quarta-feira, 16 de julho de 2014

O Professor. Cristóvão Tezza.

Heliseu da Motta e Silva é um professor universitário, que aos setenta anos se prepara, na solidão de seu apartamento, para receber uma homenagem em sua universidade, na qual foi um dedicado professor da disciplina de filologia românica, com especialidade no século XV. Uma espécie de frase em epígrafe, na abertura do livro, nos dá uma ideia do teor da disciplina: "Nõ pode algue seer boa testimunha d'outre, se primeiro nõ for boa testimunha de sy meesmo". Vita Christi, 1495. (algue e d'outre também levam ~ mas não consegui colocar o ~ em cima do e). Ao longo do livro existem muitas frases do português desta época.
O novo romance de Cristovão Tezza. Rememorações de um velho professor.

O livro se ocupa do septuagenário professor, num acerto de contas com o sentido de sua vida. Os personagens reais do livro são o professor e Dona Diva, a eterna empregada da casa. O resto são personagens de sua vida, numa fantástica recriação em sua memória. Ele tem duas tarefas fundamentais para este dia. Se preparar para a homenagem e organizar o discurso para a solenidade. Entre o levantar-se, tomar um banho e acertar o nó da gravata, a sua memória anda em retrospectiva.

Esta atinge especialmente os seus familiares, do menino que fora no seminário, de ter tido um pai extremamente rígido, de Mônica, a sua esposa, de Úrsula, a amiga de Mônica, do filho Eduardo e de Therèze, a sua orientanda, ou doutoranda, de cama e de gabinete, como alfinetavam os colegas de plantão. Digamos, uma consciência cristã e profissional em retrospectiva, com os ingredientes comuns a estas situações. Culpas e desacertos em sua vida privada e as intrigas e a ciumeira entre colegas, especialmente os de seu departamento, o de linguística.
O Espírito da prosa. Uma autobiografia literária. A Bildung do grande escritor.

Quanto a Mônica, a esposa, uma vida aparentemente normal. Paixão no começo, esfriamento da relação, na sequência. A amizade com Úrsula soa à pós-modernidades estranhas ao velho e rígido professor. Ela chega até a fazer a proposta de um casamento aberto. A relação com o filho Eduardo, sempre protegido por Mônica, é complicada desde sempre. Mônica sofre um acidente fatal, numa queda. O comissário Maigret entra em sua vida. O livra de culpa perante a lei, o que lhe vale uma boa grana da companhia seguradora, mas não o isenta dos comentários maldosos dos colegas da universidade.

Therèze é uma aluna, que meio sem jeito, aparece numa aula do professor e lhe pede um encontro. Algo normal na vida acadêmica. Orientação de tese seria o grande tema. Mas a presença da moça, os seus rrs arrastados o impressionam e, além disso, o perturbam. E como já vimos, os comentários jocosos dos colegas diziam que era uma doutoranda de cama e de gabinete. Therèze foi realmente uma paixão escaldante na vida do correto professor, nos tempos em que seu casamento já fazia água.

Com o acidente mortal de Mônica, a relação com Eduardo se complica de vez. Eduardo termina morando nos Estados Unidos. Depois de uma infinidade de tempo ele liga comunicando que estava morando com Andrew e que tinham adotado uma menina afro-americana. A cabeça do velho professor pira, busca culpas e as encontra. Nunca mais houve aproximação, só agora e por desejo, em suas rememorações de acerto com a vida. Olha aí, temas da pós modernidade, povoando o romance.

A tese de Therèze, sobre O Sentido oculto na ironia do brasileiro, do dito e do não dito ganhou expressivos comentários da banca, como este, de um dos doutores: "Frise-se que a exposição da primeira parte, As raízes da ambiguidade - (a Therèze sempre foi boa em títulos) -, está simplesmente soberba, é a palavra que me ocorre, um primor de interpretação social aplicada aos mecanismos da linguagem". Uma parte da tese chegou a ser publicada numa universidade francesa, com uma homenagem ao professor Heliseu. Nas suas rememorações também entram os temas da política nacional, desde a ditadura militar, as diretas já, a inflação dos tempos de Sarney, o PT, Lula e Dilma. Estes temas quase sempre foram puxados pelo professor Veris.
Este é o grande livro do escritor. Inigualável e premiadíssimo.

O último e o mais longo dos capítulos do livro é bastante esclarecedor sobre o acidente que vitimou Mônica, após uma discussão familiar em que estiveram envolvidos. O romance desvenda ou desvela o que é a vida de um professor universitário, sobre o significado de sua profissão e acima de tudo, como está fortemente frisado na contracapa do livro, - o sentido da vida. Mais buscas do que respostas, obviamente. Tezza, com este seu novo romance, apenas confirma a sua condição de um grande escritor, já consagrado a partir de O filho eterno.

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