segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Clara dos Anjos. Lima Barreto.

"Num dado momento, Clara ergueu-se da cadeira em que se sentara e abraçou muito fortemente sua mãe, dizendo, com um grande acento de desespero: - Mamãe! Mamãe! - Que é minha filha? - Nós não somos nada nesta vida". Esse é o lamento final de Clara dos Anjos, a menina mulatinha de dezessete anos, filho de um pobre carteiro e de uma dona de casa sem muita iniciativa, que foi enganada por um rapaz branco, um sedutor muito safado, cantor de modinhas. Todos moravam no subúrbio, isto é, fora do centro da cidade do Rio de Janeiro. Estamos falando de Clara dos Anjos, de Lima Barreto.
Clara dos Anjos. Edição da Penguin&Companhia das Letras.

Apesar de todas as advertências que Clara recebeu por parte de seus pais e de Marramaque e de todo o seu pequeno mundo, ela cedeu aos encantos do malandro e, aí sim, reconhece a situação de que fora vítima. "Agora é que tinha noção exata da sua situação na sociedade. Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos. [...] Ora, uma mulatinha, filha de um carteiro"! Como percebem, o foco do romance não reside tanto no drama psíquico, individual da moça, mas tudo é uma consequência da condição social da menina., determinada, acima de tudo, pela raça.
Uma capa de Clara dos Anjos, com foco na menina mulata.

Lima Barreto trabalhou por muito tempo na elaboração do romance. Existem indícios de que ele já tinha trabalhado no romance em 1904 mas veio a terminá-lo em 1922, no ano de sua morte. O livro teve uma publicação em Folhetim entre os anos de 1923 e 1924, mas sob a forma de livro, veio a aparecer apenas em 1948 e em uma nova edição, pela Brasiliense, em 1956. Os prefácios destas edições são recuperados, nesta edição da Penguin&Companhia das Letras. A introdução ao livro publicado em 1948, da Editora Mérito é de Lúcia Miguel Pereira e a da Brasiliense é de Sérgio Buarque de Holanda.

As duas introduções remetem ao caráter autobiográfico da obra. Ela é, inclusive, considerada a versão feminina do Recordações do escrivão Isaías Caminha. É sabido que Lima Barreto não teve vida fácil e que carregou uma grande dose de revolta contra a sua condição social, marcada pela cor e que, segundo as suas observações, o impediam de ascensão social, embora todo o esforço para isso fosse feito. Sérgio Buarque de Holanda estabelece comparações entre ele e Machado de Assis, afirmando que este superou a sua condição, enquanto que em Lima Barreto isso não se deu e  aponta para o fato de que "não só as circunstâncias de sua vida pessoal, tão marcada  pelo desmazelo e a intemperança, parecem inseparáveis de sua obra literária, como afetam certamente muitos dos juízos, benévolos ou desfavoráveis, que pôde suscitar".
Sérgio Buarque de Holanda prefaciou a edição de 1956, da brasiliense.

Lima Barreto teve que interromper seus estudos para cuidar de seu pai, acometido pela loucura, doença da qual ele próprio também foi vítima. Ele também, pelas condições financeiras limitadas, foi morar nos subúrbios cariocas. Clara dos Anjos é um livro dos subúrbios, que se estendem ao longo das estações de trem da Central do Brasil. Vários personagens deste livro remetem a dados de sua vida pessoal. Este livro também ganha o tom de uma espécie de pregação moral. A impiedade do branco contra a ingênua mulata pobre.
Capa focando em Cassi e Clara.

O romance foca os principais personagens como o pai, o carteiro Joaquim dos Anjos e a mãe, dona Engrácia e vários amigos que formavam o grupo do jogo baralho aos domingos, e as talagadas de paratis no armazém do seu Nascimento, como Marramaque, o padrinho, Lafões, Meneses, o poeta Flores, entre outros. Do outro lado se situava a família de Cassi Jones, que tinha um pai e as duas irmãs que o desautorizavam e uma mãe super protetora e cúmplice de suas malandragens e crimes. Cassi e sua mãe se consideravam de outra classe social, muito superior, mesmo morando no subúrbio, que, segundo o narrador, "é o refúgio dos infelizes".
Teria sido Lima Barreto um romancista ou um memorialista?

Os dez capítulos versam sobre estes personagens, os bons de um lado e os maus, de outro. Tudo leva a crer, como conta Beatriz Resende na apresentação, que Lima Barreto tinha para com o livro pretensões maiores, com a continuidade dos infortúnios da pobre mulata.  A educação recatada e ingênua e o desejo de ascensão social e reconhecimento literário são os temas mais presentes ao longo da obra, que como vimos, são temas que perseguiram o escritor ao longo de sua vida. Lima Barreto disputou, inclusive, o seu ingresso na Academia Brasileira de Letras, onde estava Machado de Assis, também mulato. Disputou o seu ingresso em três oportunidades. Numa ele desistiu e nas outras duas, foi derrotado na escolha. A descrição da vida nos subúrbios é maravilhosa.



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