sexta-feira, 9 de maio de 2014

As Guerras Sujas. Jeremy Scahill.

Este é o meu terceiro trabalho para a Companhia das Letras e, seguramente, o mais difícil. Trata-se do livro de Geopolítica internacional, ou da nova política externa dos Estados Unidos, pós 11 de setembro, sob os governos  George Bush e Barack Obama. Estes são apresentados, não como opostos, e sim, como continuidade.Trata-se do livro Guerras Sujas. O Mundo é um Campo de Batalha, de autoria do jornalista Jeremy Schaill. O livro foi escrito no início do ano de 2013 e no Brasil é um lançamento de abril de 2014. Deve ser praticamente um lançamento simultâneo, com o original americano Dirty Wars: The World is a Batlefield. A obra também já foi levada para o cinema, com indicação para o Oscar, como o melhor documentário. 

 Capa do livro de Jeremy Scahill, Guerras Sujas. Um lançamento da Companhia das Letras


O livro é forte. É um grito de indignação, do começo ao fim, em suas 830 páginas, das quais mais de cem são dedicadas a notas, com a indicação das fontes. A autoria do livro, como conta o próprio autor, nos agradecimentos, é na verdade, escrito por uma equipe de jornalistas que trabalharam sob a sua coordenação. Muitos deles são mantidos no anonimato, no sentido de, literalmente, preservá-los. O livro é intencionalmente impactante. Duas vezes, nos agradecimentos, o autor nos confidencia, que recebeu estímulos para torná-lo "mais forte". Além da indignação, que o livro provoca, também é um livro, que exigiu muita coragem.

Qual é a sua essência? Isso está expresso, tanto no título, Guerras Sujas, quanto no sub título O mundo é um Campo de Batalha. A tese do autor é a de que as políticas de segurança dos Estados Unidos, no pós 11 de setembro, estão colaborando para que o mundo fique mais distante da paz e que o cidadão americano está menos seguro hoje, do que estava antes, exatamente em função da aplicação destas políticas. Em suas conclusões o autor denuncia que as políticas de Bush, aprofundadas por Obama, e que tem o apoio incondicional dos dois grandes partidos no Congresso, estão "incentivando uma nova corrida armamentista com drones que fortalecerá rivais atuais e futuros, e lançará as bases de um sistema internacional cada vez mais violento" (p.666). Um pouco antes já havia dito que "Os Estados Unidos estão ajudando a criar uma nova geração de inimigos na Somália, Iêmen, Paquistão, Afeganistão e em todo o mundo muçulmano" (p. 664).

A maneira de fazer guerras, no combate ao terror, mudaram muito a forma de fazê-las. Já não se movimentam mais exércitos enormes e nem se fazem mais bombardeios espetaculares, com direito a transmissão ao vivo pelas redes de televisão. Como são feitas então? "Hoje em dia, as decisões sobre quem deve viver ou morrer em nome da segurança nacional dos Estados Unidos são tomadas em segredo, as leis são interpretadas pelo presidente e seus assessores a portas fechadas, e nenhum alvo é inatingível, nem cidadãos americanos" (p.666). Esta nova forma de fazer guerra está fora de qualquer sistema de controle, seja por parte do Congresso americano e dos organismos em defesa dos Direitos Humanos. Junto com as siglas tradicionais do FBI e da CIA, uma nova sigla está cada dia mais presente na nomenclatura das novas guerras. É a JSOC, a Joint Special Operations Command, o Comando Conjunto de Operações Especiais. São as verdadeiras tropas de elite. Segundo o autor, os Estados Unidos operam desta forma, nos dias de hoje, em mais de cem países. 
O jornalista Jeremy Scahill autor do livro Guerras Sujas - O mundo é um Campo de Batalha.

O livro tem como protagonista e fio condutor a história de um cidadão americano, iemenita de origem e muçulmano em seu credo. Seu nome é Anwar Awlaki. Seu filho Abdulrahman, de 16 anos e Samir Khan, também cidadãos americanos entram como os outros personagens sobre os quais se centra a narrativa. Os três tem em comum, o fato de morrerem assassinados pelo novo processo com o qual os Estados Unidos combatem o terror. São mortos em setembro/outubro de 2011, no Iêmen e, obviamente, ganham as suas versões oficiais, não necessariamente verdadeiras.

Anwar foi educado na cultura americana, mas se tornou um imã do islã, algo como um sacerdote ou pastor, no cristianismo. Com o 11 de setembro e a forma como os Estados Unidos irão combater o terror, tornaram os sermões de Anwar cada vez mais radicais. Descobre-se que dois dos terroristas que participaram do ataque às torres gêmeas, frequentavam os seus sermões. A vigilância sobre Anwar se intensifica e ele abandona o país, indo morar na Inglaterra e depois no Iêmen, país de seus ancestrais. Todo o seu tempo será dedicado ao Islã. A sua pregação agora ganha as novas tecnologias. Os fundamentos do Islã, com a sua interpretação, ganham o mundo árabe de língua inglesa, através de seu blog. Depois de Bin Laden, Anwar Awlaki passa a ser visto como a maior ameaça aos cidadãos americanos e a sua caçada se inicia.
O livro de Jeremy Scahill também foi levado ao cinema. Ganhou a indicação para o Oscar como o melhor documentário.

O livro faz longas análises da política externa dos governos Bush, concentrada na guerra contra o Iraque e do governo Obama, que centra suas ações na caça a Bin Laden, em operações no Afeganistão e no Paquistão. Como existem organizações próximas da Al Qaeda no Iêmen e na Somália, estes países também passam a ter intervenções americanas, tanto em ações em conluio com aliados nestes países, como com ações diretas. A descrição destas ações preenchem os espaços do volumoso livro. A caçada e a morte de Bin Laden está descrita nos mínimos detalhes.

É evidente que Jeremy Scahill não alimenta nenhuma simpatia pelo governo Bush e muito menos pelo de Barack Obama. Considera o discurso de Obama, ao receber o prêmio Nobel da Paz, como um discurso belicista, contrário às doutrinas pacifistas de Gandhi e de Martin Luther King. Seleciono uma frase de um ex ministro de relações exteriores da Somália em que ele define as políticas de Obama: "Com o presidente Obama, a mobilização de tropas em grande escala para o Iraque e o Afeganistão foi substituída por uma expansão dos ataques com drones e assassinatos dirigidos executados por equipes de operações especiais. O presidente Obama parecia estar investindo numa estratégia que supunha que a paz chegaria quando se matassem os caras maus. Mas como aconteceu no Afeganistão, no Iraque e em outros países, tudo indica que essa estratégia tenha alimentado os próprios movimentos que criaram esses 'caras maus'. Usando drones e assassinatos dirigidos, sem fazer nada no outro lado, você se livrará de pessoas. Mas as causas fundamentais permanecem lá. A causa fundamental não é a segurança. As causas fundamentais são políticas e econômicas" (p. 636).

O autor é assim apresentado na orelha da contracapa do livro: "Jeremy Scahill, jornalista de rádio e de televisão e documentarista, é colaborador regular da revista The Nation e já atuou em coberturas internacionais no Iraque, nos Balcãs e na Nigéria. Blackwater (2008) publicado pela Companhia das Letras, foi ganhador do renomado prêmio jornalístico  George Polk de 2007.  Scahill vive em Nova York".

As perspectivas de paz para a humanidade e a de segurança para os cidadãos americanos tem uma perspectiva sombria, segundo as análises deste livro. A impressão que eu tive com a sua leitura é a de que o presidente Obama, assim como qualquer outro futuro presidente dos Estados Unidos, tem mãos um permanente Ato Institucional nº 5 em mãos para agirem, não só no interior do país americano, mas no mundo inteiro. Atos assim protegidos não tem consequências sobre aqueles que os praticam, infelizmente, apenas sobre a humanidade.

SCAHILL, Jeremy. As Guerras Sujas - O Mundo é um Campo de Batalha. São Paulo: Companhia das Letras. 2014.

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