segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Discurso diante da sepultura de Marx. Engels.

"No dia 14 de março (1883), às três horas menos um quarto da tarde, deixou de pensar o maior pensador  de nossos dias. Mal o deixamos dois minutos sozinho, e quando voltamos foi para encontrá-lo dormindo suavemente em sua poltrona, mas para sempre.
O discurso de Engels se encontra neste segundo volume das obras escolhidas.

É totalmente impossível calcular o que o proletariado militante da Europa e da América e a ciência histórica perderam com este homem.  Logo se fará sentir o claro que se abriu com a morte desta figura gigantesca.

Assim como Darwin descobriu a lei do desenvolvimento da natureza orgânica, Marx descobriu a lei do desenvolvimento da história humana: o fato tão simples, mas que até ele se mantinha oculto pelo ervaçal ideológico, de que o homem precisa, em primeiro lugar comer, beber, ter um teto e vestir-se antes de poder fazer política, ciência, arte, religião, etc; que, portanto, a produção dos meios de subsistência imediatos, materiais, e, por conseguinte, a correspondente fase econômica de desenvolvimento de um povo ou de uma época é a base a partir da qual se desenvolveram as instituições políticas, as concepções jurídicas, as ideias artísticas e inclusive as ideias religiosas dos homens e de acordo com a qual devem, portanto, explicar-se; e não o contrário, como se vinha fazendo até então.
A assinatura dos presentes no cemitério de Highgate.

Mas não é isso só. Marx descobriu também a lei específica que move o atual modo de produção capitalista e a sociedade burguesa criada por ele. A descoberta da mais valia iluminou de súbito esses problemas, enquanto que todas as pesquisas anteriores, tanto as dos economistas burgueses como as dos críticos socialistas, haviam vagado nas trevas.

Duas descobertas como essas deviam bastar para uma vida. Quem tenha a sorte de fazer apenas uma descoberta dessas já se pode considerar feliz. Mas não houve um campo sequer que Marx deixasse de submeter à pesquisa - e esses campos foram muitos, e não se limitou a tocar de passagem em qualquer deles - incluindo a matemática, em que não fizesse descobertas originais.

Tal era o homem de ciência. Mas não constituía, por muito que fosse, a metade do homem. Para Marx a ciência era uma força histórica motriz, uma força revolucionária. por mais puro que fosse o prazer que oferecesse uma nova descoberta feita em qualquer ciência teórica e cuja aplicação prática talvez não pudesse ser ainda prevista de modo algum, era outro o prazer que experimentava quando se tratava de uma descoberta capaz de exercer imediatamente uma influência revolucionadora na indústria e no desenvolvimento histórico em geral. Por isso acompanhava detalhadamente a marcha das descobertas realizadas no campo da eletricidade, até as de Marcel Deprez nos últimos tempos.
Os dois pensadores que produziram o referencial teórico e prático para as lutas proletárias.

Pois Marx era, antes de tudo, um revolucionário. Cooperar, de um modo ou de outro, para a derrubada da sociedade capitalista e das instituições políticas por ela criadas, contribuir para a emancipação do proletariado moderno, a quem ele havia infundido pela primeira vez a consciência de sua própria situação e de suas necessidades, a consciência das condições de sua emancipação: tal era a verdadeira missão de sua vida. A luta era o seu elemento. E lutou com uma paixão, uma tenacidade e um êxito como poucos. Primeira Gazeta Renana, 1842; Vorwärts de Paris, 1844; Gazeta Alemã de Bruxelas, 1847; Nova Gazeta Renana, 1848/1849; New York Times, 1852 a 1861 - a tudo isso é necessário acrescentar um montão de folhetos de luta e o trabalho nas organizações de Paris, Bruxelas e Londres, até que nasceu, por último, como coroamento de tudo, a grande Associação Internacional dos Trabalhadores, que era, na verdade, uma obra da qual o seu autor podia estar orgulhoso ainda que não houvesse criado outra coisa.

Marx, por isso, era o homem mais odiado e mais caluniado de seu tempo. Os governos, tanto os absolutistas como os republicanos, o expulsavam.

Os burgueses, tanto os conservadores como os ultra-democratas, competiam em lançar difamações contra ele. Marx punha de lado tudo isso como se fossem teias de aranha, não fazia caso; só respondia quando isso era exigido por uma necessidade imperiosa. E morreu venerado, querido, pranteado por milhões de operários da causa revolucionária, como ele, espalhados por toda a Europa e a América, desde as minas da Sibéria até a Califórnia. E posso atrever-me a dizer que se pode ter muitos adversários, teve somente um inimigo pessoal.

Seu nome viverá através dos séculos, e com ele a sua obra".
Na biografia de Engels, detalhes sobre o enterro de Marx e o discurso em homenagem.

Esse discurso retirado das Obras escolhidas, volume 2, da editora Vitória, foi proferido no cemitério de Highgate, em Londres, perante 11 pessoas da família, por ocasião de seu enterro, conforme nos é contado, na magnífica biografia de Engels, Comunista de casaca, de Tristam Hunt. Trago o texto ao presente pela sua importância de síntese. Num discurso fúnebre existe todo o esforço de exaltar o essencial de toda uma vida e de uma obra. Vale destacar a comparação com Darwin, as duas grandes descobertas, que Engels já exaltara no Do socialismo utópico ao socialismo científico, que é a dos conceitos do materialismo histórico e da mais valia, bem como um panorama de suas principais trincheiras de luta.

2 comentários:

  1. Como sempre, Pedro, suas informações reforçam a obrigação de conhecermos mais e mais. O legado de Marx e Engels é indispensável nestes momentos de aprofundamento da crise capitalista.

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  2. Com certeza, Cláudio. Agradeço o seu comentário. Gosto muito deste elogio fúnebre pela sua capacidade de síntese.

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