O terceiro trabalho para o presente projeto http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/introducao-ao-brasil-um-banquete-no.html - é a resenha que Carlos Guilherme Mota, professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, fez da obra do "Patriarca ou Patrono da Independência Brasileira", José Bonifácio de Andrada e Silva, Projetos para o Brasil. O texto encontra-se no livro Introdução ao Brasil - Um banquete no trópico, Volume I, organizado por Lourenço Dantas Mota. É o terceiro na lista de escolhas e ocupa as páginas 75 a 95.
José Bonifácio comparece na terceira resenha. Um brasileiro de destaque.
Se nos dois textos anteriores apresentamos padres jesuítas (Antônio Vieira e Antonil), apresentamos agora um homem do Iluminismo e do tempo das revoluções por ele provocadas. José Bonifácio nasceu em Santos (1763), vindo a morrer em Niterói (1838). Toda a sua formação foi europeia (Direito em Coimbra), com muitas viagens pela Europa em busca de sua especialização em mineralogia. Viveu as crises provocadas por Napoleão Bonaparte e resolveu permanecer na Corte de Lisboa em vez de acompanhá-la para o Rio de Janeiro, em 1808. Voltou ao Brasil apenas em 1817. Era muito próximo de D. Pedro I, de quem foi Conselheiro. Muito cedo com ele se desentendeu e a relação se agravou na Assembleia Constituinte, quando foi exilado. Reconciliado, volta ao Brasil para ser o tutor de D. Pedro II (com cinco anos) mas logo é destituído da função e preso por perturbação da ordem pública. Passa então a viver em Niterói e na Ilha de Paquetá, numa espécie de exílio consentido, em sua própria pátria.
Num sentido mais específico José Bonifácio não escreveu livros, mas, como Constituinte, apresentou dois projetos e, ao longo de sua vida fez muitos outros apontamentos de ordem pessoal. Posteriormente tudo isso foi agrupado em livro. Nele prevaleceram os dois projetos, razão pela qual o livro foi denominado de Projetos para o Brasil. Eles se ocupavam dos relevantes temas da integração dos povos indígenas à nação brasileira, do fim do tráfico negreiro e da abolição gradativa da escravidão. Esses projetos é que lhe conferiram o honroso título de Patriarca da Independência, com o significado de ele ter oferecido os primeiros elementos para a criação das instituições do Estado e da Nação Brasileira. Eram projetos que diziam respeito a integridade e identidade da emergente nação brasileira. Ele foi o que o povo norte-americano denominava de funding father.
No ano 2000, a Folha de S. Paulo lançou, em edição comemorativa dos "500 anos do descobrimento", a coleção Grandes Nomes do Pensamento Brasileiro. São 12 livros e entre eles está o de José Bonifácio. Esse livro teve a seleção e edição de textos feita pela historiadora Miriam Dohlnikoff. Nele constam os dois projetos, além de outros textos. A resenha de Carlos Guilherme Mota se refere apenas aos dois projetos, citando os demais para a contextualização geral de seu pensamento.
Carlos Guilherme mostra primeiramente o personagem, nos apontando alguns dados biográficos, especialmente os relacionados à sua formação e atuação política, o que praticamente já fizemos. Depois segue, situando o "Patriarca" no seu contexto histórico, destacando o seu viver na Europa. Lá recebe as influências do Iluminismo, tornando-se um homem de grande erudição e grande sensibilidade humana. Por essa razão se envolveu em tantas desavenças com os homens do poder. O seu projeto inicial não passava pela independência do Brasil, mas pela constituição de um moderno Império Português, em território Europeu, americano e africano. No entanto, com a alteração da conjuntura, dedica toda a força de seu pensamento à construção da identidade da nascente nação brasileira. Ele vislumbrava constituir um país moderno, com feição de país europeu, moderno e desenvolvido.
Essa é a razão de ser de seus dois projetos. Sigo a ordem da resenha. Primeiramente apresenta toda uma fundamentação teórica sobre os povos indígenas, uma verdadeira metodologia para a sua integração. Os seus estudos serviram de base, para, no século seguinte, o jovem Rondon apresentar os princípios que constituiriam o Serviço de Proteção ao Índio, criado em 1910. As ideias do Patriarca seguramente integram o rol das grandes obras do humanismo, ao rechaçar a tradição portuguesa da integração pela catequese dos jesuítas e da carabina e do bacamarte dos bandeirantes.
Na primeira parte ele apresenta seus estudos sobre as populações indígenas, apontando para seus problemas, como os erros da colonização, pela qual eram vistos como vagabundos, propensos ao mal e sem freios morais. Mostrava seus diferentes estágios civilizatórios, passando da economia de coleta e nômade, para a agricultura sedentária. Apresenta-os ainda, como herdeiros de vícios e doenças e não de talentos e virtudes. Sob as influências de Rousseau, chamava a atenção para o seu estado de natureza e respeito a ele.
Na segunda parte, apresenta as propostas, começando pelo reconhecimento de serem os legítimos proprietários das terras que ainda não lhes haviam sido usurpadas. Continua, defendendo criação de instituições em seu favor pelo Estado, pela instituição de relações comerciais, organização de feiras para a comercialização da produção, promoção da miscigenação por meio de casamentos, da formação de aldeamentos e vilas, melhoria em suas habitações e cuidados com hábitos de saúde e higiene. Ao Estado caberia ainda a regulamentação de relações justas de trabalho, o favorecimento de estudos avançados para os mais talentosos, o estimulo para seguirem a carreira eclesiástica, além de manifestar preocupações com vestuário e programas de vacinação. E, sobretudo, abandonar de vez a cultura da integração civilizatória pelo uso das armas. Uma grande mudança na concepção sobre o ser humano. Por influências de Voltaire era profundamente anticlerical. Ah! Os maus exemplos.
O seu segundo projeto versava sobre o fim do tráfico e a abolição gradativa da escravidão. Mais uma vez apresentou uma introdução com os fundamentos avançados do humanismo, com destaque para os princípios da racionalidade e da justiça nas relações humanas. Para ele, a escravidão corrompia todas as instituições da sociedade. Para uma nação, construída sob os pilares da modernidade e da justiça e com identidade definida, bons exemplos de experiências bem sucedidas deveriam ser incorporados às suas instituições. Caso isso não acontecesse, alertava para os perigos das rebeliões, como as ocorridas em Pernambuco (1817) e em São Domingos, hoje Haiti (1791). Também já manifestava preocupações com o meio ambiente.
Em suma, para construir uma nação, ela precisaria de projetos para as instituições do Estado, voltadas a propiciar o máximo de civilização possível. Só assim teríamos um país efetivamente independente. Mas, os interesses dos poderosos não o permitiam. É por isso que no curso de nossa história temos tantos golpes de Estado. José Bonifácio sentiu de perto o que era almejar a construção de um país independente, com identidade definida e com justiça social. Dois problemas que, ainda hoje, pairam em nosso horizonte. Vejamos o parágrafo final do texto de Mota:
"Monarquista e constitucionalista ferrenho, a figura mais importante e visível da jovem nação (tanto quanto Benjamin Franklin, "The Doctor", nos Estados Unidos), nosso sábio foi apeado do poder, aviltado, exilado em Talence, nos arredores de Bordeaux, na França. Fez-se a independência, mas escravos e índios continuariam no limbo de sua "incorrigível barbaridade", sem saber exatamente qual era seu lugar no mundo que o português criou".
Já, no "guia de leitura" que acompanha a coleção da Folha, temos uma bela conclusão de texto, escrito pelo antropólogo Osmar Ribeiro Thomaz: "Projetos para o Brasil surpreende o leitor: de um lado, o pensamento de José Bonifácio nos leva aos dilemas de uma época, muito para além dos problemas nacionais; de outro, nos revela a modernidade de sua reflexão. Não podemos deixar de notar o quanto de seus projetos fazem sentido ainda nos dias atuais".
Há uns dez anos, num passeio pelo Rio de Janeiro, tomei a barca que leva até a Ilha de Paquetá. Um passeio maravilhoso. Me chamou muita atenção a casa em que José Bonifácio viveu o seu exílio, numa espécie de confinamento consentido, na bela e tranquila ilha. A casa, por sinal, estava à venda. Confesso que nunca estudei esse período de nossa história em maior profundidade e, por isso mesmo, José Bonifácio foi para mim uma agradabilíssima surpresa. A modernidade de seu pensamento. Vi nele muito de Joaquim Nabuco e de Florestan Fernandes, quanto a questão da abolição da escravidão e da integração do negro na sociedade brasileira. Deixo ainda o link do segundo trabalho, Cultura e opulência do Brasil. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/03/um-banquete-no-tropico-2-andre-joao.html
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