Na origem da formação histórica da sociedade brasileira estão presentes duas perversas características que ainda não se apagaram. Elas se entranharam na elite brasileira e continuam vivamente presentes. Estas características são a escravidão e o espírito predador bandeirante, em oposição ao espírito dos pioneiros.
Um livro que explicita o golpe e as suas intenções.
Um livro que explicita o golpe e as suas intenções.
A escravidão foi abolida, mas não a sua obra. Joaquim Nabuco, mesmo antes da abolição já alertava que, para além da escravidão, também deveria ser abolida a sua obra. Os escravos libertos ficaram propositalmente à margem da sociedade ao não serem integrados na economia brasileira. O espírito predador bandeirante continua presente com o espírito de não preservação das bondades da terra, que além do espírito de sua devastação também lhes reserva a destinação estrangeira e não o benefício da população nativa.
Dentro deste espírito se formou uma eterna colônia voltada aos interesses externos e a formação de uma sociedade de ricos e de pobres. Os governantes brasileiros se orgulhavam e continuam se orgulhando de sua função de cônsules de interesses estrangeiros. A partir de 1930 alguma coisa começa a mudar. Mas também a partir de 1930 o espírito golpista começa a estar vivamente presente. Cada vez que os interesses nacionais e de formação de um mercado interno buscam afirmação, as elites escravocratas e predadoras, golpeiam os desejos desta afirmação de soberania nacional.
Em meio a estas contradições algumas políticas de construção de cidadania foram sendo construídas. A mais longínqua data dos anos 1940, junto com as políticas de industrialização que, diga-se de passagem, foi um processo bem tardio. Muitas tentativas anteriores de industrialização foram abortadas. Junto com a industrialização veio a proteção ao trabalhador com uma série de leis. Estas leis foram transformadas num sistema de proteção através da CLT, na qual nem mesmo a ditadura militar ousou mexer.
Crônicas de resistentes na luta pela democracia.
Crônicas de resistentes na luta pela democracia.
Após a redemocratização brasileira no período posterior à Segunda Guerra, também a educação mereceu alguns olhares preocupados, expressos na construção de nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1961. O seu espírito foi logo abortado com a ditadura civil militar que se instaurou em 1964. Com a redemocratização dos anos 1980 houve melhoras, ao menos quanto a inclusão escolar, mas ainda não atingimos um Sistema Nacional de Educação, sistemas construídos nos países mais avançados, já ao longo da segunda metade do século XIX. Mas não dá para negar que a educação em muito contribuiu com a construção de cidadania, especialmente nos últimos anos.
Os outros dois fatores vieram com a Constituição de 1988. A Previdência Social, vista como Seguridade Social e o Sistema Único de Saúde, o SUS. A Previdência já existia, mas na Constituição ela foi elevada à categoria de Seguridade Social. Para a sua sustentação duas novas contribuições foram criadas, O COFINS e a CSLL. Se o sistema está em crise é porque estas contribuições nunca foram destinadas à Seguridade Social. Sempre entraram no caixa do governo para o pagamento de compromissos financeiros para com os rentistas da especulação financeira.
Este sistema representa uma verdadeira revolução social. Ele atende hoje 30 milhões de famílias, beneficiando mais de 90 milhões de pessoas. Por causa da Previdência menos de 10% da população idosa vive na pobreza. Sem a Previdência, seriam mais de 70%.
Mas o mais significativo de todos os instrumentos foi a criação do SUS, o sistema universal de atendimento à saúde. É muito importante que se diga, pois nem todos sabem e outros já esqueceram, que antes de 1988 só era atendido nos postos de saúde, quem tinha a carteirinha com esta finalidade. Esta carteira era obtida mediante a apresentação da carteira de trabalho. Assim, apenas quem tinha emprego, devidamente registrado, tinha atendimento à saúde. Quem estava desempregado também ficava penalizado pelo não atendimento nos postos de saúde. Estava relegado à caridade cristã. Apenas com a Constituição de 1988, todo o ser humano passou a ser visto como tal. Se o sistema atua com falhas, isto é um outro problema.
Bem, em 31 de agosto consumou-se um golpe de estado brando. Brando por não ter havido o emprego da violência. Admitindo a semântica em torno do termo brando, ele não deixou de ser extremamente perverso e de extrema violência, pois os ataques aos direitos básicos da cidadania sofrem ataques diários.
Em seu discurso de posse Temer prometeu, como prioridade de seu governo, a reforma da legislação trabalhista e da previdência. Prometeu atacar dois pilares fundamentais da construção de uma ainda incipiente cidadania brasileira. Já que falamos em semântica, também a palavra reforma precisa ser levada em consideração.
Como diz o título. Uma radiografia do golpe.
Como diz o título. Uma radiografia do golpe.
Já o novo ministro da saúde do governo golpista, anunciava que o SUS não cabia no orçamento governamental pautado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Como solução indicava planos de saúde populares, financiadores de suas campanhas eleitorais. Esta visão mostra toda a irresponsabilidade para qualquer tipo de compromisso de responsabilidade social.
Agora, atônitos assistimos a reforma do ensino médio. Simultaneamente ela atenta contra a mente e o corpo dos estudantes. O país, ainda acalentado com o espírito olímpico, vê a retirada da disciplina de educação física do ensino médio e junto com projetos na direção fascista de "Escolas sem partido" atenta contra a mente dos jovens, suprimindo disciplinas como a filosofia e a sociologia. Também buscou a eliminação de qualquer possibilidade de formação humana, de sensibilidade eliminando também a formação artística. Estamos na direção da formação de "deficientes cívicos", usando uma expressão do professor Milton Santos.
Estes são os rumos deste governo golpista, que apontam para 50 anos em cinco, apropriando-se do marketing de JK. Só que são cinquenta anos de retrocessos em apenas cinco meses de governo. Triste, muito triste.
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