sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Tereza Batista - Cansada de Guerra. Jorge Amado.

Jorge Amado escrevia fácil e bonito, embora ele negasse o fácil. Estou eu aqui, pensando bobagem, querendo comparar os livros de Jorge. Tarefa impossível. Todos tem a sua grandeza, a grandeza de Jorge. Mas se tem um livro em que Jorge efetivamente se empenhou, deve ter sido este, Tereza Batista - Cansada de Guerra. Para isto ele tinha um motivo. Tereza Batista é o povo brasileiro, o sofrido povo brasileiro. Ao mesmo tempo tão sofrido e tão feliz, mais sofrido do que feliz, mas que viveu, nos seus momentos de felicidade, uma felicidade sem par. Não tem como não se apaixonar por Tereza Batista. Não tem como não se apaixonar pelo povo brasileiro.
A versão da edição comemorativa do centenário de Jorge Amado de - Tereza Batista - cansada de guerra. Companhia das Letras

Para dizer que Tereza Batista é o povo brasileiro, o escritor, para anunciar este fato, recorre a toda a sua família e a ninguém menos do que a sua própria mãe para dizê-lo: "Eulália Leal Amado, Lalu na voz geral da benquerença, lhe digo, meu senhor, que Tereza Batista se parece com o povo e com mais ninguém. Com o povo brasileiro, tão sofrido e nunca derrotado. Quando o pensam morto, ele se levanta do caixão". Eis o anúncio feito e, em literatura sob a forma de cordel.
Capa da edição de lançamento de Tereza Batista, em 1972, pela Livraria Martins Editora.

A partir de uma entrevista de Lygia Fagundes Telles, é escrito o posfácio do livro. Ela fala de três Jorges que ela conheceu e daí parte para as mulheres, personagens de Jorge e em especial para Tereza Batista: "Não são mulheres solitárias, elas precisam do homem assim como o homem precisa delas, na alegria, sim, principalmente na alegria. Assim essas mulheres - as de família e as putas - estão sempre liderando as histórias de amor. A vida virou um artigo de luxo? Então as mulheres consideradas alegres tem que ser pagas por assim compensar as mulheres casadas e em geral tristes, lamurientas, porque, ah! os filhos, os gastos, os problemas... Olha aí o homem fugindo do cotidiano familiar para se divertir nos cabarés das profissionais pagas pelos coronéis para o amor sem compromisso, viva o presente que é irresponsável e tem bebida e tem marinheiros e música... As mulheres sem máscaras, essas as grandes personagens que Jorge Amado escolhia sem o menor preconceito e sem perder a doçura porque quem gosta da vida não gosta da morte. Daí não atormentar essa vida com a ameaça do fim, ah! a saudável alegria antes do ponto final A vida com bom humor. Repito, neste país país tão pobre e tão rico era preciso mesmo conquistar o leitor, parceiro do escritor, ou melhor, cúmplice desse escritor..."
Tereza Batista e suas colegas de ofício salvam a população da epidemia da bexiga negra.

Para os materialistas e para os racionais, Jorge deixa uma advertência, afinal, a história se passa na Bahia: "Não discuto a conta feita pelo amigo, o número certo das intervenções indébitas mas não se esqueça que o caso se deu na cidade da Bahia, situada no oriente do mundo, terra de esconjuros e ebós. Aqui, meu prezado, os absurdos são o pão de cada dia desse povo incapaz de inventar uma mentira ainda mais no propósito de assunto tão mexido". São milagres demais que acontecem, especialmente, na parte final do livro, no episódio do balaio fechado das prostitutas, quando o próprio Exu faz as mais terríveis ameaças para todos os envolvidos neste movimento. Ai de quem furasse a greve!

A primeira aparição de Tereza Batista no livro, ocorre em um bordel de Aracaju, a famosa casa Paris Alegre, de Flori Pachola. Nesta casa a artista dança e intervém nas confusões, especialmente, quando mulher apanha. Tereza Batista, em antecipação à lei Maria da Penha, não suporta ver mulher apanhando e quando isto acontecia, ela intervinha, feroz. Um encontro casual em Aracaju, com o homem do mar, o navegador Januário Gereba, o Janu, de "algemas na mão e grilhetas nos pés", a enfeitiça, num amor impossível. Mas não para ela. Ela esperaria o tempo necessário.

Os sofrimentos de Tereza Batista começaram muito cedo, quando a pequena órfã foi vendida pela tia para o capitão Justiniano Duarte da Rosa, no qual Jorge personifica toda a maldade e perversidade da elite brasileira. O capitão usa uma coleira com argolas de ouro, cada argola representando uma menina deflorada. Só as meninas virgens mereciam argola. Tereza Batista tentou resistir. A obediência lhe veio com pancadas e tabefes, com chicotadas de taca de couro cru e com o ferro de passar, aceso. A maldade prossegue com Daniel, o filho do meritíssimo, que corneando o capitão, se aproveita da menina e a ilude e engana. Um mundo de horrores e falsidades. Nestas circunstâncias comete assassinato, mata o próprio capitão.
Edições, mundo afora, de Tereza Batista - cansada de guerra.

As doçuras ela experimenta com o coronel, usineiro e banqueiro, Emiliano Guedes,o homem do rebenque e da Rosa. Para Tereza, apenas a Rosa. Além de dinheiro ele possuía uma família, totalmente desajustada. Agora passa a ter também Tereza. As tragédias de sua vida familiar, lhe interrompem seis anos de vida feliz. Morre de felicidade, em cima de Tereza, para escândalo da sociedade. Novamente abraça o infortúnio. Isso tudo se passa na cidade de Estância, no Sergipe.

Não lhe sobrando alternativas de vida, com a vida que leva com as companheiras, escreve novas páginas de heroísmo em Buquim e Muricapeba. Entre as doenças brabas, como a bexiga, o tifo, a malária, o analfabetismo, a lepra, a doença de Chagas, xistossomose, a mais braba era a bexiga, de rápida contaminação e morte ligeira. A bexiga fez médico e enfermeira fugir. Só sobrou Tereza para lavar feridos e aplicar vacina. Tereza e suas colegas de ofício. Como gratidão, em vez de busto na praça, o medo da contaminação lhe roubou a freguesia. Foi procurá-la em outras plagas.

Atrás de Janu, vem se estabelecer na Bahia. Todos os dias vai ao porto saber de Januário. Fica sabendo que ele não tem mais as mãos algemadas, nem grilhetas nos pés. A esposa falecera. Entre a espera de notícias de Janu, ocorre o mais grave dos episódios narrados no livro, a greve das prostitutas. Elas deveriam ser transferidas da Barroquinha para a ladeira do Bacalhau. A greve do chamado Balaio Fechado, que seria uma sexta feira da paixão, em pleno romper da primavera, irrompeu  no dia em que no porto chegaram três navios de soldados americanos. Tereza e as ameaças de Exu a possíveis fura-greves, tornaram o movimento vitorioso. Até fuga para a igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Negros houve, como também, procissão em honra de Santo Onofre, o padroeiro das prostitutas. Por que santo Onofre é o padroeiro das prostitutas eu não sei dizer e, muito menos, Jorge o contou.

O famoso episódio da greve do Balaio Fechado, em literatura de cordel.

Nas suas andanças, as paixões de homens sempre se renovaram por causa de sua extraordinária beleza. Um novo homem bom entra em sua vida, o viúvo Almério das Neves. Agora é ela que tem as algemas nas mãos e grilhetas nos pés, pelo amor por Janu, aquele do encontro de Aracaju e já sabedora da morte de sua mulher. Mas descobre-o morto no mar, num naufrágio nas costas do Peru. Esta morte a fere de dor mortal. Vida para dar, já não tem mais. Assim oferece companhia para Almério, num casamento em que a Bahia inteira foi convidada para a festa. Os que não foram vieram de incheridos. Na festa, a maior que a Bahia já conheceu, Caymmi, Caetano e Gil cantaram, a orquestra dos castelos e seus jazz band animaram os convidados. Mas festa mesmo, só aconteceu, quando o trio elétrico puxou animada festa de carnaval. Era o povo brasileiro em festa.

Quando o casamento ia se celebrar, Januário Gereba apareceu. O casamento "embucetou", não aconteceu e muito menos o povo ficou sem festa. A festa era de Tereza Batista. A festa era de todo o povo brasileiro.


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