segunda-feira, 21 de setembro de 2015

ZeroZeroZero, Roberto Saviano. Ou 000.

 "A genialidade de Saviano foi mostrar como a máfia se aproveitou da globalização" The Guardian. "Não há mercado no mundo tão rentável quanto o da cocaína. Nem investimento financeiro de retorno mais rápido. A partir dessa constatação aterradora, Roberto Saviano mapeia o tráfico internacional da droga, mostra quem são seus personagens e revela suas conexões com a economia formal e o mercado financeiro". "Saviano é um heroi nacional". Umberto Eco. Estas frases fazem parte da apresentação do livro ZeroZeroZero, de Roberto Saviano, na contracapa do livro. ZeroZeroZero é a história do "narcocapitalismo".
ZeroZeroZero, de Roberto Saviano. Pela Companhia das Letras, 2014.

No livro A Armadilha da Globalização - O assalto à democracia e ao bem-estar social eu deparei com o termo turbocapitalismo e fiquei estarrecido. Agora encontro o termo narcocapitalismo e não encontro um termo próprio para o meu espanto. Cito outra frase. "O mapa do mundo é construído em cima do combustível, o dos motores e o dos corpos. O combustível dos motores é o petróleo, o dos corpos é a cocaína". ZeroZeroZero é o livro que mais me impactou, entre as leituras mais recentes. Farei vários posts, retratando os capítulos que mais me marcaram. Os anuncio desde já. No Cocaína # 3 tem um capítulo sob o título - A ferocidade se aprende, no Cocaína # 4 encontramos o Caldeirão do diabo que é sobre o Comando Vermelho e sobre o PCC e,  no Cocaína # 7, encontramos o 000, em que Saviano relata a sua experiência e o seu objetivo de escrever. Este texto deveria ser leitura obrigatória nos cursos de jornalismo.
O escritor que vive sob escolta, O Salman Rushdie italiano, ameaçado pela máfia.


O livro está estruturado em sete capítulos, sempre apresentados desta forma: Cocaína # 1 - até o 7, onde ele apresenta curiosidades em torno do combustível dos corpos. Cada capítulo tem subdivisões, num total de 20. Vou fazer um esforço para apresentá-los:

No Cocaína # 1, em três páginas ele fala sobre os usuários e segue com dois subcapítulos. No 1, - A aula, - um boss italiano dá uma aula de iniciação - para mexicanos - para o ingresso na máfia, focado nas regras para se atingir "Poder, Boceta e Dinheiro". No 2, - Big bang, ele apresenta as relações entre o medo, a covardia e a coragem e conta as primeiras histórias em torno da droga, bem como dos cartéis mexicanos e a sua organização global. Os colombianos ficaram para trás.
Uma eterna lembrança da máfia. O Poderoso Chefão.


No Cocaína # 2, apresenta a cocaína como a droga performática, sobre os seus efeitos espetaculosos no organismo e também como o arruína. Também tem dois subcapítulos. No 3, - Guerra pelo petróleo branco, - se ocupa basicamente do México e do cartel de Sinaloa e sobre o grande boss, El Chapo e no 4, - Mata amigos, - continua se ocupando do México e mais precisamente sobre o cartel do Golfo e de El Pardino. Aí também já é apresentada uma observação básica sobre a impotência do Estado em combater as organizações mafiosas, que surgem e se consolidam nas ausências do Estado.

No Cocaína # 3, Saviano compara a economia a um elástico esticado ao último, mas o mercado da cocaína não conhece o ponto de rompimento. Está em franca ascensão e não se defronta com crises. De novo dois subcapítulos. No 5, - A ferocidade se aprende, - é uma das coisas mais terríveis que eu já vi. Até a ferocidade se "normaliza" pelo treinamento. Ela não é inata. Me lembrei do Laranja Mecânica, fichinha perto dos treinamentos de hoje. O foco é nos Kaibil, da Guatemala. "Oito semanas e tudo o que existe de humano no ser humano desaparece" ou "Em oito semanas, você pode pegar São Francisco e transformá-lo em um assassino capaz de matar animais a dentadas..." No 6, Z, - ele descreve os Zetas, organização recrutada entre os desertores e expulsos do exército e das polícias, que atuam, especialmente no México, entrelaçados aos quartéis. Terríveis milícias.
Convidado especial da Feira Literária de Paraty, o escritor não compareceu por medidas de segurança.


No Cocaína # 4, são apresentados os diferentes nomes da cocaína, mundo afora. Tem quatro subcapítulos. No 7, - O Pusher, - é mostrada a figura da mediação entre o produtor e o consumidor, além de mostrar os efeitos corrosivos do pó, especialmente sobre o coração e a sexualidade. Na 8, - A bela e o macaco, - o foco se dá sobre a Colômbia, as suas belas misses e a relação delas com os boss dos cartéis. Também são mostrados os cartéis, os grupos guerrilheiros e o exército do país e é contada a história de Natália e Júlio Fierro. No 9, - O caldeirão do diabo, - é mostrado o Brasil com a formação do Comando Vermelho e do Primeiro Comando da Capital. Fernandinho Beira-Mar e Marcola são os personagens e o abandono da infância é mostrada como a ferida que une os desamparados e o mundo do crime. No 10, a Árvore é o mundo, - volta-se para a Itália, para a Calábria, para a 'Ndrangheta, uma das máfias originárias.
Gomorra, o livro de estreia de Roberto Saviano.


No Cocaína # 5, são apresentados números sobre a droga e curiosidades sobre a sua qualidade. Três subcapítulos são apresentados. No 11, - O peso do dinheiro, - fala de lavagem de dinheiro e sobre as operações logísticas. Dois brokers, um do norte e outro do sul da Itália são apresentados. No 12, - Operação de lavagem de dinheiro, - são mostrados os narcodólares e as capitais de sua circulação, Londres e Nova York. No 13, - Os czares rumo à conquista do mundo, - é outro capítulo impressionante, onde é mostrada, ainda no chamado socialismo real, a relação entre a Nomenklatura e o crime e a ascensão do crime, no pós regime e a sua infiltração pelo mundo, especialmente, pela Itália. Também é focado o mundo da alta prostituição. A máfia russa tem um j a mais - mafija.

No Cocaína # 6, são indicadas formas diferentes de pedir a droga e dados sobre o seu consumo. Tem dois subcapítulos. No 14, -  Rotas, - é mostrado o mar e tudo o que nele circula, de submarinos a iates, como o meio favorito para o transporte, bem como, a preferência pelos portos espanhois. Também é apresentada a cocaína líquida. no 15, - A África é branca, - o continente é mostrado. Nesse capítulo é mostrado o trabalho de um mula, que atua entre a África e Lisboa. A história brasileira do santo de pau oco é ninharia perto da criatividade para o transporte nos dias de hoje.
Saviano já foi levado ao cinema.


No Cocaína # 7, são mostradas curiosidades em torno das maiores apreensões. São ainda apresentados os cinco subcapítulos finais do livro. No 16, - Quarenta e oito, - ele conta o que é a sua vida sob escolta, pronto para morrer. Quando escreveu o livro já estava sob escolta por 2310 dias. No 17, - Cães, -  é mostrado o uso dos cães, tanto pela polícia, quanto pelos cartéis. São usados como pombo-correio. No 18, - Quem conta morre, - conta sobre o jornalismo investigativo, contando o exemplo de um jornalista investigativo salvadorenho que produziu o documentário "La Vida Loca". Christian Poveda é seu nome (Vale a pena uma busca no Google). No 19, - Addicted, - descreve a sua história de jornalista investigativo. "É como usá-la", afirma. Você quer sempre mais... histórias. E o 20, - 000, - é a sua confissão de amor pelo que faz e mostra o respeito que tem pelo leitor. Como é um dos mais belos depoimentos sobre o ato de ler, transcrevo um parágrafo.
"A Máquina da Lama", sobre a televisão italiana.


"...Coube-me a vida de fugitivo, do buscador de histórias, do multiplicador de narrativas. A vida do protegido, do santo herético, do culpado se comer, do falso se jejuar, do hipócrita se se abstiver. Sou um monstro, tal como é monstro qualquer um que se tenha sacrificado por algo que lhe pareceu superior. Mas ainda conservo respeito. Respeito por quem lê. Por quem subtrai um tempo importante de sua vida para construir nova vida. Nada é mais poderoso do que a leitura, ninguém é mais mentiroso do que quem afirma que ler um livro é um gesto passivo. Ler, escutar,estudar, compreender é o único modo de construir vida além da vida, vida ao lado da vida. Ler é um ato perigoso porque dá forma e dimensão às palavras, encarna-as e as espalha em todas as direções".

Ainda aproveito para transcrever o seu agradecimento final, que é dirigido aos leitores brasileiros. "Agradeço a vocês, leitores brasileiros, que, ao ler estas histórias, as tornarão perigosas. As máfias não temem os escritores, temem os leitores". Lindo, como todo o livro. Está incluído em minha lista de preferidos. Leitura obrigatória para conhecer as perversidades do mundo e se tornar um pouco menos ingênuo.


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