quarta-feira, 22 de junho de 2016

Plenos Pecados. A Inveja. Mal secreto. Zuenir Ventura.

Zuenir ventura é um velho conhecido. De tanto apreço, o deixei para ler quase ao final. Só não o deixei por último, por causa de João Ubaldo Ribeiro, que apresenta o pecado da luxúria, que eu li quando do lançamento da coleção. Mas já amanhã começo a sua releitura. Zuenir Ventura, pelo que tudo indica, foi o primeiro a escolher tema e confessa um certo arrependimento quando se deparou com toda a complexidade do mais horrível dos pecados, a inconfessável inveja.

"A inveja não goza de boa reputação", afirma o psicanalista Renato Mezan. Este deve ser o motivo pelo qual Zuenir escolheu o título - Mal secreto, retirado de um soneto de Pedro Corrêa, que tem exatamente este título. É o pecado que todo mundo esconde. Ninguém o confessa. É também um pecado difícil de definir, sendo facilmente confundido com a ambição e a inveja.  Zuenir Ventura também o considera como o primeiro de todos os pecados. O pecado de Adão. A sua ambição foi precedida pela inveja quando se quis igualar a Deus.
Um livro trabalhado com muita seriedade. A complexidade do ser humano.


O tema foi longamente estudado pelo autor. Primeiro fez uma ampla pesquisa bibliográfica. Ao final do livro ele, num belo gesto, nos dá uma listinha preciosa, uma relação dos principais livros que abordam o tema. Depois faz uma pesquisa, através do Ibope, medindo o sentimento brasileiro com relação a este odiado pecado. Este trabalho foi depois complementado com questionários e entrevistas com os profissionais que mais diretamente lidam com este sentimento, digo, pecado. Os pais e mães de santo dos terreiros, os padres e os seus segredos de confessionário e os psicanalistas e os seus divãs.

No parágrafo acima eu ia falando do sentimento da inveja, mas imediatamente eu corrigi - o pecado da inveja. Dante deve ter cometido este mesmo engano mas não o corrigiu. Os invejosos que precederam a Dante, e não foram poucos, foram colocados no purgatório e não no inferno. No entanto, é um pecado gravíssimo, especialmente, porque ele sempre vem junto com seus agregados: a ganância, a avareza, a voracidade o ciúme e o ódio. É também diretamente responsável pelo primeiro crime, por assassinato, cometido na Bíblia. Caim mata o seu irmão Abel, por inveja.

Quem menos colaborou com Zuenir em sua pesquisa foram os padres. Alegavam segredos de confissão. Psicanalistas e pais e mães de santo foram bem mais colaborativos. Inclusive, a mãe de santo Lucinda, a mãe adotiva da invejável Kátia, fornecerá o principal fio condutor de toda a narrativa, junto com o seu namorado Fernando, mais Ivan o grande amigo, desde a infância. Seria mesmo seu amigo? Opa, perceberam que eu usei a palavra invejável e me parece que num sentido amplamente positivo. Existe inveja boa, assim como existe também um câncer bom?

O psicanalista Mezan categoricamente nega a possibilidade da existência de um inveja boa. Inveja boa é admiração. Mezan também dá uma definição muito precisa deste pleno pecado. O prazer do invejoso não é exatamente querer o que o invejado tem mas "é acabar com o prazer do outro, é não querer que o outro tenha". Tristitia de alienis bonis, diria santo Tomás de Aquino.

Mas voltemos a invejável Kátia, uma moça de 23 anos, amadrinhada de Lucinda. Zuenir as conheceu através de um antropólogo amigo. Primeiramente ela se esquiva o máximo possível, mas aos poucos não fará mais segredo de seus casos, ou de seu caso que envolve diretamente a inveja. Ela namora Fernando mas também tem casos com Ivan. Ivan tem comportamentos absolutamente estranhos e o caso parece que não irá acabar bem. Ivan convence Katia a usar uma poção mágica, preparada por Lucinda, para  reaproximá-la de Fernando, numa crise no relacionamento. Funcionou bem e deu ótimos resultados mas  após uma dose de reforço, Fernando tem um fulminante ataque cardíaco.

Zuenir também faz um relato paralelo à trama principal, contando a sua própria história. Enquanto trabalhou no projeto do livro, foi acometido de um câncer e a sua humana luta contra o mesmo. Pólipos, ou seriam polipos, na bexiga. O romance tem data de 1998 e Zuenir ainda está bem vivo. O seu mal secreto, embora maligno - não benigno, foi contido.

O final do livro é bastante surpreendente. Ivan deve ter sido um caso raro de inveja e o seu destino final não nos é revelado mas o autor nos dá um precioso indicativo na frase final: "Kátia continuava um mistério para mim, mas, pelo que conheci dela, eu não queria estar no lugar de Ivan daqui para a frente".

Embora a inveja tenha sido o pecado mais bem trabalhado e mais bem definido entre os diferentes livros da coleção, vamos ainda à definição do Aurélio: "desgosto ou pesar pelo bem ou pela felicidade de outrem. Desejo violento de possuir o bem alheio". 

2 comentários:

  1. que coisa. me lembro que adorei o livro quando li, me lembro muito bem do tom, do Zuenir, das histórias mescladas, mas... tenho zero lembrança da história da Katia. não sei o que aconteceu com ela, não lembro do caso, é como se não estivesse no livro...
    memória.... essa enganadora.

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  2. Oi Renata. A memória sempre é muito seletiva. Tem coisas que nos tocam mais profundamente. A história de Kátia é uma história inconclusa, em aberto, apenas mostrou a inveja de Ivan. De qualquer maneira, uma leitura de Zuenir Ventura é sempre uma garantia de uma ótima leitura. Agradeço o seu comentário.

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