segunda-feira, 17 de abril de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 7. Euclides da Cunha.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país.

O sétimo trabalho do livro apresenta o grande escritor e intérprete do Brasil, Euclides da Cunha. A resenha é assinada por Nísia Trindade Lima, professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz da Fiocruz e atual ministra da saúde do governo Lula - 2023-2026. Basicamente ela examina a obra e suas repercussões. A resenha tem por título - O Brasil como sertão. Vejamos alguns dados biográficos do autor, constantes ao final do livro:

"Nasceu em 1886, em Cantagalo, Rio de Janeiro. Forma-se engenheiro pela Escola Militar da Praia Vermelha (1890). Trabalha no Exército até 1896, quando passa a atuar como engenheiro civil em São Paulo (1895-1904). [...] Colabora com jornais e revistas desde 1884, trabalhando inclusive como repórter em Canudos. É eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras em 1903. Assina, dentre outros, Os sertões (1902), Contrastes e confrontos (1907), Peru versus Bolívia (1907) e À margem da história (1909). Morre no Rio de Janeiro em 1909).

Nísia Trindade inicia sua resenha, afirmando que o autor oferece diferentes chaves para a interpretação de sua obra. Nela se identifica a presença do positivismo e do romantismo e o desejo de encontrar meios que consolidem no Brasil um projeto de nação. Ele busca aquilo que seria autenticamente nacional. Sua obra contém noções de geologia, história, biologia, antropologia e sociologia, além de tensões entre um texto científico e ficcional. Pelos elementos científicos iremos encontrar em sua obra traços deterministas (a questão da raça) e dilemas para a formação histórica. Os sertões, a sua principal obra, obedece ao princípio da natureza, do homem e dos processos sociais. Assim os capítulos do livro são: A terra, o homem e a luta. Esta última parte se desdobra em: preliminares; travessia do cambaio; expedição de Moreira César; quarta expedição; nova fase da luta e últimos dias.

Quem escreverá Os sertões? Será o engenheiro militar, positivista e republicano, frustrado com a carreira militar, que irá cobrir as três semanas finais da Guerra de Canudos (1896-1897). A sua grande preocupação, inicialmente era a de dar uma visão favorável à República e ao Exército Nacional, mostrando que as instituições brasileiras funcionavam a contento. Não foi, no entanto, o que ele viu. Viu a grave ameaça às instituições e o triste massacre dos sertanejos. Ele passa por muitas transformações entre o que ele viu, as reportagens que fez para o jornal O Estado de São Paulo e a publicação da obra (1902). Vai se afastando das teorias racistas de Nina Rodrigues, para afirmar que o sertanejo não é um degenerado, mas um retrógrado. Para definir o sertanejo ele recorre a figura de Hércules/Quasímodo, isto é, um misto de fragilidade e força, monstruosidade e caráter heroico. 

A grande conclusão a que chega é a de que o sertanejo será a base para a construção do país. Por isso mesmo, não se conformou com o uso de dinamite para implodir os poucos sertanejos que ainda restavam em Canudos, pelo próprio exército brasileiro: "Atacava-se a fundo a rocha viva da nossa raça", nos conta em uma passagem do livro. Um sinal evidente da mudança de seus paradigmas está também na proposta para o título original do livro: Os sertões - a nossa Vendeia. Quando da publicação, o título foi simplificado, omitindo-se o caráter laudatório de que este massacre fosse a nossa Vendeia. No livro, os determinismos de raça, também já não aparecem.

Ao longo da obra aparecem as contradições entre o litoral e o sertão. Vejamos, nas palavras da resenhista: "Certamente, esse sentido convive com a representação negativa do homem sertanejo que, com sua mentalidade e religiosidade atávica, resistiria à mudança e ao fatalismo de um processo civilizatório do qual não poderia escapar. Mas é essa ambivalência que, na perspectiva euclidiana, torna não apenas possível, como positivo e necessário, para a civilização do litoral, o projeto de incorporação efetiva do interior à construção do Estado nacional no Brasil". Pouco adiante, ela conclui sobre a importância desse livro: "Os sertões permanecem, entretanto, como o livro monumento da nacionalidade brasileira. A força expressiva do texto contribuiu para seu impacto na gênese de uma teoria do Brasil, na qual sobressai a imagem de uma sociedade dividida entre um polo atrasado, no sertão, porém considerado a base da nacionalidade, e um polo civilizado, formado, entretanto, por copistas, por elites políticas e intelectuais que permaneciam com os olhos voltados para a Europa, de costas para o país".

As obras do autor sobre a Amazônia, onde esteve por um tempo mais longo, em missões diplomáticas no estabelecimento de fronteiras, obedecem ao mesmo princípio da dicotomia entre o litoral e o interior. Considerava a Amazônia como o outro sertão, ainda mais complicado, com as populações nômades e seus desenraizamentos. Ele se autoconsiderava como o profeta Jeremias dos tempos modernos. Lembrando que Jeremias era o profeta das lamentações. Por causa das queimadas, considera esses povos nômades como "fazedores do deserto". Isso já naquele tempo.

A sua obra sobre a Amazônia não teve o mesmo fôlego e a mesma repercussão de sua obra prima. Ainda deixo uma observação sua, muito perspicaz, de que a Cabanagem (1835- 1840) fora uma prefiguração de Canudos. Nísia termina sua resenha com uma definição do que é uma obra obra clássica: "Afinal, este é um dos mais importantes sentidos de nos aproximarmos de um clássico: entendê-lo em sua individualidade histórica e como um texto que ultrapassou o seu tempo". Os sertões, um clássico.

Deixo também uma resenha anterior, focado mais especificamente em Os sertões.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/06/um-banquete-no-tropico-7-os-sertoes.html

E também a resenha anterior desse presente trabalho.

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/04/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_9.html


2 comentários:

  1. "Os Sertões" é um quadro muito bem traçado pelo Euclides da Cunha do Brasil da época. É um traslado da cultura, modus vivendi e da política então vigentes! - É uma obra admirável!

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    1. Uma das obras para se entender o Brasil. E tomara que os leitores dessa obra também transformem a sua visão de Brasil como o autor transformou a sua. Uma obra fantástica de um povo sofrido, mas, esperançoso, apesar de tudo. Muito obrigado pelo seu comentário.

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