quarta-feira, 29 de junho de 2022

Um banquete no trópico. 7. Os sertões. Euclides da Cunha.

Eis a sétima resenha do presente projeto.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html

Trata-se do livro de Euclides da Cunha (1866-1909) Os sertões. A resenha ficou a cargo de Walnice Nogueira Galvão, professora de Teoria Literária e Literatura Comparada, na Universidade de São Paulo. O texto da professora encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, livro organizado por Lourenço Dantas Mota, entre as páginas 151 e 170. A primeira edição de Os sertões é de 1902.

No primeiro volume, a sétima resenha.


á li o livro, como também já tinha lido A guerra do fim do mundo, do Nobel de Literatura Mário Vargas LLosa. Mas ainda não tinha lido um comentário escrito por algum especialista. E nesse sentido, o trabalho da professora é exemplar. Eu destacaria os pontos iniciais de sua apresentação como os fundamentais. Ela dá grande destaque à formação do escritor, uma formação militar. Também cursou a Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Euclides da Cunha era militar, assim como os outros repórteres que cobriram a guerra. Foram, simultaneamente, algozes e testemunhas dos acontecimentos. Deixo a resenha minha sobre A guerra do fim do mundo e de Os sertões.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/01/a-guerra-do-fim-do-mundo-mario-vargas.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2015/02/os-sertoes-euclides-da-cunha.html

O trabalho de Walnice começa por uma espécie de pequena apresentação, datando o fato (1896-1897) e o situando no contexto das revoltas ocasionadas pela proclamação da República e da libertação dos escravos. Depois analisa a sua formação. Ele era fruto da Escola militar, fundada em 1810, por Dom João VI. Antes, os oficiais eram formados na Europa ou, mais particularmente, em Portugal. A escola iria suprir a necessidade de engenheiros públicos civis para a construção de estradas, portos e pontes. Eram uma cópia das escolas francesas e movidas pelo espírito da ciência e da tecnologia. Instigavam para comportamentos de vanguarda e contestação. Era a França da Revolução, com o despertar para a consciência da cidadania e da militância política. Euclides da Cunha nela ingressou em 1885. Ele era republicano e antiescravista.

Ele foi o enviado especial para a cobertura da guerra pelo jornal A Província, atual Estado de S. Paulo. Todos os grandes jornais mandaram correspondentes. Mandavam as notícias pelo telégrafo, uma invenção desses tempos. Todos eram militares. Euclides da Cunha transformou os seus relatos no monumental livro Os sertões. É óbvio que fez um trabalho de reelaboração, para muito além do que havia escrito. Euclides da Cunha se transformou muito ao longo desse seu trabalho de cobertura da guerra e, especialmente, com a escrita do livro, mudando inclusive o seu posicionamento. Além de repórter Euclides da Cunha era tenente e chegou a ser o adjunto do ministro da guerra, que, por um breve tempo, se deslocou para o cenário do conflito, durante a quarta expedição.

A partir dessa contextualização a professora entra na análise da obra. Mostra todo o seu encanto com a descrição da terra, do Planalto Central Brasileiro, com características tão heterogêneas. Essa análise é feita a partir dos pontos de vista astronômico, topográfico e geológico. Descreve a região como uma região privilegiada, uma verdadeira oficina da natureza. Observa que os rios correm ao contrário. Do litoral para o interior. A descrição da caatinga é belíssima. Lá os verões queimam e o inverno inunda. É um martírio da terra. As forças da terra se constituem em antíteses. De dia 35º à sombra, seguidos de madrugadas frias. Considera a vegetação da caatinga como um "mato doente", com exceção do juazeiro. Mas esse "mato doente" se recupera a partir das primeiras chuvas, "a ressurreição", transformando o ambiente, de inferno, em paraíso. Apresenta ainda essa região como "o martírio secular da terra".

Depois da terra, o homem é apresentado. É a parte mais complexa da obra. Esse é apresentado como o fruto da miscigenação, com três séculos de isolamento, que transformaram o sertanejo em gente "atrasada e supersticiosa". Assim é Antônio Conselheiro (Antônio Vicente Mendes Maciel, o Peregrino). Apresenta-o como um "doente grave", afetado pela paranoia e praticante de um cristianismo primitivo, que o levou para as suas andanças, até se fixar em Canudos, nome de uma antiga fazenda abandonada. Foram 30 anos fazendo sermões e arregimentando seguidores. A situação começa a ficar tensa. Conselheiro seria o obscurantismo da miscigenação das três raças.

A autora, de acordo com o próprio Euclides da Cunha, considera essa parte "um parêntese irritante". Afinal de contas, quem é o sertanejo? Um degenerado ou um forte? Na época prevaleciam as teorias de que a miscigenação provocavam o enfraquecimento e a degradação, mas na prática, Euclides os via como uns fortes. Isso provocou reviravolta em suas convicções. E, de acordo com o romantismo da época, ele passa a exaltar os índios como os povos originários.

Depois dessas análises, entra o conflito (a terra, o homem e a luta), com a descrição de suas origens. O exemplo de Conselheiro cativa os povos abandonados. Ele praticava um cristianismo acompanhado de boas obras, de repartição, o que provoca conflitos com padres e policiais. Mas as medidas tomadas pela República se transformaram na causa imediata dos conflitos: Separação entre Igreja e Estado, liberdade de culto e a instituição do casamento civil. Esses fatos dão ao movimento um caráter anti republicano, em favor da restauração da Monarquia. Euclides da Cunha considera Canudos como "a Troia de taipa". O início do conflito ocorre efetivamente, com a não entrega de madeira, comprada e paga em Juazeiro para a construção da nova igreja de Canudos. Segue a descrição das quatro expedições militares contra Canudos e contra o povo de Conselheiro, as primeiras estaduais  e as últimas com tropas federais, sendo a última comandada por general. Na terceira expedição ocorreu um verdadeiro abandono das tropas, fato que armou o guerreiros beatos. Sobre esses fatos o correspondente enviou dois artigos sob o título de A nossa Vendeia".

Na quarta expedição, Euclides comenta a utilização de incêndios para a destruição final. Walnice considera que o instrumento utilizado foi uma antecipação do uso do "napalm primitivo". Jogavam gasolina e depois incendiavam os casebres. Mesmo assim os beatos não se renderam. Foram destruídos cinco mil e duzentos casebres, que, em média abrigavam cinco pessoas. Assim a população de Canudos foi avaliada em vinte e seis mil habitantes, quando São Paulo tinha duzentos mil. O crâneo de Conselheiro foi levado para a Faculdade de Medicina da Bahia, para nela se comprovarem as teorias de Lombroso, mas os resultados esperados não foram comprovados.

Entre a repercussão dos fatos se registra uma mudança da opinião pública. De uma visão favorável ao governo passou a se ter uma visão de uma guerra de brancos da elite contra povos fanatizados, transformados em pobres diabos. O texto termina com a transformação do escritor e o salto que ele deu entre as reportagens e a escrita do livro. Apresenta Canudos como a "Troia de taipa" e os sertanejos como os "Hércules Quasímodo" à espera do juízo final e compara o movimento à Bíblia, do gênesis ao apocalipse, do início do movimento à sua destruição pelo fogo.

A coleção da Folha de S.Paulo - Grandes nomes do pensamento brasileiro - tem um de seus livros dedicados a Os sertões. Uma bela edição. Tem, ao final, um belo guia de leitura, de autoria de Roberto Ventura, professor de Teoria Literária e Literatura Comparada da Universidade de São Paulo. Recomendo.

Deixo ainda a resenha do último trabalho apresentado, sobre Eduardo Prado - A ilusão americana.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/um-banquete-no-tropico-6-ilusao.html


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