quinta-feira, 1 de setembro de 2016

A Radiografia do Golpe. Jessé Souza.

Já são vários os livros sobre o golpe que está prestes a ser consumado. Até participei de um deles, As crônicas da resistência, organizado por Cleusa Slaviero e com mais de 80 indignados autores. Tenho ainda em mãos, Por que gritamos golpe, também uma coletânea de artigos. Mas, assim que vi, anunciado em pré venda, o livro de Jessé Souza, o encomendei e assim que chegou, o li de um fôlego só. O livro tem por título A Radiografia do Golpe e como subtítulo Entenda como e por que você foi enganado. A editora é a Leya.
O livro de Jessé Souza, A radiografia do golpe.

Tenho enorme apreço por Jessé. Li o seu A Tolice da Inteligência Brasileira ou como o país se deixa manipular pela elite, e guardo dentro dele os apontamentos de uma palestra sua na Universidade Federal do Paraná, na aula inaugural do ano letivo de 2016, no curso de Direito. Jessé ocupou a direção do IPEA no governo da Presidente Dilma. Foi imediatamente defenestrado, assim que o interino golpista assumiu.

O apreço que tenho por Jessé é por sua interpretação de Brasil e pelo sonho que ele alimenta em transformá-lo numa grande nação, a partir das possibilidades que se originam de suas interpretações. Muitos dos temas abordados no livro da Tolice reaparecem agora na Radiografia. Interpretações necessárias, para entender o modo de pensar o país, especialmente, pelas lentes de sua elite escravocrata, sempre em busca de lucros absurdos, sem compromissos com a construção de uma nação próspera e generosa para com os seus filhos.
Jessé Souza autografando o meu exemplar de A Tolice da Inteligência Brasileira.


Não pretendo fazer uma síntese de sua obra, mas sim, uma resenha que seja um chamado para a leitura. O livro é composto por um prefácio, onde explana o projeto do livro e anuncia os seus três capítulos que, na verdade, são dois, mais a conclusão. Não poderia também deixar passar em branco a frase escolhida como epígrafe para o livro. É de Cazuza: "Transformam o país num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro".

O capítulo 1 tem como título o seguinte: Os golpes sempre foram por mais dinheiro para poucos, e nunca para combater a corrupção. Ele tem os seguintes subtítulos: A construção da corrupção como "direito contra o inimigo" de classe e a ciência a serviço do dinheiro; Nosso berço é a escravidão (e não Portugal), e a nossa elite é a da rapina de curto prazo, e não do projeto nacional; Para compreender a luta de classes no Brasil: da sociedade de indignos à classe média indignada. É uma radiografia da sociedade brasileira. É a parte mais longa do livro. Uma reconstituição histórica.

O capítulo 2 tem por título - O golpe "legal" e a construção da farsa e dois subtítulos: O primeiro, O ovo da serpente: as manifestações de junho de 2013 e a construção da "base popular" do golpe. Este subtítulo apresenta dois itens: o casamento entre mídia e classe média conservadora e a imprensa como partido político. O segundo, desigualdade versus moralidade, ou Lula versus Sérgio Moro: enfim a direita ganha um discurso e um líder para chamar de seu. Este é o ponto alto do livro. As análises são absolutamente originais. Souza defende a tese de que o golpe começou em 2013, nas manifestações de junho, fazendo uma análise do comportamento diário do Jornal Nacional e a transformação de uma pauta municipal em nacional, para minar a eleição presidencial de 2014. Como não deu certo, entrou em cena o aparato jurídico policial consorciado com o congresso vendido pelo expediente do financiamento de campanhas, com Eduardo Cunha no comando.
A senadora Katia Abreu tem mãos um exemplar de Crônicas da Resistência 2016.


O capítulo três é a conclusão: ameaças e oportunidades à democracia. São menos de dez páginas que vão do extremo pessimismo a um otimismo possível, nada infantil. O pessimismo se dá em função do tripé que articulou o golpe em favor dos 1% mais ricos do país, os representantes do capitalismo financeiro, que com o seu dinheiro compram todos os espaços de poder. Vejam uma síntese: "E a articulação destes três elementos principais - mídia venal, Congresso reacionário e comprado e a fração mais corporativa e moralista de ocasião da casta jurídica - que municiou e municia constantemente o golpe. Esses três atores trocam vazamentos ilegais e todo tipo de ilegalidade antidemocrática com tanta habilidade como o time do Barcelona troca passes". Para que? "Vender as riquezas brasileiras, o petróleo à frente, cortar os gastos sociais, posto que o que vale agora é apenas o interesse do 1% mais rico, e fazer a festa da turma da "privataria".
A próxima leitura. Autores consagrados.

A reversão da expectativa vem com a sua experiência na Alemanha dos anos 1980, quando ali estudou. "Foi apenas por assumir a herança do nazismo como algo a ser criticado, e não como algo a ser negado patologicamente pelo resto da vida, que a Alemanha se tornou tão ou mais democrática que seus vizinhos". E mais, "não se esquece um dia na Alemanha a ferida do nazismo e de seus crimes inomináveis. Não se aprende esquecendo, mas sim lembrando".
Ricardo III e a tortura da consciência.


Agora a minha parte: Desejo aos senadores golpistas o remorso de Ricardo III. "Ó, covarde consciência, como me afliges!... A luz irradia resplendores azulados!... É hora da meia-noite mortal!... Um suor frio encharca minhas carnes trêmulas!... Como! tenho medo de mim mesmo? Aqui não há ninguém... Ricardo ama Ricardo... É isso; eu sou eu... Há aqui algum assassino?... Não ... Sim!... Eu!... Fujamos, então!... Como! De mim mesmo?... Excelente razão!... Por quê? Do medo da vingança! Como! De mim mesmo contra mim mesmo? Ai! Eu me amo! Por quê? Pelo escasso bem que fiz a mim mesmo? Ah, não! Ai de mim!... Antes deveria odiar-me pelas infames ações que cometi! Sou um miserável! Mas minto: isso não é verdade... Louco, fala bem de ti! Louco, não te adules! Minha consciência tem milhares de línguas, e cada língua repete sua história particular, e cada história me condena como um miserável! O perjúrio, o perjúrio no mais alto grau! O assassinato até o mais feroz extremo! Todos os crimes diversos, todos cometidos sob todas as formas, acodem para me acusar, gritando todos: Culpado! Culpado!... Desesperar-me-ei! Não há criatura humana que me ame! Se eu morrer, nenhuma alma terá pena de mim!... E por que haveria de ter? Se eu mesmo não tive piedade de mim!" Pelo crime praticado, o estupro contra a jovem democracia e pelas suas consequências, ainda acho pouco!


2 comentários:

  1. Próprio de sociólogo não se pode esperar críticas menos ácidas... Para aguçar a não menos acidez filosófica, há que se perguntar: será que a chamada "democracia petista" que até então vinha sendo praticada, a peso de não menos corrupção que tanto se combateu, ou melhor, sistematizada corrupção (veja, não é invenção petista) comprovada e debulhada em todas as suas matizes, não é, também, tema fértil a ser esmiuçado?
    Ou, realmente, o "mensalão", "petrolão" e outros tão bem articulados planos que "transformam o país num puteiro, pois assim se ganha mais dinheiro", são invencionice da "fração mais corporativa e moralista de ocasião da casta jurídica"?
    Mais ainda, será que na "democracia petista" não há/havia o casamento perfeito da "mídia venal" e um "Congresso comprado"?
    Vou parar por aqui... Mas quero parafrasear nosso Millor: "democracia é quando mando em você, ditadura é quando você manda em mim".
    Dito isto, smj (como dizem os causídicos), vou ler com mais cuidado e prazer o livro do sociólogo e filósofo Jessé Sousa.

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  2. É um livro maravilhoso. E lembrando que a corrupção precisa ser sempre combatida, mas de todos os lados. Senna, agradeço o seu comentário.

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