quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Versão de Kátia de Queirós Mattoso sobre o Quilombo de Palmares.


Quando Antônio Cândido lista os dez livros que, segundo ele, são fundamentais para compreender o Brasil, ele anteriormente faz a apresentação dos tópicos que necessariamente precisariam ser levados em consideração, como, por exemplo, a presença lusa, a presença indígena, a presença do negro escravizado para o trabalho e os diversos períodos históricos presentes em nossa formação. O livro que ele indica para a presença do escravo, recai sobre o livro de Kátia de Queirós Mattoso, Ser Escravo no Brasil. O livro data de 1982 e foi escrito em francês, visando dar ao público estrangeiro uma visão do que foi a escravidão no Brasil. A tradução é de James Amado, que eu saiba, é o irmão do Jorge Amado. No Brasil o livro foi editado pela Brasiliense.
O extraordinário livro de Katia de Queirós Mattoso - Ser Escravo no Brasil.

Este é o terceiro post que faço sobre o Quilombo dos Palmares, que considero o momento mais importante para a formação de uma consciência que nos esclareça sobre o que foi o fenômeno da escravidão no Brasil. Apresentei a versão do historiador português Joaquim Pedro de Oliveira Martins, que mesmo trilhando por ideologias contraditórias, entre elas o racismo, apresentou uma bela descrição do quilombo. Esta descrição está contida no livro de Manoel Bomfim, A América Latina - Males de Origem, livro que também figura na listagem apresentada por Antônio Cândido. A segunda versão retirei do romance de formação de Jorge Amado, Jubiabá, em que o pai de santo Jubiabá, formando a consciência de Antônio Balduíno, lhe conta a história, focando-a no seu herói Zumbi, que passou a ser a grande referência de vida de Antônio Balduíno.
Do livro de Bomfim, outra descrição de Palmares, vista como a Troia negra.

Hoje apresento a terceira a terceira versão. Kátia, em seu livro descreve três quilombos, os mais importantes na sua ótica. Além de Palmares ela descreve também o de Trombetas no Pará e o do Buraco do Tatu, nas proximidades de Salvador. Mas vamos a descrição de Palmares:
Neste romance de formação de Jorge Amado, Jubiabá forma a consciência de Antônio Balduíno, contando-lhe a história de Zumbi dos Palmares.

"Em 1630, os holandeses estabeleceram-se em Pernambuco. Os portugueses formam um regimento de pretos, comandado pelo heroi Henrique Dias, também preto, que os ajuda a combater o invasor batavo. Outros negros, porém, como calabar, organizam-se para lutar contra seus antigos senhores e colaboram com o inimigo, enquanto ainda outros tomam pelo caminho da fuga, atraindo a repressão tanto de holandeses quanto de portugueses.  Abrigados na rica floresta dos Palmares, impenetrável, abundante de recursos naturais, esses fugitivos estabelecem uma "república" de 60 léguas de superfície com várias cidades: Zumbi, Arotirene, Tabocas, Lambrangaga, Subupira, Osenga e Macaco, a capital, cidade grande de 1.500 casas Em 1643, a República dos Palmares conta com 6.000 casas. Em 1670 este número sobe para 20.000. Subupira, o centro de instrução militar, é uma praça forte de 800 cabanas. O primeiro chefe eleito dessa "república" é o rei Ganga-Zumba, que será assassinado em 1678, por haver consentido em negociar com os brancos e com eles assinar um tratado de paz. Seu sucessor, o legendário Zumbi, encarna a resistência negra

Cabanas que compunham a "República dos Palmares", a Troia negra.

Esses reis governam da cidade de onde são originários e que assim se torna a capital do quilombo. São assistidos por um conselho dos anciãos, escolhidos entre os chefes das outras cidades. Rei e chefes têm guardas pessoais. Palmares conta com sacerdotes de todos os cultos religiosos, católico e africanos. Todos os escravos que buscam refúgio nos Palmares são considerados livres. Em contrapartida, o negro apanhado pela força permanece escravo, tendo, contudo, a possibilidade de comprar sua alforria. Somente os chefes vestem-se bem. As armas de fogo são proibidas à população e o homicídio, o roubo e o adultério são severamente reprimidos. Como todos os quilombos, Palmares, tem falta de mulheres e não se hesita em organizar expedições para resgatá-las nos engenhos e povoados distantes. Vive da pesca e da apanha, mas também do milho, da mandioca, das batatas-doces, dos feijões e da cana cultivados no território da República. A carne consumida é produto da caça. Não há criatórios de gado, mas galinhas e frangos cacarejam em torno das cabanas.

Outra vista do que foi a "República de Palmares".

Pedreiros, carpinteiros, caldereiros, tecelões, poteiros, exercem seus ofícios e sabe-se que Palmares mantém relações comerciais com os holandeses e até mesmo com os portugueses. Foram necessárias 18 expedições holandesas ou portuguesas para dominar a República dos Palmares e ainda pairam dúvidas sobre se aquele quilombo foi uma tentativa original e racional de negros fugidos desejosos de estabelecer um estado monárquico de tipo eletivo, ou se representa um fenômeno de resistência cultural, de "regressão tribal". Estamos diante de uma "fuga para a África?" E se há tal, de que África se trata, já que Palmares congrega homens originários de horizontes muito diferentes e das diversas classes sociais?"

Palmares chegou a abrigar 30.000 fugitivos. O de Trombetas no Pará, 2.000. O Buraco do Tatu chegou a ter  32 cabanas. O texto foi extraído de: QUEIRÓS MATTOSO, Kátia de, Ser Escravo no Brasil. São Paulo.Brasiliense.  2003. Páginas 159 a 161.

2 comentários:

  1. Uma aula obrigatória para os lutadores da causa negra e para os que querem entender a formação do Brasil e dos brasileiros. Obrigado Elói!

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  2. Romeu, não é por nada que Antônio Cândido escolheu este livro como o melhor livro sobre a escravidão no Brasil. Agradeço o seu comentário.

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