quinta-feira, 9 de outubro de 2014

O Cerne da Questão. Graham Greene.

A minha formação escolar e acadêmica não foi voltada para a literatura. Muita gramática, muito latim e  mais o grego no ensino médio. Filosofia religiosa na Faculdade. Eu estava sendo preparado para ser padre, possivelmente um padre vigário de alguma colônia alemã no Rio Grande do Sul, talvez com aspiração de, no máximo, chegar a ser um cônego. Leituras, quando muito, algumas biografias do mundo das hagiografias. Faço esta introdução para dizer que nunca eu tinha lido nada deste escritor inglês, chamado Graham Greene.

Uma primeira grande referência ao escritor me veio através de Luís Fernando Veríssimo, quando ele citou uma obra de Graham Greene entre os seus dez romances preferidos. Mas o que realmente me levou a esta obra específica, A Grande Questão foi o livro Americanah, da escritora nigeriana Chimamnda Ngozi Adichie. O livro é citado várias vezes como a grande referência. Comprei o livro e o li imediatamente. Consultei os "dez mais" do Veríssimo. Um de seus preferidos é Fim de caso e não o livro em questão. Bem feito para mim. Estou diante de uma nova leitura.
O livro de Graham Greene, O Cerne da Questão. Editora Globo.

Com Alberto Manguel, escritor que teve o privilégio de ler para Borges, quando este foi acometido pela cegueira, em seu Uma História da Leitura, aprendi que a primeira coisa que se faz, quando se lê um autor, é situá-lo e datá-lo. Obedecendo a Manguel vamos pelo mais fácil, datar o escritor e situá-lo na Inglaterra entre os anos de 1904 e 1991. Carlos Vogt, na apresentação do livro, da editora Globo, nos informa que a primeira edição do livro foi publicada em 1948 e que o cenário do livro é um porto da costa leste de um país africano. Entendi a referência de Chimamanda.

O autor, antes de iniciar o livro faz uma advertência de que os personagens que fazem parte da narrativa são fictícios. Acredite se quiser. A cidade, embora não citada, de acordo com os estudiosos do autor é Freetown, a capital de Serra Leoa, na costa leste do continente africano. 1948. Pós guerra, colonialismo inglês, início da guerra fria, o cotidiano da administração colonial, o tráfico de diamantes e as possibilidades de fácil envolvimento com a corrupção constituem o cerne da obra, além, obviamente, dos dramas existenciais dos personagens envolvidos.

Autor e livro datados e situados, vamos aos principais personagens. Scobie, um major da polícia inglesa e sua esposa Louise ocupam a centralidade do livro. Helen Rolt, sobrevivente de um naufrágio a que Scobie atendeu, será outra grande personagem, na qualidade de sua amante. Cabe ao comerciante ou contrabandista sírio Yusef ensinar a naturalidade da corrupção ao major, ao lhe emprestar duzentas libras, no financiamento das férias de Louise, na África do Sul. 

Vamos caracterizar um pouco melhor Scobie, o personagem central. Vogt nos dá esta caracterização: "Scobie é um homem, hoje se diria, de meia-idade, com seus cinquenta anos, e um senso agudo de responsabilidade aliado a um fortíssimo sentimento de piedade em relação ao mundo, em relação às pessoas, em relação à sua mulher, em relação à amante, em relação a si mesmo".  Diante disso lhe assombravam o sentimento de impotência, misturando responsabilidade e pena. Buscava ou criava os problemas e não conseguia resolvê-los.
Graham Green, o memorável escrito inglês. Comparado a Dostoiévski e Albert Camus.
Este seu caráter é observado por outro personagem, Wilson, que o investiga e é o responsável pelos  mexericos: "Wilson teve a impressão de que Scobie ainda era novato no mundo da fraude: não vivera nele desde a infância". As duzentas libras emprestadas para quem ganhava exatas 28 libras, 15 xelins e sete pence menasais, obrigou Scobie a pequenas negligências em seu trabalho, que Yusef procurava recompensar como gratidão e não como suborno. A origem do empréstimo é a insatisfação de Louise, em sua pacata vida na cidade. Quer porque quer livrar Scobie de seus problemas com o seu afastamento de sua vida. Neste seu período de férias, Scobie atende a um naufrágio e conhece a senhora Rolt, que se transformará em sua amante. Com a volta de Louise a situação se torna insustentável.

Enredado nos problemas criados a partir do empréstimo, de seus antigos problemas com a esposa Louise, acrescidos agora com os de Helen, a amante e, especialmente, movido entre os sentimentos de culpa e de responsabilidade que lhe provém de sua formação, de seu catolicismo, tornam a situação insustentável. No entanto, profissionalmente as coisas vão bem, neste seu deserto dos tártaros. A promoção como Comissário está para chegar. A sua saúde se agrava e é acometido de insônia constante, no início controlada por comprimidos de Evipan. O desfecho:

"Enfiou os comprimidos (Evipan) na boca, seis de cada vez, e os engoliu com dois goles". [...] "E automaticamente, diante do grito de necessidade, do grito de uma vítima, Scobie se preparou para agir. Resgatou de uma distância infinita sua consciência para dar alguma resposta. Disse em voz alta: - Deus caríssimo, eu amo... - mas o esforço foi demasiado, e ele não sentiu o corpo quando este se chocou contra o chão...". Graham Greene, em grandeza, é comparado com Dostoiévski e Albert Camus.

Encerro com Jorge Amado, quando Tieta fala de Felipe, seu amante afortunado. "Felipe costumava dizer que para se viver feliz era preciso antes de tudo abolir a consciência". Depois voltava ao tema: "Para se viver bem, repetia Felipe, homem sábio, é necessário antes de tudo abolir a consciência. A merda é que nem sempre se consegue". Jorge Amado, em Tieta do Agreste. Como Scobie não conseguiu abolir esta consciência, outra solução foi buscada.

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