quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Tributo a Harmonia I. A Terra em que eu nasci.

Ao falar de Harmonia, rendo o meu primeiro tributo aos meus pais, Pedro Alfredo Rech e Berta Cristina Rech, tendo Reichert como seu sobrenome de família. Pessoas simples, como todas as pessoas nascidas em Harmonia e que tiveram em comum tanto a origem germânica, quanto a religião católica como heranças. É uma peculiaridade não só de Harmonia, mas também de muitas outras cidades do vale do rio Caí. Pessoas simples, mas de conceitos e valores, que nos foram transmitidos com muita maestria, acima de tudo pelos seus exemplos, com todo o destaque do mundo para a simplicidade.
Vista parcial de Harmonia, com destaque especial para a sua igreja matriz.

Se apontei coisas comuns nas cidades do vale do Caí, creio que posso assinalar duas peculiaridades que só podem ser encontradas em Harmonia. Uma é a figura do Cônego Oscar Mallmann, padre vigário do lugar, por mais de cinquenta anos e a outra é a Cooperativa dos Suinocultores do Vale do Caí Superior, que certamente mexeu com praticamente todos os seus habitantes, melhorando-lhes a sua condição de vida. Imaginem o poder do vigário. Sempre digo que a sua trajetória merecia um filme, senão, ao menos, um bela biografia, que certamente seria uma hagiografia. Quanto a cooperativa, exemplo raro de sobrevivência, em meio a existência breve que tem inúmeros frigoríficos, que é o que ela é, em sua essência, bem que mereceria uma dissertação ou, no mínimo um estudo de caso, se é que ainda não tem.
Foto do cônego Oscar Mallmann, vigário de Harmonia por mais de cinquenta anos. Foto na entrada da igreja matriz.

As origens de Harmonia remontam aos idos de 1863, quando as terras de Juca Teixeira, residente no Parecy, atual município de Pareci Novo, começaram a ser vendidas aos colonos alemães que estavam chegando. Coube a Pedro Kuhn, como encarregado do governo, organizar a colonização, medindo e vendendo as terras. A propriedade básica que cada família poderia comprar era a de uma colônia de terras, uma área de 250.000 metros quadrados, uns dez alqueires de terra, ou ainda, algo em torno de 24 hectares. A propriedade em que nós nos criamos tinha esta dimensão de 24 hectares.

Este é um dado muito importante. Ao longo dos anos 2000 Harmonia recebeu a designação de cidade brasileira com o menor número de pobres do Brasil e é óbvio que isto tem uma causa. E a causa fundamental para isso é a sua distribuição fundiária. Embora estas propriedades já tenham sido dividas por heranças, ainda garantem a renda necessária para se manterem afastados da pobreza, todos aqueles que ainda nelas permanecem. Também é evidente que houve muita diversificação na produção, o que também possibilitou melhores rendas em cima destas propriedades. Nelas se pratica a verdadeira agricultura familiar. 
Placa na entrada da igreja matriz de Harmonia, homenageando os párocos. Veja o Padre Oscar Francisco Mallmann - 1930 e o próximo só foi aparecer em 1981, portanto mais de 50 anos.

O vale do Caí faz com que todas as cidades de seu vale tenham hoje uma localização muito privilegiada, não muito distantes, ou mesmo integrando a região metropolitana de Porto Alegre, com toda a infraestrutura que se possa sonhar e imaginar. Nem sempre foi assim. Escoar a produção sempre foi uma dificuldade enorme. Os porcos tinham que ser levados até São Sebastião do Caí, para a partir dali, pelo rio, serem levados para a sua industrialização e mercados consumidores. Está nesta dificuldade a origem da cooperativa, da qual falamos no início do post, e da qual conto uma breve história, ajudado por um texto de Alex Steffen, postado por Renato Klein nas histórias do Vale do Caí.
Sede da Prefeitura Municipal de Harmonia.

O espírito cooperativo em Harmonia foi precedido por uma organização comunitária de nome Sociedade União Popular que fazia as mediações comerciais com os colonos. Por sugestão de Siegrfried Kniest, que andava pela região e mantinha o contato com os colonos, a sociedade evoluiu para a formação da cooperativa, que foi fundada em 29 de julho de 1935. Na reunião de fundação, 38 colonos estiveram presentes. Alex Steffen assim narra o espírito que animava estes herois fundadores:

"O que mais motivou estas pessoas a lutar por esta conquista, foram as grandes dificuldades enfrentadas para levar a sua produção até Montenegro, distante 25 km de Harmonia, por estradas em péssimas condições, com carroças puxadas por burros, em viagens que podiam durar até dois dias. Através de mutirões liderados pelo primeiro presidente Miguel Menz, a construção do matadouro se tornou uma realidade, sendo que em janeiro de 1938, aconteceu o grande momento da inauguração da fase de industrializção dos suínos, que tinha como produto principal a banha".
Vista da rua principal de Harmonia.

A cooperativa está hoje presente nos supermercados brasileiros com a marca Ouro do Sul. Os produtos são muito apreciados em função de sua qualidade. A cooperativa, com o seu frigorífico, deve hoje ser a maior empregadora da cidade. Harmonia também desenvolveu o seu parque industrial, com destaque para uma fábrica de brinquedos e uma de bebidas, mas estas não são do meu tempo. Do texto de Alex Steffen ainda transcrevo o nome de todos os presidentes da cooperativa e assim dar uma fonte para pesquisas. Descendentes destes podem ser facilmente encontrados em Harmonia ou na região. São eles: 

Miguel Menz: 1935 a 1939;
Antônio Scherer: 1945 a 1950;
João Alfredo Berwanger: 1950 a 1957;
João Hullen: 1957 a 1974;
René Vicente Vier: 1974 a 1982;
Lotário Hoerlle: 1982;
Hugo Amândio Keller: 1982 a 1990;
Theobaldo Valério Persch: 1990 a 1994;
Renato Kuhn: 1994 a 1998
Theobaldo Valério Persch: 1998 a 2010.

Este é um dos belos vitrais da igreja de Harmonia, que foi doação da família de José Reichert, o meu avô materno.

Salvo informações em contrário, Theobaldo Valério Persch deve continuar sendo o presidente deste órgão cooperativo. Pelos sobrenomes dá para ter uma ideia da origem alemã da cidade. Sobre o seu histórico e sobre as suas atrações eu falo num post próximo.

Um pós escrito - (Em 12.12.13). Lendo o livro de Emílio Willems, A aculturação dos alemães no Brasil, encontro o seguinte: " Um dos maiores proprietários daquela zona era José Inácio Teixeira, dono da fazenda Pareci que se estendia entre os rios Maratá e Caí, em ambas as margens do arroio São Salvador, até a região do planalto. Em 1854 começou a colonização destas terras onde em 1862 já se contavam 80 famílias. É digno de nota que o povoamento da área do Caí se fazia como autocolonização. Quase todos os moradores eram filhos ou netos de imigrantes alemães" (Página 72-3). Segundo Antônio Cândido este livro é a maior referência para se estudar a colonização alemã no Brasil. 

8 comentários:

  1. Parabéns pelo 'post' (Herr Professor)... um bom retrato sobre a cidade, centrado na simplicidade fundante das famílias - às quais inclua a minha também - no cooperativismo local - a exemplo de Cascavel, Maringá, onde nasci e vivi, respectivamente - e do Cônego Mallmann - como Dom Armando Cirio, Bispo em Cascavel, por muitos anos, o qual celebrou minha Crisma. Veja estávamos distantes por quase 1.000 Km e mesmo assim nossas raízes se espelharam. Viva o "Céu, Sol, Sul" Abraços, bom dia...

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  2. Certamente por isso, por raízes comuns, é que somos tão amigos, sirinocwb.

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  3. Região muito linda, a qual tive o prazer de conhecer e fazer algumas vendas, na minha época de vendedor, parabéns pelo texto e por mostrar esta cidade, na qual nasceu, matei um pouco da saudade do Rio Grande!

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  4. Pois é Zauri, neste lugar começaram as minhas aventuras humanas, ali eu comecei a ser gente.As influências recebidas, com certeza,foram muito boas. Agradeço o seu comentário.

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  5. que legal. pelo menos alguém comentou algo sobre harmonia meu irmão estava preparando um livro.mas Deus o levou antes de terminar. o Bruno.

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  6. Oi Maria Verônica. Apenas juntei algumas coisas da memória e fiz alguma pesquisa rápida. Creio que Harmonia tem dois temas que merecem uma investigação maior. A presença do cônego Mallmann como padre vigário por tanto tempo e a cooperativa, um caso raro de êxito e de vida longa. Agradeço o seu comentário.

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  7. Excelente narrativa. Você combina a objetividade histórica com criatividade literária. Este texto bem poderia ser o início de um livro, não?

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  8. Muito obrigado, meu amigo. É um tributo que eu presto à minha terra natal, às minhas origens. Quanto a escrever um livro, talvez um dia eu conte as minhas memórias. Muito obrigado pela ideia e estímulo.

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