Ao preparar uma fala me deparei com um número muito significativo. O Brasil, ao final de 2002 tinha algo em torno de três milhões de jovens em suas universidades. Este número saltou para mais de oito milhões em 2013. A educação, por meio de políticas públicas, efetivamente representou um fator de inclusão e de ascensão social.
Imediatamente associei estes números ao livro de Jacques Rancière, O ódio à democracia. Nele o autor defende a tese de que a democracia que os liberais defendem é aquela que apenas zela pela ordem e estabilidade social existente. Aquela que mexe na base da pirâmide social, com movimentos que indicam ascensão, é uma democracia insuportável. Como consequência, a ela é devotada um profundo ódio. Também me lembrei do livro de Giorgio Agamben, Estado de exceção.
Este não tardou em ser implantado. 31 de agosto de 2016. O Brasil voltaria a sua normalidade, isto é, o orçamento do Estado não mais atenderia, por algumas sobras, políticas deliberadas de inclusão social. Este, o orçamento, se voltaria totalmente para premiar as elites do capital financeiro e para a especulação dos rentistas. Mesmo antes do golpe, o Estado do Paraná já praticava as políticas almejadas pelo golpe. Faltava um alinhamento mais explícito da Prefeitura de Curitiba.
Este não correu riscos, uma vez que os dois candidatos que foram ao segundo turno com ele estavam comprometidos. Que alinhamento era este? A prática das políticas de austeridade para com os gastos públicos, em nome de toda a sua destinação para o pagamento do capital improdutivo do rentismo, no estágio do capitalismo financeiro. Isso implica em sacrifícios para o funcionalismo público, com a redução de seus direitos historicamente conquistados. E como não se reduzem direitos sob a vigência democrática, também o alcaide, imitando o seu atual tutor, recorreu à violência, própria aos Estados de exceção.
Uma imagem símbolo da gestão do alcaide Greca.
Uma imagem símbolo da gestão do alcaide Greca.
Assim o dia 20 de junho de 2017 foi para os servidores municipais o que foi o 29 de abril de 2015 para os servidores estaduais. Os ajustes da estabilidade estavam feitos. Os alinhamentos agora correspondiam em todos as esferas, no municipal, no estadual e no governo federal. Greca só não se elegeu em primeiro turno em função de uma afirmação sua a respeito do fedor e do nojo que sente diante da população mais pobre da cidade. Estes novos tempos são de profunda desumanidade.
Este alinhamento implica em restrições orçamentárias para os setores mais sensíveis, como a educação e a saúde, mas não em favores para a manutenção de uma maioria no legislativo e apaniguados. Os seus compromissos se pautam pela priorização do econômico sobre o político e dos valores do mercado sobre os interesses do social. A régua do econômico seria o grande parâmetro para a sua gestão. Faria um governo dentro dos ditames do burocrático. O seu primeiro ano de governo marcado pela contenção de gastos sociais e de culpabilização do funcionalismo é um prenúncio do que será o restante de seu mandato.
É interessante notar que estas políticas marcam um retorno à década de 1990, aos governos neoliberais de FHC e de Jaime Lerner. Foram anos de pífio crescimento econômico, de elevadas taxas de desemprego e de altos custos sociais para a população mais sofrida do país e de demonização do funcionalismo público. Estas políticas estão sendo retomadas e apresentadas como solução para a retomada do desenvolvimento. Somente depois delas teremos o Paraíso. De novo!
Trago comigo um livrinho já castigado pelo uso. Trata-se de Pós-neoliberalismo - As políticas sociais e o Estado Democrático. O livro é organizado por Pablo Gentili e Emir Sader. Ele data de 1995. Nele tem um texto clássico de Perry Anderson, que faz um balanço do neoliberalismo. Neste texto o autor apresenta, encarnando o espírito neoliberal de seus fundadores ( Hayeck e Friedman) e das agências que o repercutem e receitam (Banco Mundial e FMI), os remédios para sanar os problemas econômicos do mundo. Vale a pena conferir para ver se não é este mesmo o receituário que ainda está sendo empregado, mesmo o fracasso já comprovado:
"O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com o bem-estar, e a restauração de uma taxa "natural" de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva de trabalho para quebrar os sindicatos. Ademais, reformas fiscais eram imprescindíveis, para incentivar os agentes econômicos. Em outras palavras, isso significava reduções de impostos sobre os rendimentos mais altos e sobre as rendas". Cada esfera de governo aplica esta receita no seu campo específico de atuação.
Uma receita perfeita para manter privilégios e promover a desigualdade, no país que já detém os mais elevados índices de desigualdade, em que seis pessoas detém a mesma riqueza que outras cem milhões. O neoliberalismo é a mais anti social de todas as ideologias.
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