"Nossos últimos anos não foram como eu gostaria. Aliás, os primeiros também não, sejamos francos. Porém eu o amei, Pedro, à minha própria maneira, e sempre lhe desejei o bem. Acima de tudo, amei e amo este país de todo coração. Cuide dele, permita que cresça forte, livre, independente. Não ceda a chantagens, não coloque nada acima dele. Com a minha partida, é sua, e apenas sua, a responsabilidade de cuidar do Brasil. E que Deus o ajude se não o fizer. Despeço-me, fraca demais para continuar. Sua, sempre, Leopoldina".
Meu muito querido Pedro. Fal Azevedo e Suzi Castelani. Drops Editora. 2021.
Assim termina Meu muito querido Pedro, livro assinado por Fal Azevedo e Suzi Castelani. Em uma espécie de apêndice, em que são apresentados dados biográficos de Leopoldina, lemos: "A doença que por fim vitimou D. Leopoldina levou-a ao delírio em várias ocasiões. Em seus delírios, suspeitava estar sendo envenenada pelos médicos, amaldiçoava o marido e a amante dele, Domitila". Uma forte expressão de seus sofrimentos. Lamentos em feminino.
Na contracapa do livro temos uma espécie de carimbo a nos dizer - VENCEDOR, com o seguinte esclarecimento: Prêmio de Incentivo à Publicação Literária. 200 anos de Independência. Os 200 anos de independência nos proporcionam uma bela oportunidade para conhecer melhor a conjuntura e os bastidores da mesma, pouco divulgados em nossos livros de história. O livro tem uma escrita primorosa, sob a forma de cartas, que Leopoldina escrevera para o seu marido, o muito querido Pedro. Querido. Nem tanto!
Na abertura do livro, logo após a apresentação da árvore genealógica de Maria Leopoldina, a Imperatriz do Brasil, temos o seguinte esclarecimento: "O diário a seguir foi encontrado pela pesquisadora e professora universitária, Dra. Daniela Hernandez, enquanto pesquisava antigas listas de livros adquiridos pela família real brasileira que agora se encontram sob os cuidados da Biblioteca Nacional. A Dra. Hernandez submeteu o original a especialistas que o estudaram por dois anos e autenticaram a veracidade de sua procedência". É a forma do livro. Cartas escritas ao marido. E que cartas! Cartas de uma princesa austríaca, educada no Castelo de Schönbrunn e pertencente à família dos Habsburgos, remanescentes do Sacro Império Romano-Germânico. Além disso, mais para tormentos do que para glórias, foi cunhada de Napoleão Bonaparte.
Ela teve vida curta (1797-1826), apenas 29 anos e, grávida por nove vezes, com partos sem a devida assistência. O seu casamento obedeceu a um arranjo político, em meio a uma conjuntura geopolítica das mais complicadas. Afinal, são os tempos de Napoleão e da vinda da família real portuguesa ao Brasil. Além de ter Pedro como marido, teve ainda em Carlota Joaquina a sua sogra. Na página 100 do livro, encontramos uma indagação fundamental, que reflete toda a sua vida de angústias. Uma vida dedicada estritamente ao cumprimento de deveres é uma vida humana? E, a esses deveres, ela cumpriu resignadamente.
Volto aos 200 anos da independência. Seus bastidores. Dona Leopoldina assistiu a tudo. Enquanto Pedro viajou para São Paulo em missão de pacificação, ela permaneceu no Rio de Janeiro, na qualidade de Princesa Imperial Regente. Sua atuação, junto com José Bonifácio, uma das poucas companhias esclarecidas que ela teve, foi decisiva para a Independência. Foram suas as cartas enviadas para Pedro em São Paulo. Essa atuação lhe fez valer o título de PALADINA da independência junto com o que foi conferido a José Bonifácio, como o seu PATRIARCA.
Mais do que ninguém, ela compreendeu a sua missão como imperatriz de um novo império, que era a de manter a unidade e a paz, ameaçada pelas rebeliões nas províncias. Pedro nem sempre compreendeu esta missão. Pedro estava mais preocupado com a sua Titília, que conhecera em sua missão pacificadora em São Paulo. A violência de Pedro para com Leopoldina era tal, a ponto da própria Domitila, a Titília, intervir pedindo para que ele parasse de bater. Eis uma reflexão sua: "Destruir meu corpo não foi difícil. Menos de dez anos foram suficientes para arrasá-lo. A alma, no entanto, ainda anseia por beleza, calma e conforto. Uma alma, fora do seu corpo, é capaz de voar"?
Enfim, eu diria, que se trata de um livro para curiosos e para os que apreciam uma boa escrita. Para os curiosos, para saberem dos bastidores da nossa independência e para conhecerem os tormentos dos casamentos que atendiam a fins geopolíticos. Pedro, como tive oportunidade de escrever no prefácio do livro, "se preocupava, e muito, com pândegas, rameiras e cavalos. Nutria-se cotidianamente dos mais primitivos instintos de um ser ainda a caminho do humano". Vejamos apenas uma de suas convicções, assim relatada numa das cartas: "Ouvi o senhor dizer, certa vez, que pobreza, doença e imoralidade andam de mãos dadas. Eu rezo muito para que este país um dia deixe de julgar os pobres culpados de sua condição". E reafirmo, o livro também se destina aos que apreciam uma boa escrita. Na orelha do livro, encontramos a expressão disso, na palavra de Pedrão Vitello: "Como uma valsa, numa narrativa de aproximação e afastamento, Fal e Suzi cuidam dos detalhes, dos olhares, da solidão, da incompreensão e da delicadeza - e nem sempre no bom sentido - das relações que tecemos com pessoas, cargos e países".
O livro é fruto de uma cuidadosa pesquisa e, ao final, temos a indicação de suas fontes, com a apresentação da bibliografia que possibilitou o mesmo. E reafirmo o meu orgulho e envaidecimento pela oportunidade de prefaciar o livro. Ele é uma publicação da Drops Editora, do ano de 2021. Um livro especial para presentear alguém por ocasião da efeméride dos 200 anos da nossa não tão "independência". Um livro que distingue e referencia a quem o dá e a quem o recebe.
ahhhh, que honra!!
ResponderExcluirÉ que livros cuidadosamente escritos e editados com com muito capricho precisam ser divulgados. É merecimento.
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