escravidão. Dentro dessa lógica defende a destruição do Quilombo de Palmares. Reconhece o sofrimento dos escravos, sofrimento maior que o do próprio Jesus Cristo. Também profetiza, dentro dos desígnios divinos, a ajuda divina para vencer os inimigos holandeses.

A sua segunda fase se desenvolve especialmente em Portugal, com incursões para Holanda, em missões diplomáticas, visando reaver Pernambuco. Os sermões passam a ser feitos na Capela Real. O grande tema será a grandeza de Portugal, pós Restauração. O país será transformado no Quinto Reino (depois de assírios, persas, gregos e romanos), um reino católico, do qual fará parte o Brasil com os seus índios devidamente cristianizados. O Sebastianismo agora será efetivado sob o governo de D. João IV. Na Holanda negocia reaver Pernambuco, aproximando-se perigosamente dos cristãos-novos visando obter financiamentos. Os inquisidores estão à espreita. 

A sua terceira fase se desenvolveu no Maranhão e Grão-Pará. Aí começa a sua grande derrocada. Ele assume a defesa dos povos indígenas contra a sua escravização pelos colonos, usando todos os recursos de sua oratória em favor desses povos. Chega a haver uma sublevação popular e ele chega a ser preso. Com a morte de D. João IV, e as acusações das outras ordens religiosas, os carmelitas e os beneditinos, que ele acusa frontalmente, estes o envolvem em acusações perante o Santo Ofício. Os sermões desta fase refletem grande indignação e já prenunciam o declínio dos jesuítas.

A quarta fase ele a desenvolve em Portugal, em várias cidades, onde recebe o enquadramento nas penalidades do Santo Ofício. Fica recluso em colégio e recebe a proibição de fazer pregações. Ele é reabilitado após mudanças na política de Portugal, com a ascensão do regente D. Pedro. Suas punições são suspensas.

A quinta fase, ele a desenvolve em Roma, obtendo do papa a sua plena absolvição. Em Roma desenvolveu forte amizade com a rainha Cristina, da Suécia. Mas depois de absolvido volta a Lisboa, mas a questão dos cristãos novos ainda o mantém distante do poder.

A sexta e última fase, ele a cumpre numa espécie de desterro em Salvador. Só complicações. Briga com o governador. Este é assassinado e ele é acusado de envolvimento por causa de seu irmão. Faz ainda a defesa das missões do jesuítas no sul, onde acusa uma escravização generalizada de negros e índios pelos bandeirantes. Em Salvador, no ano de 1697, ocorrerá o seu momento derradeiro.


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