sábado, 16 de dezembro de 2017

Topless. Martha Medeiros.

Desta vez foi o vestibular da Unicamp que me levou a este livro. Está incluído na sua relação. É um livro de crônicas. É fácil para alunos do ensino médio interpretarem um livro de crônicas? Creio que para os atentos sim, mas para os desavisados, deve ser um suplício. Mas ele tem uma vantagem, ele obriga os alunos a darem atenção ao cotidiano. O que é enfim uma crônica? Crônica tem a ver com o tempo, com o cronos, com a cronologia. Um olhar atento que interpreta os acontecimentos de seu tempo. Seria isto uma crônica? Creio que sim.
54 crônicas revivendo os anos 1995, 1996 e 1997.  Muitos olhares.

No caso de Topless, o olhar atento é o da gaúcha Martha Medeiros, vivendo na cidade de Porto Alegre, observando os acontecimentos dos anos de 1995, 1996 e 1997. As crônicas são bastante uniformes quanto ao tamanho, certamente uma exigência do jornal que as publicava. O livro é uma coletânea de 54 destas crônicas. O que estava acontecendo neste tempo? Nada de especial, embora final de século e de milênio. Assistíamos ao governo de FHC, anos duros de neoliberalismo. Mas a política não recebe muitos enfoques da escritora.

O título, Topless, tem certamente um duplo significado. Tanto pode ser o título de uma de suas crônicas, versando sobre a caretice dos costumes pela não prática deste hábito em nossas praias, como pode também, e aí mais significativamente, estabelecer uma relação com o desnudar. Ao menos é isso que lemos na contracapa do livro da Editora L&PM: "Em Topless, sem pudor algum, Martha Medeiros desnuda o dia a dia em 54 textos que revelam porque é ela conhecida como uma das mais importantes cronistas do Brasil. Ao olhar para o cotidiano, a escritora transforma o trivial em crônica, e a crônica em poesia e atualidade".

Esta contracapa continua a nos dar pistas sobre o conteúdo de suas crônicas: "Comenta e traz para o debate todas as normalidades e esquisitices do homem e da mulher moderna, com suas neuroses e anseios, medos e expectativas, fazendo um verdadeiro retrato de nossa época. Comenta filmes e livros, fala sobre o medo da morte, destrincha as agruras e as felicidades do casamento, tudo numa prosa ágil e límpida".

Este olhar sobre as instituições e costumes realmente ocupa a maior parte de suas crônicas. É um olhar feminino, feminista e moderno. Ela nasceu em 1961 e está escrevendo na segunda década dos anos 1990. Ela retrocede aos anos 1970, década em que completara seus 15 anos e aos 1980, quando, consequentemente, viveu a faixa de seus 25 anos. Gostei particularmente, da crônica Década de 70 - A adolescência do feminismo. Nela faz uma bela descrição das diferenças e da evolução dos anos 70 para os anos 80. 

Também gostei de Orlando X Veneza, onde traça paralelos culturais entre os Estados Unidos e a Europa, entre as cidades europeias e as dos Estados Unidos e vejam só a beleza dessa tirada sua: "A Europa não produz mercadorias, produz estilo de vida. Não estimula concorrência, estimula convivência. Não pensa apenas em construir, mas em preservar. E sabe que um único cálice de vinho contém mais história do que duzentas máquinas de Coca-Cola". Talvez a globalização já tenha tornado o mundo mais uniforme, ao menos  sobre as questões iniciais da frase, mas a do vinho é universal e atemporal. Também outra de suas crônicas, a Vestidos para matar, que fala de uniformes e a sua desmistificação, é notável. Ela lembra Sarney e o fardão da Academia. "Que escritor sonha hoje em vestir o fardão da Academia Brasileira de Letras e equiparar-se a José Sarney.

Para terminar, a lembrança de mais uma das crônicas, Grande África, que também, bem define o que é uma crônica em sua relação com o tempo, ou seja, o uso e a consagração de expressões de moda usuais em um tempo e já destituídas de significado em outro. Ela faz um pequeno exercício: "Querido diário. Ando meio jururu. Não fui convidada para o bota-fora da Penélope. Ah!, grande África. A festa vai ser numa big casa mas isso não quer dizer chongas. A Soninha me contou que vai todo mundo na maior estica e que o Rodrigo vai pegar a caranga do pai dele escondido. Credo, se ele for pego na tampinha vai levar um carão. Ou até uma sova.....". Conseguiu se identificar. Não é papo de um jovem dos dias de hoje, certamente.

Também as crônicas estão permeadas de valores, prevalecendo sempre um olhar moderno, feminino e emancipado e, humano. Um belo olhar sobre o seu tempo. Na crônica Os livros da nova era, ela faz uma bela declaração de amor aos livros e de estímulo para o hábito de ler. O livro é uma bela retrospectiva sobre a última década do século XX, que ela observou, especialmente, sob o olhar da mudança de hábitos e de costumes.

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