terça-feira, 7 de novembro de 2023

IRACEMA-RIQUEZA. Fragmentos de uma história. Origens da cidade de Riqueza no oeste de SC.

Mais uma vez o meu irmão, Hédio José Rech, me brindou com um livro que relata a origem de algumas cidades do oeste catarinense (dois sobre Mondaí e agora sobre Riqueza), locais pelos quais ele passou em busca de um lugar, em suas andanças pelo mundo. Hédio, hoje mora na sede do município de Mondaí e chegando perto dos 90 anos de uma vida, marcada por muitos esforços e dedicação. Sei que ele também foi morador de Linha Catres e de Linha Cambucica.


Portal da cidade de Riqueza e sua localização no oeste catarinense.

Hédio é o meu irmão mais velho e, ainda nos anos 1960, depois de estudos feitos no Seminário São José, em Gravataí, foi, como que, recrutado para ser professor em Santa Catarina. Ele não teve dúvidas em deixar para trás a nossa Harmonia, na época, um distrito de Montenegro e atual sede de município, a nossa terra natal. Eu sou o mais novo, entre cinco irmãos. Apenas dois ficaram em Harmonia, sendo que um deles, após o casamento se mudou para Tupandi. Hédio andou por muitas pequenas localidades, as então, e creio que até hoje, as chamadas linhas, até aposentar-se como professor do estado de Santa Catarina. Eu, da minha parte, vim para o Paraná, no ano de 1969 e resido atualmente na cidade de Curitiba.

Bem, a finalidade deste post não é a de relatar as nossas andanças, mas sim, fazer uma pequena resenha do livro que ele me enviou, Iracema-Riqueza - Fragmentos de uma história de autoria da professora Silvani Morgenstern Di Domênico, residente e filha de pioneiros da cidade. Iracema era o nome da localidade na época de sua fundação, tendo depois, em virtude da abundância de madeira na região, ter adquirido o nome de Riqueza. O livro é uma publicação da Arcus editora, do ano de 2010. A história da cidade de Riqueza tem uma particularidade, que, creio ser única na história do Brasil, que é a da presença dos chamados teuto-russos no início de sua colonização, no ano de 1930. Este registro histórico, junto a saga de outros migrantes, praticamente todos gaúchos, além dos "caboclos", já moradores do local, é que conferem grande valor ao livro.

Teuto- russos... Quem seriam eles? Qual é a sua história? Quais foram as suas migrações e qual a causa das mesmas? Tudo isso será respondido ao longo de livro de 205 páginas, divididas em cinco capítulos, mais prefácio, introdução e considerações finais. Os cinco capítulos, designados como partes, tem os seguintes títulos: 1. Localizando Riqueza no oeste de Santa Catarina, que abrange também a saída dos alemães, na sua primeira migração da Alemanha para a Rússia, sob o governo de Catarina II; 2. A saída da Alemanha e a chegada ao Brasil. Eu explico, a saída da então URSS deu-se através da Alemanha, pelo porto de Bremen; 3. A chegada de outros grupos étnicos; 4. Crescimento do comércio nas décadas de 1960 até os anos de 1980; 5. O cinquentenário da colonização - 1980. 

Em minha resenha vou me ater mais aos dois primeiros capítulos, pelo inusitado do ocorrido em 1930, o ano da fundação de Riqueza, com a vinda de alemães, que, ao menos, por duas gerações moraram na Rússia e de lá saíram, quando o país ostentava a denominação de União das Republicas Socialistas Soviéticas (URSS), no ano de 1929. Faço isso pelo inusitado do fato, sem menosprezar as outras partes do livro, que focam mais na parte local, das peripécias da colonização.

As migrações europeias são uma consequência da modernidade, com a ocorrência da Revolução Industrial e o avanço da ciência no controle das doenças e o consequente aumento na expectativa de vida e da população. As migrações geralmente se deram em consequência do aumento da miséria e pela busca de melhores oportunidades. O fenômeno da migração de alemães para a Rússia se deu após as funestas consequências da Guerra dos Sete Anos (1756-1763 - praticamente uma primeira guerra mundial) e das promessas de Catarina II, a Grande (1762-1796) aos alemães, em seu desejo de povoar regiões ainda praticamente desertas, como a Sibéria. Os números constantes na página 29, apontam que entre 1764 e 1769, oito mil famílias alemãs migraram para a Rússia, perfazendo um total de cerca de 27.000 pessoas. Se estabeleceram no baixo Volga.

A saída da Rússia (já URSS) se deu no ano de 1929. Tudo foi consequência da Revolução bolchevique de 1917, mais precisamente, no segundo governo, o governo de Stálin e a sua política de coletivização das terras. Os famosos Kolkhozes. Além dessa questão, constata-se pelas entrevistas, a enorme insatisfação  causada pela ausência da liberdade religiosa sob o governo de Stálin, foi a outra grande causa para a saída da URSS. A saída se deu, primeiramente por meios legais e depois por fugas, numa epopeia de rara bravura e sacrifícios. Contaram com a ajuda da Cruz Vermelha e de instituições religiosas.

A fixação no oeste de Santa Catarina se deu através de processos de colonização, via Rio Grande do Sul, pela travessia do rio Uruguai, pela região de Iraí. O oeste de Santa Catarina era, na época um enorme descampado. O único município existente era o de Chapecó, do qual foram desmembrados cerca de 60 municípios. Para a colonização de Riqueza foi de fundamental importância a presença da colonizadora Companhia Territorial Sul Brasil e o seu gerente, um engenheiro alemão, Carlos Culmey. As dificuldades foram enormes e obedeceram, de uma maneira geral, as dificuldades da ocupação agrícola de novas fronteiras. Entre os problemas enfrentados se somou a proibição da fala da língua alemã, no tempo da Segunda Guerra Mundial. Vieram para a região de Riqueza em torno de 250 famílias dos chamados teuto-russos, isto é, de alemães com passagem pela Rússia.

Riqueza inicialmente pertenceu ao município de Mondaí e conseguiu a sua emancipação, por decreto do estado de Santa Catarina, do ano de 1991 após a realização de um plebiscito. A partir de primeiro de janeiro tomaram posse os primeiros mandatários e legisladores do município. Pelo censo divulgado em 2023, Riqueza conta com 4.768 habitantes. As atividades econômicas são predominantemente agrícolas. Como o meu irmão também me mandou outros dois livros sobre a colonização da região oeste de Santa Catarina, mais precisamente de Mondaí, deixo a resenha desses dois livros:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2021/07/um-novo-lar-na-imensidao-da-mata.html

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/08/porto-feliz-mondai-o-centenario-da.html

Deixo ainda uma pequena história contada pelo meu outro irmão, o irmão Canísio, que mora em Ponta Grossa e integra a ordem religiosa da Congregação do Verbo Divino. Conta ele, que o Hédio, (Se não me engano, ele chegou a ser secretário de educação do município e que, por muitos anos, foi professor em Linha Cambucica) um dia foi passear em Harmonia, a nossa terra natal, coisa que ele fazia com frequência, e no carro levava um adesivo com os dizeres - EU amo Riqueza -, aqueles em que o - amo - é expresso por um coraçãozinho. Diz o irmão Canísio, que isso foi o suficiente para que ele recebesse uma forte repreensão do padre vigário de Harmonia, o conhecido cônego Oscar Mallmann, advertindo-o de que deveria se dedicar mais à vida espiritual do que à material. Faz sentido!

Também quero fazer o registro de um fato que chamou muito a minha atenção, um registro de um grande valor histórico. Na página 44 o encontramos descrito da seguinte forma: "As famílias Hergeroether, Horst, Goldmann e Schneider eram vizinhas na Rússia (URSS), residindo na "Agrovila 43". Então, após tudo o que juntas passaram e viveram, compartilhando os maus e alguns bons momentos desde a Rússia até aqui em Iracema, no acampamento, os laços de amizade se estreitaram. Por essa razão, não quiseram separar-se e compraram, então suas colônias de terra próximas, para serem vizinhos novamente. Em homenagem às suas raízes e como essas terras ficavam próximas ao povoado, o lugar foi nomeado de - Linha 43 -".

O sobrenome da professora Silvani, a autora do livro, - Morgenstern Di Domênico -, é bem uma síntese do que foi a colonização da cidade - alemães e italianos, além dos caboclos, ali já existentes e por ela não esquecidos. Uma amostra de outra grande riqueza, além da madeira, que originalmente conferiu o nome à cidade, a grande riqueza da diversidade cultural.  Ao Hédio, por me ter mandado o livro e para a professora Silvani, pelo seu magnífico trabalho de pesquisa, os meus melhores agradecimentos. Inclusive recebi o livro com autógrafo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.