quarta-feira, 9 de julho de 2014

Uma carta. Revisitando o tempo em que se escreviam cartas.

Atendendo a um pedido voltei a escrever uma carta. Confesso que tive dificuldades. A escrevi a mão, bem do jeito como eu fazia, quando trocava cartas, especialmente, com a minha mãe. Temo que, hoje em dia, muita coisa esteja se perdendo, como o próprio hábito de escrevê-las. WhatsApp, in box e outras formas eletrônicas e virtuais, as estão substituindo. Temo, inclusive, pela manutenção da escrita manual, em tempos de digitalização. A separação de palavras, que tanto nos fazia sofrer, recebe hoje aparelhamento automático. Como gostei de escrever esta carta, em que procurei reproduzir o espírito de uma carta dos tempos em que as escrevia, por isso passo a reproduzi-la aqui, omitindo, obviamente o nome do destinatário e seu círculo familiar: Lá vai ela;
Eis a carta, num caprichoso manuscrito. Hoje a digitalização faz com que o manuscrito seja o proscrito. Singeleza e linguagem coloquial eram as grandes características.

Curitiba, 25 de junho de 2014.
Prezados____________________________.

Hoje eu acordei extremamente saudoso e aproveitei a oportunidade para fazer rememorações. Retrocedi no tempo, uns cinquenta anos, e me lembrei de um hábito que eu cultivava naquele tempo, quando eu escrevia cartas. De um modo todo especial eu trocava cartas com a minha mãe, e também, quando batia a saudade, com os meus amigos. As cartas que eu trocava com a minha mãe, sempre foram escritas em alemão.

Este hábito se intensificou quando eu vim morar aqui no Paraná. A gente não trocava grandes ideias e nem tínhamos assim, grandes novidades para contar. Eu falava do meu trabalho, dos meus tempos de começo da minha vida de professor, sobre os progressos de Umuarama e sobre os meus queridos filhos. A minha mãe me contava as coisas de Harmonia e assim eu matava as saudades da minha querida terrinha em que eu nasci. Me contava de quem ia bem e, sobretudo das pessoas que faleciam. Ela me mandava um obituário completo. Sobre o Grêmio ela nunca me falava. Ele não fazia parte do seu mundo, mas eu me atualizava ouvindo as rádios Gaúcha e Guaíba.

Um dia, ainda morando em Porto Alegre, eu escrevi uma carta mais séria e um pouco mais comprida, eu acho que, umas dez páginas. Nela eu explicava os novos rumos que eu tomei em minha vida, quando eu deixei o seminário. Como eu gostaria de ter esta carta! Mas eu acho que ela se perdeu, se apagou com as lágrimas sobre ela vertidas, pela tristeza do meu pai e da minha mãe, ao saberem que eu tinha desistido de ser padre.

Hoje eu quero te escrever para dizer que comigo vai tudo bem, inclusive de saúde. De vez em quando eu sinto um pouco de dor de cabeça e nas costas, mas eu creio que isto acontece quando eu cometo algum tipo de exagero. Eu tenho muitos e bons amigos, que sempre me convidam para as suas festas e, às vezes, a gente toma um copo de cerveja ou uma taça de vinho a mais. Espero também que tudo vá bem contigo e com a ____________.

No mais, eu continuo lendo bastante e escrevendo um pouco. Eu tenho um blog (blogdopedroeloi.com.br) onde escrevo sobre cultura, política e viagens. Acho que estou indo bem e tenho ganhado até alguns elogios.
Última tarefa da escrita de uma carta. Envelopá-la, fechá-la e levá-la aos correios. Não pode faltar o tubo de cola.

Eu quero, em particular, nesta carta de hoje, te falar sobre um livro muito bonito que eu li. Trata-se  de A Resistência, do Ernesto Sabato. Eu sublinhei duas frases, entre tantas frases bonitas. A primeira, eu acho que cabe muito bem para nós. Ela diz assim: "Com a idade que tenho hoje, posso dizer, dolorosamente, que toda vez que perdemos um encontro humano uma coisa se atrofiou em nós, ou se quebrou". _______________, como eu sinto falta dos nossos encontros na sala dos professores da universidade Positivo, aquela mesa dos professores do curso de Publicidade . Lá ouvíamos vozes diferentes e assim a gente melhorava no conhecimento e no repertório. Muitos encontros humanos. A outra frase diz assim. Está na página 71: "Mas é na mulher que se encontra o desejo de proteger a vida, absolutamente". Mostra esta frase para a __________. Eu acho que ela irá gostar.

Um outro livro que também gostei muito é, Ei Professor, de Frank McCourt. Ele é irlandês. Eu gosto muito dos escritores deste país. Frank conta de sua vida de professor nos Estados Unidos. Ao falar de suas experiências, ele fala das dificuldades dos professores em geral. Eu gostaria de pedir a permissão e tomar mais um minuto de seu tempo para te passar esta frase: "Qual é a última coisa em que pensam os professores antes de dormir? Antes de apagar, todos esses professores, confortáveis e aquecidos em seus pijamas de algodão, só pensam no que têm de ensinar no dia seguinte. Os professores são bons, corretos, profissionais conscienciosos e nunca jogam a perna em cima da mulher na cama. Do umbigo para baixo, o professor está morto". Confesso que fiquei bastante entristecido quando li esta frase. Tomara que a parte final da frase não seja verdadeira.

Como já estou me estendendo muito, numa próxima carta eu quero falar sobre O Último Leitor, do Ricardo Piglia. Ele fala do Chê Guevara. Ainda bem que eu me lembrei de um outro. É do Valter Hugo Mãe - O Filho de Mil Homens. Ele fala de multiplicação - sabe - mas não de multiplicação de números ou de dinheiros, mas de pessoas que se encontram e que se completam.

E, para terminar, aproveito ainda o ensejo para te mandar, como se fala no Rio Grande, um abraço de quebrar as costelas e também para mandar um beijo para a___________. Deixo também um abraço para o teu filho.
O teu sempre amigo
Pedro Eloi Rech.
PS. Tenho à minha frente uma frase que bem reflete o tempo presente, uma vida com constante redução de expectativas, tornando-a mais pobre, com menos sonhos e com  menos desejos. Tempos tristes.
Última etapa de uma carta. Levá-la ao correio e postá-la. Com selo e carimbo.
Observação. Esta observação já não faz mais parte da carta. Estes livros, aos quais fiz referência, foram indicações de leitura que recebi do meu amigo. E mais um PS. Lendo Arrecife, de Juan Villoro, me deparo com o seguinte, de Mário Müller para Tony, na página 162: "- Tenho uma coisa para você. Uma coisa de outra época, de um mundo perdido, no qual se escreviam cartas. pertencemos à última geração que conheceu a espera, a possibilidade de perder uma remessa, a chegada de uma caligrafia especial". Em breve comentarei sobre este livro.


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