sexta-feira, 8 de agosto de 2014

11 de agosto. O dia do advogado. Os caminhos da humanização.

No Brasil o dia do advogado é comemorado no dia 11 de agosto. A data se deve a criação dos dois primeiros cursos de Direito no Brasil. Em 1824 o Brasil ganhou a sua primeira Constituição e em 11 de agosto de 1827, com a criação das duas faculdades, foram criadas as possibilidades da viabilidade desta Constituição. O decreto de D. Pedro tinha o seguinte enunciado "Crêa  dous cursos de sciencias jurídicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro na de Olinda. Os cursos teriam a duração de cinco anos, com 9 cadeiras, que hoje chamaríamos de disciplinas.

A origem do dia do advogado no Brasil, está ligado a ordem constitucional e a criação dos cursos de Direito. E direito significa direito. Deverá ser ele o grande fator humanizador de uma sociedade.

Todas as definições da profissão relacionam o advogado com a função de mediação das relações sociais existentes. Ora, se existe a necessidade da mediação nestas relações é porque, fundamentalmente, elas são complexas e conflitantes, nunca lineares, na relação simples de causa e efeito. Embora a mediação sempre tenha existido, a institucionalização da Justiça e do Direito são um fenômeno do mundo moderno, com profundas raízes na sociedade grega e romana. Ao longo do mundo medieval, doutrinas do direito divino e de caráter absoluto foram se afirmando e assim elas chegaram até o mundo moderno.

 O advogado é uma profissão de intelectual. A leitura dos clássicos e intérpretes dos clássicos deverá fazer parte de sua formação.

Este mundo moderno foi se configurando através de uma série de fatores essencialmente econômicos, na transformação de uma sociedade auto suficiente e fechada para uma sociedade dinâmica e aberta. Mobilidade seria uma palavra fundamental, para romper com os estamentos medievais, marcados pela desigualdade do nascimento. Coisas de sangue azul e de sangue comum. O mundo moderno se construiu através de uma série de revoluções, as chamadas revoluções de caráter burguês. As principais, a saber, foram a Revolução Gloriosa (1689) e o Bill of Rigths, a Declaração da Independência dos Estados Unidos (1776) e a posterior ordem constitucional deste novo país e a Revolução Francesa (1789) e a consequente afirmação de Direitos Universais que a seguiu.

Um complexo campo teórico precedeu e movimentou todo este longo processo histórico. Esta teoria foi ganhando consistência com pensadores políticos como Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Monstesquieu, Rousseau, Kant e Hegel, para citar os principais e, fortes constestações, com as teorias de Marx e Engels. Além destes pensadores que se ocuparam mais com os temas políticos, também houve os pensadores econômicos, com destaque para Adam Smith, Jeremy Bentham e John Stuart Mill. No direito também surgiram os grandes mestres com suas especificidades e alinhamentos com esta nova ordem revolucionária.

A essência da profissão do advogado é fazer a mediação numa sociedade de conflitos. Isso requer uma sólida formação humanística para compreender o mundo dos direitos e da cidadania.

Os fundamentos do liberalismo ou da sociedade aberta, a sua principal característica, se baseiam no indivíduo, na liberdade, na propriedade, na igualdade e na democracia. Estes princípios se inter relacionam, mas poderiam ser assim resumidos: uma sociedade de homens livres e iguais, que vivem num mundo de oportunidades. Estas oportunidades seriam encontradas no mercado e este seria regido por leis naturais. O que seriam estas leis naturais? O que é natural e o que é cultural? Destes embates surgem, já com Adam Smith, as teorias do  livre mercado e do Estado Mínimo. Sobre as leis naturais, do mercado invisível, não poderia haver interferências humanas, ou seja. a economia se auto regularia pelo livre mercado. O principal princípio que move o mercado é a competição e, convenhamos, em qualquer processo de competição existirão vencedores e perdedores, estes os excluídos, como os chamamos hoje.

É neste campo de embates que o Estado, e em consequência, a instituição do Direito e da Justiça, se constitui. Mais uma vez as divergências, em virtude da enorme complexidade, se manifesta. O primeiro diagnóstico de uma sociedade fundada na competição foi dado por Thomas Hobbes. Homens livres e iguais, que competem entre si, se matam. O homo homini lupus, ou a guerra de todos contra todos. Para o diagnóstico monstruoso, uma solução mais monstruosa ainda, O Estado Leviatã.

 .
Como a competição necessariamente forma vencedores e perdedores, os teóricos do Estado foram elaborando suas teorias. O coletivo precede o individual, (Hegel) o Estado tem tarefas positivas para proporcionar meios para competir, abrindo assim os caminhos para o estado assumir compromissos com a educação e a saúde (Bentham), até se chegar a responsabilização do Estado com a questão da justiça social e da distribuição de renda (Stuart Mill). Vejam que não estou saindo do campo das teorias liberais. Também quero lembrar que Adam Smith escreveu um outro livro, por sinal, pouco lembrado. A teoria dos sentimentos morais.

Assim foi se construindo a modernidade e este tema encheu as bibliotecas de livros e as academias de teses. Na antítese das teorias do livre mercado surgem as teorias dos direitos. Estes direitos, segundo Marshal, evoluíram na seguinte ordem: primeiro os direitos civis (integridade física, igualdade perante a lei e as liberdades de pensamento e de expressão) os direitos políticos (organizar partidos, votar e ser votado) e os direitos sociais ( saúde, educação, trabalho, previdência, moradia etc.) num volume sempre crescente, na exata medida da efetiva democratização da sociedade, sendo esta cada vez mais organizada, reivindicativa e participativa. É a contrapartida às desigualdades provocadas pelo mercado.

O mundo moderno é conhecido pelos seus grandes conflitos, as chamadas guerras. A visão hobbesiana da guerra de todos contra todos se confirmou e, especialmente, após a segunda grande guerra, os dirigentes mundiais passaram a se preocupar, cada vez mais, em evitar estas guerras. Surge a social democracia ou o Estado de bem-estar. Este Estado cria estruturas para o atendimento aos chamados direitos da cidadania, que o Estado Mínimo, por falta de vontade política, jamais será capaz de atender. Isto gerou uma reação violenta. Os defensores dos livres mercados se tornaram fundamentalistas e, quais novos cruzados medievais, com métodos que ignoram qualquer processo civilizatório, aplicaram verdadeiras doutrinas de choque, em favor da acumulação dos capitais financeiros e em detrimentos das ações de cidadania. Sua palavra de ordem, para impor o poder oriundo do livre mercado, é desregulamentar. O que significa desregulamentar? Desregulamentar é a eliminação de toda a legislação oriunda da mediação do Estado, para deter o poder de força oriundo da acumulação de capital e de poder. É voltar a uma sociedade primitiva, a estágios pré civilizatórios. Lembremos ainda uma frase pronunciada por Hayk, o fundador do pensamento neoliberal, pronunciada junto ao ditador Pinochet, no Chile, por onde os fundamentalismos de mercado começaram a ser implementados na América Latina. "Se tivermos que escolher entre a liberdade política e a liberdade de mercado, sempre escolheremos a liberdade de mercado". Estava apenas referendando uma das mais cruéis e sangrentas ditaduras.

Este é o quadro em que o advogado atua. Desde o início já definimos que a sua grande função está ligada a mediação. E a mediação se torna necessária quando uma sociedade se assenta em princípios conflitantes. Assim o advogado também é uma profissão ligada aos direitos, direitos estes que se afirmaram ao longo do processo histórico, pelo qual chegamos ao que modernamente chamamos de  Estado Democrático de Direito, que terá como principal característica, o respeito às leis e a luta pelo seu aperfeiçoamento, para que melhorem a convivência humana. É também a isso que chamamos de sociedade civilizada, em oposição a selvageria, que, por sinal significa, lei da selva.

A formação de um advogado vai para muito além de uma mera formação técnica reducionista. O verdadeiro advogado deverá aspirar sempre ser um grande jurista e a sua consagração virá com a formação humanista.

Os seres humanos são muito complexos e se são complexos também o será o mundo das relações que entre eles estabelece. Jamais será o reducionismo de uma mera soma de indivíduos (Tatcher). Num mundo de relações complexas não cabem pensamentos fundamentalistas ou dogmáticos. A paz ou a convivência harmoniosa somente será atingida com mentes abertas e plurais, na luta contra todo o tipo de preconceitos, inclusive sobre as causas geradoras da pobreza e a sua criminalização. De abertura para o humano, para o social, para o justo, para o solidário e pela convivência na pluralidade e das divergências. Que este seja o mundo do Direito e da Justiça. Que este seja o mundo que povoa a mente e os horizontes do advogado. Que a sua voz se levante contra as monstruosidades provocadas por teorias que exaltam a violência da competição no lugar da solidariedade e do humano. Este também será o mundo em que seres humanos terão mais chances de serem felizes.


Não sou advogado, mas já trabalhei na área política em cursos de direito. Neles sempre pautei a minha ação pelos princípios aqui afirmados. A minha saudação a todos os advogados, especialmente aos três filhos advogados que tenho, além de uma nora e outra possível futura nora. Junto com os parabéns aos que exercem esta profissão, o meu mais profundo desejo, de que jamais um advogado receba uma repreensão sequer, por ter se afastado da esfera dos direitos consagrados em lei, pois este é o seu campo de atuação.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo comentário. Depois de moderado ele será liberado.