quinta-feira, 10 de julho de 2014

Arrecife. Juan Villoro.

"Arrecife ou recife", nos diz a wikipédia, "é uma formação rochosa submersa logo abaixo das águas oceânicas". A enciclopédia ainda aponta a proximidade das costas e a pouca profundidade como outras características dos arrecifes. Mas estamos falando de arrecife como um romance. Um romance mexicano, lançado no Brasil, agora em junho e que terá a sua primeira grande divulgação na FLIP, a grande Feira Literária de Paraty, agora, em fins de julho (30 de julho a 3 de agosto).

O arrecife ou os arrecifes que emprestam o título ao livro de Juan Villoro pertencem à costa mexicana, mais precisamente ao Caribe mexicano. O cenário mais próximo do romance é então a beleza deste local que se soma também com a sua história, a dos ancestrais maias e as suas pirâmides. Tornando ainda mais restrito o cenário do romance, ele se passa num luxuoso hotel resort, exatamente com este nome, La Pirámide. Aí então começa um romance, que confesso, é muito diferente de tudo o que já li. É uma loucura total. Os dois nomes centrais do romance são Tony, ou Antonio Góngora e Mário Müller, o der Meister.
Arrecife, de Juan Villoro. O livro do autor mexicano é um dos lançamentos da Companhia das Letras, do mês de junho de 2014.
Tony e Mário eram companheiros de infância e em sua juventude tocavam em uma banda de rock, los extraditables. Tony aparece assim descrito: "alguém com quatro dedos, uma perna ruim e metade das lembranças". Nos anos dos extraditables, lembra Mário, "éramos tão otimistas que nos divertíamos nos destruindo. Quando recuperamos a sobriedade já não valia a pena estar lúcido. O país virou uma merda. Nossa insônia é geracional. É melhor viver de noite". Aparentemente Mário é o mais normal dos personagens.
Mário é filho de uma numerosa família de suíços e recebe educação refinada. Quando Tony estava na situação acima descrita, especialmente a de quem guardava apenas a metade de suas lembranças, Mário o acolhe ao La Pirámide, para ser o técnico de som do aquário. Na orelha do livro está descrita esta profissão: "Ele transforma o movimento dos peixes em som ambiente". Mário é extremamente solidário para com Tony. Creio que já deu para ter uma pequena ideia sobre o La Pirámide. Um hotel nada convencional.

Aliás, praticamente todos os hotéis do Caribe mexicano tinham falido, não se sabe exatamente se era por falta de turistas ou para levantar altas indenizações junto às companhias seguradoras. O hotel comandado por Mário era uma exceção, aliás a única exceção. Vivia sempre lotado. Kukulcán, a região em que eles se situavam, era um verdadeiro cemitério de hotéis. Quais eram então os atrativos deste hotel, comandado pelo Mário? Encontramos algumas explicações. O certo é que no La Pirámide, se vive a era "pós turismo", onde, explica Mário "o perigo é o melhor afrodisíaco" e que "ninguém se permite tantas licenças quanto um sobrevivente". 

Observemos uma pequena descrição de uma ocorrência: "No outro corredor quatro ou cinco encapuzados carregavam duas turistas loiras, amordaçadas e com as mãos amarradas. Elas esperneavam e sorriam ao mesmo tempo (as rugas em seus olhos delatavam diversão e suas risadas podiam ser ouvidas através dos lenços). Foram levadas até uma janela. Os guerrilheiros puxaram uma corda. Um arnês chegou até eles. As mulheres concordaram  em sair pela janela, amarradas aos arneses. Os encapuzados as seguiram". Não havia tédio no entretenimento proporcionado pelo der Meister.
O escritor mexicano, Juan Villoro. Villoro é considerado o maior escritor mexicana da atualidade.
Onde, no entanto, se situam os limites do perigo? Ocorrem duas mortes quase simultâneas no hotel e começam as investigações. Parece que todo mundo está envolvido e ninguém quer desvendar nada. Se desvenda, ou melhor, se revela todo um mundo de corrupção, uma descrição da terrível realidade mexicana. Mas o forte do romance está na ironia. Esta perpassa o livro inteiro, com destaque para os temas da ecologia e da sustentabilidade, ótimas formas de se ganhar dinheiro. Sobram ironias para o Louvre, que se formou a partir de rapinas e sobre a cultura e literatura inglesas e os métodos de gerenciamento do pessoal do hotel. Veja estas frases como pequena amostra: "A única coisa mais comercial que a cultura é a ecologia" e "os que mais contaminam são os que mais investem em comida orgânica e ecoturismo".

Grandes momentos de ternura ocorrem quando se descobre uma doença terminal em Mário, um câncer. Mário tem uma filha. Irene. Mário delega a Tony a missão de ser o pai da menina. Já num dos primeiros encontros Irene pede a Tony: "Lê uma história para mim"?. Criança é sempre criança.

Trabalhando com formação de professores, entre os quais havia professores de literatura, teci um breve comentário sobre Arrecife, mais ou menos nos seguintes termos. Se diferencia de quase tudo o que eu já li. Nele existe uma radical mudança da subjetividade. Os grandes mistérios humanos, presentes na literatura, mudaram de foco. São mentes destroçadas pelas drogas, pela loucura dos anos de formação sob a guerra do Vietnã e as pulverizações e nebulizações de Napalm, além do mundo do crime, tido como uma normalidade do cotidiano.

Experiência rica foi a leitura deste livro, mas confesso que adoraria participar da mesa que Juan Villoro dividirá com os participantes da FLIP, agora em julho. Segue a ficha do livro: VILLORO, Juan. Arrecife. São Paulo: Companhia das Letras. 2014. Ainda na capa existe uma espécie de sub título: Onde a maior atração é o perigo.


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