Eugênia Grandet é um dos 95 romances que integram o projeto de Honoré de Balzac de representação da Comédia humana, em oposição à Divina Comédia, o grande poema de Dante Alighieri. Em comum teríamos o encontro de gente perdida nos caminhos, ao meio da vida. Elas apresentam as misérias e os sofrimentos humanos, porém, sob diferentes perspectivas. Enquanto o inferno de Dante tem a sua construção no imaginário, o de Balzac, obedece a uma descrição da vida real. Ele é fruto da profunda ignorância, mesquinhez e misérias do ser humano. No caso específico, os sofrimentos do inferno são provocados pelo nojento e asqueroso pecado da avareza. Ponha inferno nisso.
Eugênia Grandet. Honoré de Balzac. Coleção Imortais da Literatura Universal.Depois de ler Ilusões perdidas, e tendo em minha biblioteca Eugênia Grandet, da coleção Imortais da Literatura Universal, continuei na leitura de Balzac. Praticamente o mesmo cenário e os mesmos temas. A vida pacata da província em contraste com a vida de fausto de Paris, a capital. Nobreza e burguesia se alternam, se alimentando das mesmas hipocrisias. Em Ilusões perdidas, a contraposição é mais nítida. Angoulême disputa com Paris, enquanto que em Eugênia Grandet o duelo se dá entre a provinciana Saumur e a capital. Os personagens é que mudam, mas não muda o tempo em que encontramos estes diferentes personagens. O romance data do ano de 1833. Balzac nasceu em 1799 e morreu em 1850.
Examinar o contexto histórico e espacial em que os romances ocorrem, sempre será uma dica interessante para se efetivar uma leitura com a necessária compreensão. Observemos as três datas e os acontecimentos dessa época. Tempos de mudanças e muitas instabilidades. Tempos de Revolução. Revolução no profundo sentido do termo. Mudanças no andar de cima. Nobreza X burguesia. Cabeças rolando sob o corte de guilhotinas. Militares se transformando em reis, sem nobreza de nascimento. Luta por liberdade, igualdade e fraternidade. Será mesmo? Pelos personagens de Balzac, parece que não.
Ao contrário de Ilusões perdidas, composto por três romances - os dois poetas; um grande homem de província em Paris e os sofrimentos de um inventor (790 páginas - Ed. Penguin), Eugênia Grandet é um romance bem mais curto (230 páginas - coleção Imortais da Literatura Universal) com prefácio, posfácio e cinco capítulos, a saber: Fisionomias burguesas; O primo de Paris; Amores de província; Desgostos de família; Assim vai o mundo. Vamos nos ambientando ao romance.
Na cidadezinha de Saumur (Hoje - com menos de trinta mil habitantes) iremos encontrar a família Grandet, composta pelo Sr. e Sra. Grandet e a filha Eugênia e a fidelíssima empregada Nanon, considerada da família. O sr. Grandet dispunha de uma fortuna enorme e da amizade de duas outras famílias locais, os Cruchot e os Des Grassins. O Sr. Grandet era um forreta, termo que aprendi com a leitura do livro. A sua sovinice é inacreditável. As suas pão-durices não cabem dentro do imaginário humano. Depois de velho e inabilitado para o trabalho se mantinha na monomania de contemplar o seu ouro acumulado, desprezando, e ponha desprezo nisso, mulher, filha, sobrinho e, enfim, a todas e todos. Regulava tudo, desde os torrões de açúcar, os pedaços de pão, a quantidade de manteiga, a lenha para o aquecimento, a qualidade e a quantidade de velas para a iluminação. Mas os maiores ganhos se originam das trapaças e falcatruas.
O romance ganha intensidade e dramaticidade com a chegada de Carlos, o sobrinho, filho do irmão do Sr. Grandet, que traz para o tio, uma carta de apresentação muito triste. Coisas de falência e suicídio, de recomeço de vida na América ou na Índia, conforme as imposições legais da época. O Sr. Grandet vê no ocorrido uma oportunidade de aumentara ainda mais a sua enorme fortuna, num jogo de títulos públicos e filigranas judiciais. Aí começam também os namoros de província, dois inocentes beijos, imorais, também conforme os costumes de época. Os namoros de província também envolvem ouro, dinheiro e dramaticidade. Pobre Eugênia.
A ganância também provoca desavenças, rupturas e mortes na família. Com a morte da Sra. e do Sr. Grandet, o núcleo familiar se reduz a Eugênia e a empregada Nanon, que se casa com outro funcionário, seu Cornoiller. No capítulo - assim vai o mundo - ocorrem os desfechos, que na literatura de Balzac, não são nada românticos. Não vou atender a curiosidade de ninguém adiantando estes desfechos. Apenas dou a indicação da grandeza de Eugênia, que resgatou, com uma pequena parte de sua herança, a dívida de seu tio para salvar a honra da família. Pobre e infeliz, mas honrada Eugênia. Não assimilara os valores postos em prática em Paris. Carlos voltara a França por Paris e não por Saumur.
Quero destacar uma passagem do romance, na qual o Sr. Grandet, em seu leito de morte, faz recomendações para a filha, sobre os cuidados na administração de sua fortuna e a ameaça de cobranças na vida futura. Vejamos esta tirada do Senhor Balzac: " - Toma cuidado de tudo! Terás de me prestar contas no outro mundo - disse ele, provando, com esta última frase, que o cristianismo deve ser a religião dos avarentos" Será? Deixo ainda a resenha de Ilusões perdidas.
http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/10/ilusoes-perdidas-honore-de-balzac.html
Pelo seu elevado grau de ilustração transcrevo também o primeiro parágrafo do prefácio da primeira edição, escrita pelo próprio autor (Paris, setembro de 1833):
"Encontram-se, em certas cidades de províncias, alguns tipos dignos de um estudo sério, caracteres cheios de originalidade, existências tranquilas na superfície, e devastadas secretamente por tumultuosas paixões; porém as asperezas mais marcadas (as arestas mais vivas), as exaltações mais apaixonadas acabam por cessar ali, na constante monotonia dos costumes (na constante atonia) dos costumes iguais e sem acidentes). Nenhum poeta foi tentado a descrever os fenômenos dessa vida que se vai, esmaecendo sempre. Por que não? Se há poesia na atmosfera de Paris, onde turbilhona um sinum que arrebata fortunas (onde reina um sinum que arrebata, carrega as fortunas) e que quebra os corações, não a haverá também nessa lenta ação do siroco da atmosfera provinciana, que desgasta as mais altivas coragens, relaxa as fibras e desarma as paixões de sua agudeza? Se tudo acontece em Paris, na província tudo passa; ali, não há relevo, nem saliência (nem saliência nem relevo); mas ali estão os dramas em silêncio; ali os mistérios habilmente dissimulados; ali, os desfechos numa só palavra; ali, os enormes valores emprestados pelo cálculo e pela análise às ações mais indiferentes. Ali se vive em público".
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