quinta-feira, 30 de outubro de 2014

A Ninfa Inconstante. Guillermo Cabrera Infante.

"Ah! Estelita, por que me persegues?
Alguém disse que se pode olhar para trás com o prazer que a distância proporciona, e são palavras de um romancista menor. Um grande poeta, ao contrário, disse que não há maior dor no mundo do que recordar o tempo feliz na desgraça. E o tempo desgraçado visto da felicidade, que dor dá?"
Capa da edição brasileira, Companhia das Letras, de A Ninfa Inconstante.

A Ninfa Inconstante é a história de uma fuga, ou melhor, é a história de duas fugas que se juntam. A do narrador, ou Gezinho, a fugir de sua mulher e a da, ainda Estelita, depois Estela, a fugir de sua mãe, ou melhor, de sua madrasta. O narrador é um escritor, um crítico de cinema da revista Carteles, já avançado em sua idade. Já Estelita, ainda não completara 16 anos, idade em que poderia ser mulher, pronta para o amor. Não os 18, nossos. O cenário onde se passa esta fuga e este encontro e, de novos desencontros é Havana, na Cuba do final dos anos de 1950, ainda pré-revolucionária.
Foto de Cabrera Infante, na orelha da contra-capa do livro.
O autor de A Ninfa Inconstante é Guillermo Cabrera Infante, um cubano nascido em 1929 e que faleceu em Londres, em 2005. O autor viveu na Cuba pré revolucionária e, coincidentemente, era um crítico de cinema, em Havana, nesta época. Andava nas ramblas, no Malecón, na Línea, nos cafés, cafeterias e night clubs, descritos no romance. A ninfa foi o seu último livro, com publicação póstuma à sua morte. "Não me interessa eliminar e muito menos mudar meu passado. preciso é de uma máquina do tempo para vivê-lo de novo. Essa máquina é a memória. Graças a ela posso voltar a viver esse tempo infeliz, feliz às vezes. Mas, por sorte ou azar, só posso vivê-lo numa dimensão, a da recordação [...]. A única virtude que minha história tem é que de fato ocorreu", nos conta Cabrera Infante, no prólogo do livro.

Este é o meu primeiro contato com Cabrera Infante. O jornalista e escritor cubano chegou a ocupar cargos  na pós-revolução, mas já em 1965 rompeu com regime de Fidel Castro. Ao menos neste livro ele não faz um acerto de contas com o novo regime cubano. O jornalista e escritor se mostra um grande erudito neste obra, fazendo contraponto com o pouco saber de sua ninfeta, que no entanto lhe proporcionou belos momentos de felicidade. Na primeira frase, que colocamos como uma espécie de epígrafe, o romancista menor é ele próprio, enquanto que o grande poeta, não é ninguém menos do que Dante Alighieri.
Mais uma foto do escritor cubano. Cabrera Infante rompe com o regime de Fidel em 1965.

O que pode conter uma história entre um homem de idade provecta ou madura com uma menina de 16 anos, ou menos, uma ninfeta ou uma Lolita. O autor põe nesta história, - leves, belos e suaves tons de erotismo, maravilhado com o corpo que desabrocha e se transforma de Estelita para Estela. A sua nudez, ou o desvelamento de sua nudez parece agradá-lo muito. Destaque especial mereceu a sua pele, que no entanto, em pouco tempo, se transformou de sutil, em hostil. Mas a relação propriamente sexual, nem mesmo chega a ser explorada, dando apenas a certeza de que houve consumação. Os encontros estão recheados de diálogos, diálogos não, de frases, de citações, de música, de cinema, de mitologia e literatura.

As diferentes situações existenciais que poderiam marcar esta relação entre duas pessoas tão diferentes busca muitos paralelos, como vimos, na relação entre o que eles estão vivendo e a confrontando com situações similares que povoam o mundo, do real e do imaginário, das letras, do cinema e da música. Muitas obras clássicas da literatura e do cinema, especialidade do autor, estão retratados na obra. A distância entre o conhecimento ou a erudição do narrador ou do Gezinho é diretamente proporcional à diferença de idade dos envolvidos na trama. Estela reclama constantemente da verdadeira obsessão do amante  com as suas citações, do recurso a personagens da mitologia, das correções gramaticais e similares.
Cabrera Infante, um dos maiores escritores da língua espanhola. Ganhou o Prêmio Cervantes, em 1997.

A música merece uma referência particular. Os amantes dançam boleros e também aí a situação por eles vivida será confrontada com o dizer dos versos. A preferência pelos boleros parece justificada: "Esqueça o tango e cante um bolero", dizia um dito cubano e o narrador acrescenta: "Querendo dizer deixe de lado o dramatismo e conte o sentimental. Nada podia ser mais exato então - e agora". Também existe uma maravilhosa definição de romantismo, como sendo o conflito entre o amor e a vida. O inconstante da ninfa era a sua amoralidade, a sua falta de compromisso. Ela terá relações com outros, inclusive com o irmão, tornando-se, já ao final da história, em uma lésbica.

Duas descrições rápidas marcam bem a inconstante ninfa. Uma,  "Sempre tentei a felicidade com ela, mas ela as vezes se interpôs. Se todos nascemos para ser felizes (como proclamam os filósofos otimistas), ela nasceu para ser infeliz - e conseguiu plenamente". E a outra. "Ela na verdade deslizava pela vida todos os dias [...] Não tem memória, nem lembranças, nem remorsos". Mas resta uma certeza absoluta, ela mexeu muito, com ou sem remorsos, nas lembranças e na memória do desventurado jornalista e crítico de cinema, o Gezinho ou o próprio Guillermo Cabrera Infante.


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