Ao ler O Diário de H. L. Mencken me deparei com uma nota referente a Anthony Comstock, numa de suas diatribes com o escritor Garland. A nota diz o seguinte: "Anthony Comstock (1844-1915) era secretário da Sociedade para a supressão do Vício e empreendia uma guerra incessante contra todos os livros que, em seu juízo, eram obscenos ou pudessem causar um rubor de vergonha nas bochechas de alguma jovem virgem e pura" (página 121). Isso me fez lembrar do belo livro Uma história da leitura, de Alberto Manguel, que eu lera no ano de 2004.
Uma história da leitura. Alberto Manguel. Companhia das Letras. Tradução: Pedro Maia Soares.Do livro, um capítulo em particular me chamou muito a atenção. Ele tem por título - Leituras proibidas, onde este secretário é citado e largamente analisado. Quis retomar esta leitura quando governadores, para ser bastante condescendente com eles, não muito afeitos com livros, submeteram o belo livro O avesso da pele, de Jeferson Tenório, sob censura. Entre esses governadores, lamentavelmente, figurava o governador do Paraná. Outras leituras, no entanto, me detiveram. Agora o retomei.
Alberto Manguel, como filho de pai diplomata, é um cidadão do mundo. Nasceu em Buenos Aires no ano de 1948 e atualmente é cidadão canadense. Um de seus feitos foi ter conhecido Jorge Luís Borges numa livraria e, para ele passou a fazer leituras, quando o escritor já estava acometido por um cegueira quase que total. Certamente este fato o influenciou bastante para dedicar uma vida toda ao mundo das letras.
O livro, de extrema erudição, está estruturado em quatro partes: A última página; atos de leitura; os poderes do leitor e páginas de guarda. De - A última página - destaco a primeira afirmação - a de que ler é como respirar e a segunda - a eterna relação de adversidade entre a leitura e as ditaduras. Vejamos: "Os regimes totalitários exigem que não pensemos, e portanto proíbem, ameaçam e censuram [...] exigem que nos tornemos estúpidos e que aceitemos nossa degradação docilmente" (página 36).
Da segunda parte - Dos atos de leitura - destaco os subtítulos: Leitura das sombras; os leitores silenciosos; o livro da memória; o aprendizado da leitura; a primeira página ausente; leitura de imagens; a leitura ouvida; a forma do livro; leitura na intimidade e metáforas da leitura. O destaque vai para para a mensagem para os leitores silenciosos. Para as possibilidades de diferentes interpretações, para o surgimento de heresias e para toda uma história do livro, até ele adquirir a sua forma atual e a sua comercialização.
Já os subtítulos da terceira parte - Os poderes do leitor são: Primórdios; ordenadores do universo; leitura do futuro; o leitor simbólico; leitura intramuros; roubo de livros; o autor como leitor; o tradutor como leitor; leituras proibidas e o louco por livros. O meu grande destaque vai para dois subtítulos: O já assinalado - leituras proibidas e o roubo de livros. Para o - leituras proibidas - darei um destaque especial, num post em separado e sobre o roubo de livros devo dizer e concordar que para os seus ladrões poderia ser aplicada a pena da excomunhão.
No - páginas de guarda - um novo livro de Uma história da leitura se abre como uma possibilidade. Livros que não escrevi, livros que não li.
Gostei da apresentação do livro que consta da contracapa: "Leitor voraz e ciumento, um grão-vizir da Pérsia carregava sua biblioteca quando viajava, acomodando-a em quatrocentos camelos treinados para andar em ordem alfabética. Em 1536, a lista de preços das prostitutas de Veneza anunciava uma profissional que se dizia amante da poesia e tinha sempre à mão algum livrete de Petrarca, Virgílio ou Homero. Na segunda metade do século XIX, em Cuba, os operários de algumas fábricas de charuto pagavam um lector, um leitor que se sentava junto às bancadas de trabalho e lia alto enquanto eles manuseavam o fumo. Lia, por exemplo, romances didáticos, compêndios históricos e manuais de economia política. A ditadura de Pinochet baniu o Dom Quixote, identificando ali apelos à liberdade individual e ataques à autoridade instituída.
A leitura é a mais civilizada das paixões. Mesmo quando registra atos de barbarismo, sua história é uma celebração da alegria e da liberdade".
Tomo ainda as orelhas da capa e contracapa: "De certa forma, todo livro escolhe seu leitor, mas Uma história da leitura parece ter um modo muito particular de exercer essa escolha: talvez com uma ou outra exceção, todos os que se dispõem a lê-lo integram a comunidade das pessoas que gostam de ler. Por isso, cada uma delas encontra aqui certos fragmentos de sua própria experiência: o encantamento com o aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo (livrinhos de escola, cartazes de rua, rótulos de remédio), o prazer solitário de ser amigo do peito de Sinbad, o Marujo, de acompanhar a multiplicação dos significados de uma palavra, de descobrir o final da história. Como um volume da biblioteca impossível de Borges, o livro de Alberto Manguel contém um pouco da autobiografia de cada um de seus leitores.
E, sem dúvida, também do autor, cuja erudição ao falar de séculos e séculos de história é primeiro filtrada por uma vivência pessoal intensa. A clareza de texto de Alberto Manguel parece refletir uma generosidade, uma vontade de compartilhar informações, perspectivas e modos de sentir o ato de ler.
'Ler para viver', Flaubert escreveu, ou, na visão de Kafka, 'ler para fazer perguntas'. Das plaquinhas de argila da Suméria aos nossos cibertextos, sabemos que a história registra não só uma infinidade de motivações para a leitura, mas também para a sua proibição, como se fosse da natureza da palavra escrita penetrar a intimidade do leitor e fazê-lo agir, fazê-lo mover-se para lugares que só ele é capaz de escolher. O ato de ler pressupõe e, simultaneamente, cria uma liberdade.
Alberto Manguel é primeiro um leitor, e, nesta condição, se escolheu narrar as conformações da leitura ao longo do tempo, é porque está ciente de quantos tentáculos uma boa história pode ter".