quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Esta é a verdadeira história do paraíso. Millôr Fernandes.

Como é a primeira vez que eu faço uma resenha de um livro do Millôr, o que não é tarefa fácil, acho oportuno recorrer a apresentação que Antonio Prata faz deste livro - Esta é a verdadeira história do Paraíso-, mas que vai para além deste livro, aplicando-se também para o humor em geral e para o humor do Millôr, em particular. Também abrange a forma com que o Millôr expressa o seu humor. E vai, desde já, uma advertência. Humor não é coisa fácil, nem de escrever, nem de ler. E se então cair em terrenos não próprios, aí então, o desastre passa a ser total. Me lembro de uma frase que começava assim:" Nunca faça humor perante..., e listava uma série de pessoas que eram enquadradas. Prefiro deixar para o seu imaginário. 
O humor de Millôr é expresso em prosa, verso, traço e cores. O original desta história é de 1963, que agora está sendo relançado pela Companhia das Letras.

Mas vamos ao Antonio Prata. Ele conta que Millôr se considerava como o inventor do frescobol, na praia de Copacabana, fato do qual ele se orgulhava muito. Este orgulho provinha do fato de que o frescobol era um dos três esportes em que não há competição, os outros dois eram o humor e o sexo. Millôr se orgulhava de ser o pai da mais fraterna das atividades desportivas, ignorando-se porém quem teria sido a mãe. A metáfora do frescobol é muito bonita. Vejamos Prata falando: "É natural que o nosso maior humorista, capaz de bater bola por mais de sete décadas com centenas de milhares de leitores, espraiando o seu talento em prosa, verso, traço e cores". Esta é a primeira observação que eu gostaria de fazer. É preciso ter olhos para ler, ver, interpretar e apreciar a prosa, o verso o traço e as cores, pelas quais Millôr se expressava.
Millôr foi o grande homenageado da FLIP - 2014. Este foi o ensejo para reeditar muito de sua obra.

Depois Prata continua no campo do humor. Após citar Confúcio, com a sábia frase de que "cada empate é um empate" ele assim caracteriza estes três esportes: "No frescobol ele é contínuo, no sexo é pontual e no humor ele é duplo". E continua com esta maravilha: "Ao rir das próprias misérias e da falta de sentido das coisas, o humorista se irmana com o leitor, fazendo com que ambos baixem a guarda. Assim empata também com a vida, tirando sarro de seus percalços. E como não tirar? Se o 'homem é um animal inviável', condenado a pelejar neste 'pau de sebo com uma nota falsa em cima', um Sísifo (e bota sifú nisso) obrigado a rolar para cima uma pedra que sempre rolará para baixo". Depois Antonio Prata envereda pelo humor de Millôr:

"Para escrever, o humorista deve escolher sempre o assunto mais sério, mais triste ou mais trágico. Só um falso humorista escreve sobre assuntos humorísticos". Ainda toma do próprio Millôr, outro princípio fundamental do humor: "Pretendemos meter o nariz exatamente onde não fomos chamados. Humorismo não tem nada a ver e não deve ser confundido com a sórdida campanha do 'Sorria sempre'. Essa campanha é anti-humorística por natureza, revela um conformismo primário, incompatível com a alta dignidade do humorista. Quem sorri sempre ou é um idiota total ou tem a dentadura mal ajustada".
Adão e Eva e o seu armário de roupas. Uma ilustração do livro.
Mais uma coisa para situar a obra. Ela foi escrita em 1963, às vésperas do golpe militar e da"Marcha da Família com Deus pela Liberdade". Neste cenário é que Millôr meteu o nariz. Creio que todos conseguem imaginar a reação à Esta é a verdadeira história do paraíso. Um pouco desta reação o próprio Millôr conta no como um prefácio. Diz que eles tinham elevado a venda da revista O Cruzeiro, na qual ele publicou a sua peça de humor, de 11.000 para 750.000 exemplares. Quando Millôr esteve em viagem pela Europa, ele simplesmente foi demitido pelos editores da revista, em editorial da própria. Com estes dados já não deu mais vontade de ler esta verdadeira história?

Eu, da minha parte, a estou lendo, agora, pela primeira vez, pois em 1963 eu me encontrava absolutamente blindado contra este tipo de leitura, pelos ofendidos com a 'verdadeira história', pois estes tinham uma outra história, muito mais verdadeira, dogmática até, e que era sagrada, a verdade da Bíblia, da palavra de Deus.

Como para o humor é preciso ler, ver, interpretar e apreciar eu deixo esta tarefa para o leitor. Dou apenas o aperitivo de um parêntesis: "E, ao pensar nisso, choro de frustração, imaginando o sexo que nós perdemos. Sim, irmãos, pois se a maçã, tão sem gosto, corresponde ao sexo que temos, vocês já imaginaram o sexo que teríamos se a primeira dama nos tivesse tentado com um tamarindo bem maduro, desses de dar água na boca".
Contra capa de Esta é a verdadeira história do paraíso. Depois que Millôr a conta, ao final, vários outros humoristas também apresentam as suas versões.

Este é mais um trabalho que eu estou fazendo para a Companhia das Letras. Vai aí a referência do livro: FERNANDES, Millôr. Esta é a verdadeira história do paraíso. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. Uma excelente sugestão de livro para presentear alguém, especialmente se este alguém for bastante religioso! Sim, em tempo ainda, para a epígrafe do livro: "Sempre desprezei Adão por ter precisado da tentação de Eva (como esta precisou da tentação da serpente) para comer o fruto da Árvore da Ciência do Bem e do Mal. Eu teria devorado todas as maçãs assim que o dono virasse as costas". George Bernard Shaw.

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