O que é um ABC? O próprio Jorge Amado nos diz que o ABC é um canto de louvor. É muito mais uma louvação ou um canto do que uma biografia. Jorge Amado diz isso para deixar bem claro que o seu livro, muito mais do que uma biografia é um canto para demonstrar o encanto que ele sente pelo homenageado, o poeta libertário e igualitário Castro Alves. Apesar disso ele dá a referência das melhores biografias do poeta, com destaque para a de Afrânio Peixoto. Os ABCs se tornaram famosos no Brasil, com a literatura de cordel, exaltando os personagens do cangaço, contra o latifúndio, especialmente, no nordeste. Tomara que o meu post seja contaminado também com o espírito libertário, tanto de Castro Alves, quanto o de Jorge Amado.
O ABC de Jorge Amado. Não é uma biografia, é uma louvação. Castro Alves merece.
O ABC de Jorge Amado. Não é uma biografia, é uma louvação. Castro Alves merece.
Castro Alves teve vida breve, compensada pela intensidade. Nasceu no interior baiano, mas a sua formação se deu em refinados ambientes urbanos. A formação básica se deu em Salvador e a superior, na Faculdade de direito do Recife. O livro de Jorge Amado é também um ABC em homenagem à cidade de Recife, onde fervilhavam os ideais libertários, que outrora buscavam a independência e que agora abraçavam as causas da abolição e da República.
O contato com os temas de sua vida de poeta lhe vieram especialmente através de seu tio, o alferes João José Alves, de quem herdou um belo bordão libertário. "A praça é do povo como o céu é do condor". Já o tema do amor penetrou em suas veias através de uma história nada exemplar, porém espetacular. Um "crime de paixão", com bala confeccionada em ouro. Os seus amores sempre foram glamourosos, sendo a artista Eugênia Câmara a sua grande e eterna paixão, isso já no curso do direito, em recife.
Os ABCs são muito famosos no Brasil com a literatura de cordel. Até a cachaça tem o seu.
Os ABCs são muito famosos no Brasil com a literatura de cordel. Até a cachaça tem o seu.
Castro Alves foi um poeta romântico, já da fase final do romantismo. A abordagem de Jorge Amado é muito bonita, falando que Castro Alves não era o poeta que romanticamente terminaria ou conduziria ao suicídio, como o Lorde Byron, seguido no Brasil por Aloísio de Azevedo. Pelo contrário, a vertente de Castro Alves era Victor Hugo. Sem Victor Hugo ele não seria Castro Alves. "Em Hugo já aprendera o significado de liberdade, soube pela voz dos atabaques que havia um povo a libertar".
Jorge Amado também o contrapõe a Tobias Barreto, que queria alcançar a condição de elite para dominá-la, enquanto que o nobre ideal do poeta era o de libertar um povo. Assim como toda noite tem auroras, assim também todo o povo amanheceria sob a liberdade e a igualdade. Os seus ideais abolicionistas e republicanos só se fortaleceram na Faculdade de Direito e nos teatros do Recife. O tema dos escravos já aparece em sua poesia. Do Recife volta a Salvador, com incursões pelo teatro. Depois busca cenários maiores para a sua voz libertária, buscando-os no Rio de Janeiro e em São Paulo. Castro Alves, ressalta Jorge Amado, nunca fez arte pela arte. Ele "é conscientemente um poeta popular, a aspiração de sua poesia é servir o povo. O povo escravo das senzalas, o povo semiescravo das praças públicas".
Especialmente se forem as vozes da liberdade.
Especialmente se forem as vozes da liberdade.
São Paulo marca o auge de sua poesia, mas também o seu declínio. Aí compõem Vozes d'Africa e Navio Negreiro, mas também, numa caçada fere o pé, que será o começo da sua morte. Foi também um tempo de desgosto, pelas desavenças com a amada, Eugênia Câmara, por quem sempre esteve disposto a cometer loucuras. Começa a empreender o seu caminho de volta. Rio de Janeiro e Salvador. Com o pé amputado e o pulmão definhando e, já sem saúde e sem amor, só lhe lhe resta o povo, como observa Jorge Amado. "O amor do povo é o bem que resta a este poeta sem saúde e sem amor". "Mas um amor, negra, quando é de fato grande, não precisa de ser correspondido", complementa Jorge. Observem o tom coloquial da fala. Jorge constantemente se dirige para a negra, para a amiga.
Mas o amor, quando é de fato grande, não precisa ser correspondido. Eugênia Câmara.
Mesmo assim, em Salvador o poeta ainda encontra inspiração para A cachoeira de Paulo Afonso e para Espumas Flutuantes, o único impresso em vida e dedicado ao romântico dos indígenas, José de Alencar. A elegia do ABC, já sob a letra Y, encontra esta bela homenagem. "Do fundo da vida vêm os herois que ele cantou: Tiradentes, com sua corda de mártir, Andrada com um mundo na mão, Pedro Ivo no seu cavalo negro. E sobre eles, esplendorosamente bela, a mais amada de todas as amadas, a liberdade. Passam num galopar de sonho, cantam os cânticos que ele escreveu, hinos de amor e de revolta. Vão para o futuro, há outras cadeias a romper. É uma multidão gigantesca que se move ao sonoro rumor de versos seus. Agora na frente de todos vai a liberdade. Outras cadeias que romper".
"Quero morrer olhando o infinito azul", diz o poeta e acolhendo a morte, ainda a poetar, "mas tu serás o meu último amor. Partirei contigo, irei feliz, és divina, minha amada". Mas antes de, com ela partir, ainda sobra um tempo para se despedir dos amigos. Uma voz da liberdade parte, ao mesmo tempo em que muitas vozes se multiplicam para entoar novos cantos de liberdade. Em julho de 1871, aos 24 anos de idade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.