quinta-feira, 7 de novembro de 2013

A América Latina. Males de Origem. Manoel Bomfim.

"Em 1905, Manoel Bomfim estava à frente de seu tempo e a América Latina se encontrava atrás do tempo no mundo de então". Assim Luís Paulino Bomfim apresenta Manoel Bomfim, numa pequena biografia ao final de seu livro, América Latina - Males de Origem. 1905 é o ano da publicação do livro. O homem à frente de seu tempo é sergipano e filho de senhores de engenho. Ele se formou em medicina, mas as decepções com a morte de sua filha o fizeram abandoná-la, para dedicar-se à filosofia, à sociologia e à educação.
O livro de Manoel Bomfim. Foi publicado em 1905. Um vigor extraordinário. Uma edição da Topbooks, de 2005. Portanto, uma edição comemorativa ao centenário de sua publicação original.

A caracterização como homem à frente de seu tempo se deve ao vigor de seus escritos e o seu inconformismo com a realidade de toda a América Latina, dominada pelos povos ibéricos, de quem faz uma caracterização, que não lhes é nada favorável. O inconformismo o levou também a verdadeiros libelos contra a dita neutralidade científica, ao se posicionar com toda a clareza contra todos os determinismos reinantes em sua época, fundados em critérios de inferioridade de raça e de misturas raciais como fator de degeneração das populações que se misturaram.

O verdadeiro despertar em torno da nacionalidade brasileira, podemos assim dizer, que teve suas primeiras manifestações ao longo da década de 1920, para se firmar mesmo, apenas ao longo dos anos 1930. Não seria difícil situar na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala,como a primeira grande obra de reversão de expectativas em torno da irreversibilidade da natural inferioridade brasileira por questões de clima, de raça, de mistura de raças e pela sua adesão plena a um catolicismo extremamente conformador e conservador. Gilberto Freyre, embora encantado com a bondade dos senhores de engenho, representa um novo marco nas interpretações de Brasil.
América Latina. Uma origem e um destino comum?

É por isso mesmo que Manoel Bomfim é visto como um homem à frente de seu tempo. Bomfim, ao longo das mais de 400 páginas de seu livro, argumenta com argúcia e erudição com todos os teóricos, tanto da teorias raciais, quanto com aqueles que vêem na mistura de raças um fator de degeneração natural. O seu linguajar é vibrante e contundente. Mostra profundos conhecimentos de filosofia, de sociologia e de história. Particularmente, apreciei muito a sua visão histórica sobre a Península Ibérica, pois recentemente fiz um giro por ela. O ponto de origem na formação de portugueses e espanhois foi o das guerras da "Reconquista", que apresenta como a verdadeira origem de um povo dedicado ao saque e a pilhagem, da qual a América Latina foi a principal vítima, logo após a expulsão dos árabes de seu território.

O fundamental de sua visão sobre a América Latina é exatamente a teoria do parasita, que ele descreve longamente, já nos capítulos iniciais do seu livro. Fundado nos estudos de biologia, apresenta a tese de que o parasita perde ao longo de um tempo não muito longo, todos as suas aptidões vitais, atrofiando-as. Enquanto isso, se aperfeiçoam seus instrumentos de parasitagem. Em pouco tempo ele se degenera. Enquanto isso, o parasitado se depaupera, tendo todas as suas energias sugados pelo parasita. As suas primeiras observações são do mundo animal, do qual parte para as analogias ao mundo humano. É brilhante a sua observação quanto aos valores morais surgidos a partir da teoria do parasitismo.
A divisão política da América Latina, hoje.

Assim, os povos ibéricos exerceram sobre a América Latina os seus vícios de origem, adquiridos nos hábitos belicosos e predadores contra os árabes, os inimigos infiéis. Esta realidade fez deles um povo inapto para o trabalho e que encontraram na América Latina o seu habitat para continuarem a viver os seus hábitos, que a estas alturas já são abertamente qualificados como parasitários, dos quais a mais nefasta consequência foi a total aversão ao trabalho. Como solução para a continuidade de sua vida parasitária instituíram a escravização de indígenas e africanos para a realização de qualquer tipo de trabalho. Desta relação com a escravidão ele passa a assinalar a formação de valores morais numa sociedade parasitária. Sintetizo tudo isso numa única frase ou ideia. O único instrumento a regular a relação humana e a justiça era a força.

Também neste contexto mostra as teorias racistas e de inferioridade das raças que se misturaram como ideologias aplacadoras de consciência dos males perpetrados e sem nenhuma consistência científica. Outra constatação belíssima que o autor faz é com relação a culpabilização dos chamados inferiores, no caso, os trabalhadores escravizados. A escala de valores gerada pela escravização e as violentas formas de repressão só poderiam gerar uma cultura de ódio nas relações humanas, mas que seriam possíveis de reversão, assim que as relações se transformassem.
Anti racismo
A obra de Bomfim. Um desmentido categórico da superioridade ou inferioridade de raças, bem como de sua mistura.

Outra teoria impressionante é a do conservadorismo ou conservantismo. Para manter os  ditos privilégios dentro de uma sociedade parasitária, os parasitas só poderiam se ater às doutrinas conservadoras, pois, qualquer mudança, implicaria em alterar a estrutura parasitária da organização do Estado e da sociedade. Parasitismo e conservadorismo, assim se davam as mãos, para manter a opressão e aí sim, o atraso da América Latina, com relação aos povos tecnologicamente mais avançados. Creio que a esta altura já reunimos os elementos para a explicação para o título do livro: A América Latina. Os Males de Origem. E o livro escrito em 1905, mais de cem anos depois ainda se mantem mais atual do que nunca.

Mas Manoel Bomfim não fica apenas nos lamentos. Os seres parasitados, ao contrário do parasita, não se atrofiam ou se degeneram. Eles apenas se depauperam. Se retirarem dos seres parasitados os parasitas, eles terão plenas condições para reverterem a situação. Basta para isso combater a ignorância e a ignorância se combate com a instrução. Não falta também em seu livro, um convite para a utopia: "Utopia... Utopia... repetirá a sensatez rasteira. Utopia, sim; sejamos utopistas, bem utopistas: contanto que não esterilizemos o nosso ideal, esperando a sua realização de qualquer força imanente à própria utopia; sejamos utopistas, contanto que trabalhemos".

Livro de leitura obrigatória para quem minimamente quer conhecer o Brasil e, por extensão, toda a América Latina, uma vez que os males de origem são os mesmos.

4 comentários:

  1. Parabéns pela leitura do Manoel Bonfim. A primeira vez que ouvi falar dele foi em sua terra, Sergipe, pela Dep. Ana Lúcia Vieira. Com seu comentário, vou correr atrás do livro nesta edição comemorativa. Valeu. Wanderley

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  2. Corinta, em primeiro lugar agradeço o seu comentário. É impressionante o quanto este autor ficou escondido da academia brasileira. Lamento informar que não vai ser fácil encontrar o livro. Quando aparece algum exemplar na estante virtual, já segue o aviso de que se trata de livro raro e o preço solicitado excede em sete ou oito vezes o seu valor. É livro que precisa de urgente nova edição.

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  3. Oi Pedro, desculpe-me por perguntar aqui, minha avó, centenária, estava contando uma história de um Pedro Eloi que era marceneiro e também de São Manoel. Por isso dei um google. Estava contando da história de uma mesa que ele fez.

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  4. Não Kaisa. Nem mesmo conheço São Manoel e nunca fui marceneiro. Sempre fui professor e hoje sou administrador de tempo livre. Trabalhei em Umuarama e em Curitiba e me formei em Porto Alegre e também estudei na PUC/SP. Não se confirmou a curiosidade de sua avó.

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