quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Getúlio. 1945-1954 - Da volta pela consagração popular ao suicídio.

Se Getúlio ainda não tinha uma grande biografia, agora ele tem. A trilogia de Lira Neto é uma obra grandiosa. São três volumes, retratando três momentos da vida da maior figura da política brasileira de todos os tempos, e como diz o biógrafo: "Ele é incomparável e irrepetível". O primeiro livro, 1882-1930 - Dos anos de formação à conquista do poder, trata do período menos conhecido do presidente. Merece destaque a sua formação positivista. Este dado é fundamental para a compreensão do personagem. O segundo livro, 1930-1945 - Do governo provisório à ditadura do Estado Novo, retrata o período de sua chegada ao poder e a forma de exercê-lo. Ele não tinha escrúpulos em ser um ditador. É o período sempre lembrado pelos seus detratores.  O terceiro livro, que acaba de sair, 1945-1954 - De volta pela consagração popular ao suicídio, talvez seja o mais revelador dos três volumes. Merece destaque o linchamento sofrido pelo presidente, por parte da mídia conservadora e pelo poder militar, que o leva ao suicídio, a forma encontrada para ficar para sempre na memória do povo.
Em três volumes e mais de mil páginas é contada a história de uma vida, de uma época e a constituição de um Estado/Nação.

O terceiro volume está estruturado em 18 capítulos que retratam os últimos quase dez anos da vida do presidente (1945- o ano de sua deposição - a 1954 - o ano de seu suicídio). Após a deposição, um humilhado Getúlio, volta para a sua terra natal, a cidade de São Borja, já na fronteira com a Argentina, nas barrancas do rio Uruguai. Leva consigo, além da humilhação a que fora submetido, muitos remédios, a perspectiva do suicídio e, também, uma vontade muito forte de, ainda mais uma vez, voltar ao poder. Também leva muita amargura, especialmente aquela que lhe é causada pela imprensa de sua época. " Lançaram sobre mim, através de uma imprensa sem categoria moral, a conhecida campanha de ódios e difamações", lamenta ele.
O charuto e o sorriso foram marcas registradas na vida do presidente.

O primeiro grande dilema que enfrenta em seu retiro é a questão da sucessão presidencial. Deve ficar neutro e, assim, favorecer o brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, ou apoiar o marechal Dutra, seu ministro da guerra no Estado Novo, e um dos líderes de seu afastamento do governo. Dutra não decolava. Isto só aconteceu na reta final da campanha, quando recebeu o apoio de Getúlio. No governo, Dutra abandonou os ideais nacionalistas de Getúlio, fez um governo praticamente junto com a UDN e se alinhou incondicionalmente à política externa dos Estados Unidos. Obviamente, para a total decepção de Vargas. Getúlio, sem campanha, se elege deputado federal pelo PTB, por seis estados e senador por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul. Como ele não se definia por qual cargo a ocupar, a justiça eleitoral determinou que assumisse o posto de senador pelo seu estado natal. Foi um eterno ausente, tanto da constituinte, quanto das atividades parlamentares. Vivia tirando licenças.

Além das decepções com o governo Dutra, especialmente, a sua opção pelo livre mercado em detrimento da, por ele chamada, - democracia planificada, havia as questões familiares. Já havia perdido um filho para a poliomielite, para agora enfrentar os dissabores com o irmão Benjamin e o filho Lutero, dissabores que o acompanharão até o último dia de sua vida. Eles serão acusados como  envolvidos diretos com o atentado a Carlos Lacerda, que provocará o ocaso, tanto de seu governo, quanto de sua própria vida.
O presidente com Dona Darcy, a esposa distante e a filha Alzira, confidente e articuladora política.

De seu retiro, em São Borja, Getúlio se envolve pessoalmente nas campanhas das eleições estaduais, preparatórias para a eleição presidencial de 1950. Os candidatos que receberam o seu apoio, quase todos colheram grandes fracassos. A sua volta ao poder acontece de forma absolutamente inesperada. Na Santos Reis, a Estância da família, muitas coisas da vida nacional são articuladas. Recebe muitas visitas, entre elas a de Ademar de Barros, quando se sela a aliança para a sua volta ao poder. O inimaginável e o impossível acontece. Ademar de Barros passa a apoiar Getúlio. Este apoio é decisivo. Getúlio compreendeu bem que esta sua volta ao poder passaria necessariamente por São Paulo. O livro também revela um dado relativamente novo na biografia de Vargas. A importante e competente articulação política de sua filha Alzira, desde a articulação de sua volta ao poder, até o desfecho final. Ela cumprirá, tanto o papel de filha, quanto o de conselheira política. O livro traz como fonte a correspondência trocada entre os dois

Getúlio vence a eleição com 3.849.040 votos que representavam 48,73% do total dos votos. O brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN recebeu 2.342.384 votos e o candidato da situação, Cristiano Machado, do PSD ficou com 1.697.193 votos. Sob a alegação de não ter atingido maioria absoluta, Lacerda, o eterno encrenqueiro, tenta impedir a sua posse pela via da justiça eleitoral. Esta crise é um prenúncio de todo o seu governo, que tem o desfecho com o atentado a Carlos Lacerda. As acusações do atentado foram parar diretamente no presidente, envolvendo a guarda pessoal e familiares seus. Sem este atentado, toda a história poderia ter sido outra.

O governo foi marcado por dificuldades de ordem política e econômica. Vargas, septuagenário, já não era o habilidoso negociador que fora e a economia se defrontou com os seus eternos dois fantasmas: o não crescimento e a inflação. O grande feito deste governo ocorreu em agosto de 1953 quando é aprovada a lei que cria a Petrobras, como uma empresa estatal, genuinamente nacional, sem a participação do capital estrangeiro. Também merece atenção o fato de João Goulart ter sido nomeado para o ministério do trabalho, dele ser demitido - por haver anunciado o reajuste de 100% do salário mínimo, que mesmo assim, foi concedido pelo presidente, após a demissão. Jango seria o grande herdeiro do legado de Vargas.
A abertura provocada pela bala atirada contra o seu próprio coração.

Nos capítulos finais é descrita a agonia do presidente. Não lhe sobravam alternativas. Ou renunciaria, o que implicaria em um mundo de humilhações, ou enfrentaria uma guerra civil, que seria deflagrada com um golpe militar. Getúlio perdeu, ou nunca teve a seu lado, a aeronáutica. Perdeu a marinha e o seu ministro da guerra tinha um comportamento, no mínimo, duvidoso. Getúlio optou pelo suicídio, nos deixando as razões de tal atitude em sua Carta Testamento, um dos maiores documentos de nossa história. "Saio da vida para entrar na história". O suicídio foi o seu último ato heroico.
A comoção social. A participação popular no funeral do presidente.

Lira Neto não faz uma análise do legado de Vargas. Certamente daria um quarto volume. Tomo a liberdade de tentar escrever sobre isso, num único parágrafo. Sem enumerar por ordem de importância eu destacaria a concepção de Estado que o presidente teve, bem como a sua organização. Getúlio bem compreendeu que o livre mercado num país de capitalismo tardio não daria certo. Por isso a sua "democracia planificada", com a qual o Estado seria o grande indutor da economia. Disto surgiu o que se chama de Estado nacional desenvolvimentista. Também criou as estruturas do Estado para gerir o seu projeto. Outro destaque vai para a legislação social trabalhista. Junto com o processo de industrialização vem a Consolidação das Leis do Trabalho, uma espécie de nova Abolição. Um terceiro fator importante a considerar é uma decorrência de sua concepção de Estado. O Estado assume o papel de promover a infraestrutura necessária para gerar o processo de industrialização. Dentro desta visão estratégica surge a siderurgia, a Petrobras e o projeto da Eletrobras, este não consolidado, em função de sua trágica entrada para a história.

É por tudo isso que Getúlio é o grande personagem da história brasileira  Tão odiado ou tão amado e nunca tratado com indiferença. Esta aula de história, dada pelo Lira Neto, é uma aula extremamente prazerosa.

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