terça-feira, 30 de junho de 2015

O cuidado de si, do mundo e do outro. Leonardo Boff.

Ao saber que Leonardo Boff faria uma palestra em Curitiba, numa promoção do departamento de pós graduação do curso de psicologia da Universidade Federal do Paraná, imediatamente procedi a minha inscrição. A fala ocorreria no dia 24 de junho. Cheguei cedo, antes mesmo do palestrante, dando assim tempo para ver o profeta, tanto em sua chegada, quanto em seu anúncio pela fala. O tema seria: Cuidado de si, do mundo e do outro. Já tinha lido e utilizado inúmeras vezes em sala de aula o seu livro Saber cuidar.
O profeta chegando. No rosto o sorriso da esperança.

As primeiras palavras fizeram menção ao papa Francisco e a sua primeira encíclica, Laudato si - Louvado seja, - sobre o cuidado da casa comum de todos nós. Louvou a preocupação do papa com a crise sistêmica que a tudo e a todos atinge, desde a vida humana, bem como a do planeta. Elogiou ainda, a incorporação dos princípios da Carta da Terra na encíclica como também o seu convite para um novo começo, diante da angústia profunda em que vive a humanidade, que psicanalista algum consegue curar. Essa angústia é gerada pelo desequilíbrio do sistema planetário, em que se perdeu a referência central do homem como humus, isto é, o homem como terra fértil.

A fala propriamente dita foi dividida em duas partes. Na primeira fez a denúncia e na segunda partiu para o anúncio. Na parte da denúncia fez a crítica ao paradigma existente, que se construiu junto com a modernidade, com uma visão fragmentada de mundo, fruto da ciência e a sua centralidade no homem, como um indivíduo, em prejuízo de uma visão cósmica do universo em que o homem e terra constituem uma grande unidade. No velho paradigma as bondades da terra (designação indígena) atendiam primeiro aos interesses do mercado para, apenas depois, atender as necessidades da vida, da vida dos seres humanos (daí a designação capitalista para as benesses da terra, de recursos naturais).
O profeta anunciando. Os valores de um novo paradigma.


Ainda na fase de denúncia de sua fala, anunciou a fase terminal deste paradigma, que entrou em  fase de agonia com a crise mundial do sistema capitalista em 2008. A crise se dá em função da acumulação ilimitada, em que a exploração ultrapassou todos os seus limites atingindo a fase em que o dinheiro gera dinheiro, ou seja, a fase da exploração financeira do sistema capitalista. É o tempo em que todos os fluxos da economia são controlados e comandados por apenas 723 pessoas, numa acumulação sem precedentes. É o tempo que Marx previu, em seu Miséria da Filosofia, como o tempo da grande corrupção, o tempo em que tudo será mercadoria e, como mercadoria, tudo passará a ter o seu preço. Tempo caracterizado por Karl Polanyi, em seu livro A grande transformação, como aquele tempo em que vivemos, não apenas uma economia de mercado, mas também uma sociedade de mercado, em que todos os valores éticos são por ele pautados.
A confirmação da minha inscrição para a palestra. Cuidado de si, do mundo e do outro.


A denúncia prosseguiu com a afirmação de que a ânsia e a pressa em transformar os recursos naturais, em mercadoria, não dá à terra o seu devido tempo, o seu tempo de recomposição. Os seus elementos vitais, os seus nutrientes básicos já estão mortalmente comprometidos. A base química e física da vida está em destruição e corremos o grave perigo de chegar tarde.

Na segunda parte da fala, o anúncio. O anúncio do novo paradigma, o paradigma do mundo entregue ao CUIDADO, que se expressa pela fuga da visão racional e cientificista de mundo, para contemplar a sua parte subjetiva, a relação amorosa, a carícia essencial, a finesse, a que se referia Pascal, ainda nos primórdios do estabelecimento dos parâmetros da ciência como diretriz de uma visão de mundo. Citou também Heidegger que em seu Ser e Tempo, anuncia o cuidado como a dimensão essencial do ser humano, o cuidado visto como preocupação com o humano. Cuidado que, já nos tempos dos sermões do padre Antônio Vieira adquirira um significado dramático, de que, quem tem o cuidado, quem tem a preocupação no horizonte, não dorme.
O extraordinário livro. Saber cuidar - Ética do humano - compaixão pela terra.



Também a palavra trabalho mereceu uma atenção especial. A ele foi creditado todo o processo civilizatório da humanidade, com ênfase no caráter positivo das relações humanas e que estas jamais devem ser marcadas pelo caráter de destruição. Também elas devem ser submetidas ao imperativo do cuidado. Pelo trabalho devemos construir a organização da casa, como ethos, como morada humana. E a morada humana hoje, é maior do que a casa singular que habitamos, para que ela seja vista em sua dimensão planetária. Como seria a organização das relações nesta casa sob as orientações do Cuidado? Como resposta citou Dalai Lama, quando ele aconselha tratar o outro como uma criança, para lhe oferecer todo o cuidado.
Os Franciscos. Forte simbologia na escolha do nome Francisco pelo bispo de Roma.


Para vivenciar este novo paradigma precisamos, socraticamente, nos desentranhar dos velhos paradigmas e permitir que as dimensões mais profundas, que estão dentro nós, possam aflorar. As dimensões de humanidade, de solidariedade, de sensibilidade. Nos deixou ainda duas imagens finais. A primeira negativa. Um palhaço, que de frente para o público, enxergava o incêndio que começou a se propagar pelos fundos do teatro e que não podia ser visto pelo público. Quanto mais o palhaço se esforçava para alertar o público, mais o povo ria e o aplaudia. Podemos chegar atrasados com o cuidado da nossa casa. O incêndio já poderá ter dimensões incontroláveis. A segunda, positiva. A vida não é material nem espiritual, a vida é eterna. Passou a citar o livro da Sabedoria, em que se atribui ao Criador, a criação de todas as coisas e o grande amor à vida. E que este Deus criador, não irá permitir que a sua obra, a humanidade, seja destruída.
Ao final do encontro, uma sessão de autógrafos.


Para terminar reiterou a sua certeza da superação, da superação do velho paradigma e da afirmação do paradigma do CUIDADO, pois daremos a volta por cima e viveremos irradiando e celebrando os desígnios do Criador. Dedico este post aos meus netos, Theo, Mateus e Miguel, que recentemente vieram ao mundo para alegrar as nossas vidas. Que a sua formação se dê sob os princípios do novo paradigma, Que recebam  e distribuam muito cuidado ao longo de suas vidas.



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