quarta-feira, 19 de abril de 2023

Um enigma chamado Brasil. 29 intérpretes e um país. 8. Manoel Bomfim.

Continuo hoje mais um trabalho referente aos intérpretes do Brasil. Desta vez o livro referência é Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país. O livro é organizado por André Botelho e Lilia Moritz Schwarcz. É um lançamento da Companhia das Letras do ano de 2009. A edição que usarei é de 2013. Quem são os personagem trabalhados? Os organizadores respondem: "Os teóricos do racismo científico e seus críticos na Primeira República; modernistas de 1920 e ensaístas clássicos dos anos 1930; a geração pioneira dos cientistas sociais profissionais e seus primeiros discípulos". A abordagem sempre será feita por algum especialista. O livro tem uma frase em epígrafe/advertência. O Brasil não é para principiantes, de Antônio Carlos Jobim.

Um enigma chamado Brasil - 29 intérpretes e um país.

O oitavo trabalho apresentado neste livro versa sobre o médico sergipano Manoel Bomfim. Ele é apresentado por André Botelho, um dos organizadores do livro e professor do Departamento de Sociologia da UFRJ. O título de sua apresentação é: Um percurso de cidadania no Brasil. Que percurso difícil de ser trilhado! Mas antes de mais nada vejamos alguns dados biográficos do autor:

"Nasce em 1868 na cidade de Aracaju, Sergipe. Titula-se como bacharel pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1890). Nessa cidade, assume a cátedra de Pedagogia e Psicologia da Escola Normal (1898). Entre 1902 e 1903 realiza estudos de psicologia em Paris. [...] São de sua autoria: América Latina: males de origem (1905), Através do Brasil (1910), O Brasil na América (1930) e O Brasil nação (1931), entre muitos outros títulos. Morre no Rio de Janeiro em 1932".

Manoel Bomfim, na qualidade de médico e, de acordo com as teorias dominantes na época, era para ter sido um adepto do "racismo científico", do determinismo biológico para explicar a formação da sociedade brasileira. Essas teorias afirmavam a rígida hierarquização das raças, divididas entre as superiores e as inferiores. Mas, ele não o foi. Seus estudos o fizeram adepto da prevalência dos fatores socioculturais sobre os influxos naturalistas. Uma mudança profunda. As sociedades são modeladas por fatores histórico-sociológicos e não biológicos. As reformas para uma estruturação cidadã da sociedade adviriam com um amplo programa de alfabetização.

O seu olhar, desde América Latina: males de origem, de 1905, já está voltado para apontar que a origem de nossos males tem causas em nossa formação histórica, em nossa formação colonial, fundada, usando uma imagem da zoologia, no "parasitismo social". Existiu em nosso processo de colonização uma relação de parasita e parasitado, uma relação de determinismo histórico social e não biológico, portanto. Entre essas heranças culturais aponta especialmente para o sistema da escravidão e a forma de ser da monarquia "bragantina". Para "redimir" a sociedade brasileira, precisaríamos nos libertar de nossa herança ibérica, de sua influência degenerativa.

Entre as críticas que Bomfim recebeu está uma incongruência entre o diagnóstico e o prognóstico. Para eliminar os nossos males, bastaria a realização de reformas. Não prognosticava a necessidade de reformas estruturais e apontava para a educação como antídoto para os males herdados. Alguns analistas de sua obra afirmam que, posteriormente, ele teria superado esta visão reformista por teorias revolucionárias. Somente por uma revolução, que depusesse as nossas elites, alcançaríamos o ideal de uma sociedade igualitária e democrática. As elites, tanto as do Império, quanto as da República deixaram os nossos problemas intactos.

Para corroborar essa afirmação, vejamos um trecho da resenha de André Botelho: "Como o Império que a antecedera, a República parecia deixar os males de origem da sociedade brasileira intactos. Não tendo constituído objeto de políticas públicas efetivas, a educação formal continua a ser, ao longo da Primeira República liberal-burguesa, prerrogativa quase exclusiva das elites: na década de 1890, a República havia encontrado 84% de brasileiros analfabetos, na de 1920, eles continuariam sendo 75% da população. E como a alfabetização permanecia como critério do exercício do voto, a maioria da população brasileira continuava, obviamente, excluída do processo político". Tristes permanências, continua Botelho. E eu acrescento, essas elites continuam presentes até hoje e se manifestam sempre que a sociedade apontar, mesmo que minimamente, para qualquer mudança que aponte para os caminhos da cidadania. O fantasma dos golpes de Estado ronda permanentemente a nossa frágil democracia. Só depois de golpe de 2016, quantas tentativas do inominável presidente nós tivemos, autogolpes para a permanência no poder, com a marca da destruição de qualquer processo civilizatório.

Creio que no seguinte trecho, já ao final de sua resenha, encontramos uma síntese de seu pensamento, que também reflete toda a sua importância: "... Manoel Bomfim pode filtrar em pontos decisivos o influxo naturalista predominante no seu tempo e educar sua perspectiva na própria figuração das relações sociais. Enfrentando de modo crítico, e criativo, os recursos intelectuais que o seu tempo e seu contexto tornaram disponíveis, Bomfim pode contribuir para a afirmação da autonomia da dimensão histórico-social e do seu potencial explicativo da formação da sociedade brasileira". 

Botelho termina a sua resenha com um trecho de um artigo de Bomfim, publicado no Jornal do Brasil, em 28 de janeiro de 1919, ainda hoje extremamente atual. Vejamos: "Uma nação é a associação completa de todas as criaturas humanas fixadas num território, e vale pelo que valem os indivíduos que a compõem. Para elevar o país, para dar-lhe vida, força e progresso, há um meio seguro - preparar e elevar o homem que o povoa, e que resume a própria vida e força da nação. É o meio absolutamente necessário, e único. Não pode haver progresso, nem grandeza para um povo, se, na sua maioria, ele permanece anulado, aviltado, na ignorância e no analfabetismo".

Eu tive o meu primeiro contato com Manoel Bonfim, lendo o seu América Latina: males de origem. O li, sem a devida contextualização, de situá-lo em seu tempo e contexto. Mesmo assim ele me impressionou muito. A forte imagem do parasitismo. Deixo aqui essas impressões:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2013/11/a-america-latina-males-de-origem-manoel.html

O reencontrei depois, em Introdução ao Brasil - um banquete no trópico:  

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2022/07/um-banquete-no-tropico-29-america.html

E ainda o último texto deste trabalho, sobre Euclides da Cunha:

http://www.blogdopedroeloi.com.br/2023/04/um-enigma-chamado-brasil-29-interpretes_17.html



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