terça-feira, 24 de outubro de 2023

ILUSÕES PERDIDAS. Honoré de Balzac.

Honoré de Balzac nasceu na cidade de Tours no ano de 1799 e morreu em Paris em 1850. Que época! 1789 acabara de acontecer. O furacão Napoleão já passara. A França continuava revolucionária. Balzac foi o grande cronista dessa época. Cronista vem cronos, coisas do tempo. "Por volta de 1830, já havia concebido a ideia de apresentar a história social e moral de sua época em uma série complexa de romances e contos: também pretendia que esta fosse uma interpretação da vida e da sociedade tal como ele as enxergava...". É o que lemos na introdução ao livro, escrita pelo estudioso e biógrafo Herbert Hunt.

Ilusões perdidas. Honoré de Balzac.

Essa introdução se constitui numa esclarecedora e magnífica apresentação das Ilusões perdidas. A obra é a crônica de uma época, de uma época de profundas mudanças, de mudanças que exigiam definições das pessoas. Ficar com a nobreza ou com a burguesia, então revolucionária. Napoleão certamente incendiara o imaginário das pessoas. Os personagens de Ilusões perdidas vivem este tempo de adaptação às mudanças, desde a vida simples em uma província, até as complicadas e complexas situações da vida parisiense. Um trajeto percorrido pelo próprio escritor. O romance aparece entre os anos de 1837 e 1843. Ele é dividido em três partes: 1. Os dois poetas; 2. um grande homem de província em Paris; 3. Os sofrimentos do inventor. Nessa terceira parte aparece uma espécie de um subtítulo: A criatura fatal da família. A partir dessa divisão, vamos aos personagens.

Na parte um, os dois poetas nos são apresentados: Lucien Chardon, ou seria Lucien de Rubempré e David Séchard. Lucien é o poeta que buscará fortuna em Paris e David é o poeta inventor. A Senhora de Bargeton (o -de- é um indicativo de nobreza) é que levará o jovem poeta a Paris. David permanecerá na província, cuidando de uma tipografia, formando par com a bela Ève, irmã de Lucien. Nessa primeira parte Balzac nos introduz nas mediocridades da vida provinciana.

Na segunda parte, a mais longa do romance, encontraremos o jovem poeta, despido de fortuna, mas ávido na busca pela nobreza. Procurará adquirir o sobrenome de Rubempré, que herdara da mãe e que lhe foi prometido pela senhora de Bargeton. Lucien se afunda em dívidas e não medirá esforços, e muito menos escrúpulos morais, em busca de fortuna, fama e nobreza. Para isso conta também com a sua rara beleza. A turma de amigos do cenáculo não impede a sua queda moral. Enquanto se afasta dessa turma do bem, Lousteau se encarrega, e consegue, levá-lo ao mundo dos editores e dos livreiros, bem como dos proprietários de jornais.  No mundo da nobreza, o seu pobre sobrenome - Chardon - o faz ser rejeitado. Terminou tal como Jó, como o diz o título de um dos capítulos.

A impossibilidade da fortuna em Paris o fará voltar à provinciana Angoulême, onde está David e Ève, o casal por ele endividado. É a terceira parte. Na província, a mesma hipocrisia, a ganância e as falcatruas burguesas, do comerciante concorrente da tipografia do casal, que sofrerá todas as chantagens e armadilhas da concorrência e das parcerias de advogados a enredá-los em função das notas falsificadas pelo poeta em seu desespero em Paris. Os concorrentes estão à espera de sua invenção na produção de um papel mais barato, para lhe aplicar o golpe definitivo. O final é surpreendente. Lucien está de volta, em Paris, agora sob a proteção de um padre, diplomata espanhol, da ordem dos jesuítas, seduzido pela beleza do jovem. Ele reaparecerá em outros romances posteriores.

Nessa crônica de costumes, marcada por uma ironia profunda, com relação aos princípios que norteiam a vida, ou a sua ausência. Ele traça o perfil que caracteriza esses personagens. Destacaria, ao lado dos personagens do mal, constituídos tanto pelos da nobreza, quanto da burguesia, três personagens do bem. O jovem sonhador d'Arthez, do cenáculo, a bela Ève, irmã de Lucien e esposa de David e a não menos bela Coralie, a atriz que o ampara e lhe dedica todo o seu amor, mesmo que dividido com um velho comerciante que a sustenta. Creio que apenas alguém atormentado por dívidas, como o foi o próprio Balzac, conseguiria descrever as agruras sofridas pelos achaques dos credores, por parte de um devedor. O romance é profundamente autobiográfico.

Ilusões perdidas (790 páginas - clássicos da Penguin) integra os romances da, por ele chamada, Comédia humana, inicialmente formada por 17 livros e que terminou com mais de 90. As dívidas sempre o pressionaram a escrever. No livro de biografias, que acompanha a coleção Os imortais da literatura universal (que inclui a publicação de Eugênia Grandet) escreve a uma amiga o que segue sobre esta sua coleção: Você não imagina o que é A Comédia Humana. É mais vasta, literariamente falando, que a catedral de Burgos arquitetonicamente". E  o texto segue: "Seu objetivo inicial foi elaborar uma espécie de tipologia social, mais científica do que artística, que supunha uma certa analogia da sociedade humana à animal. Desde logo o projeto se revelou ao autor, incompatível com as suas convicções religiosas. Limitou-se a retratar os costumes de seu tempo, sublinhando o poder e os perigos da imprensa, o papel da burocracia, a sede do dinheiro...". Sobre os perigos da imprensa farei um post em separado.

Se Balzac não conseguiu toda a glória que aspirava em vida, ao menos em seu funeral, ele teve uma elegia fúnebre à altura. Quem a fez foi o seu colega escritor, não menos famoso que ele, o seu amigo Victor Hugo.


2 comentários:

  1. Agradeço pelo incentivo a leitura de obras de Balzac. Grande entre os maiores, encantador ou depressivo, um estímulo a repensar nossa vida do dia a dia

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Um cronista de uma época. Retratos do ser humano e de uma época. Lê-lo e estudá-lo é maravilhoso. Agradeço a sua manifestação.

      Excluir

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.