segunda-feira, 14 de novembro de 2016

A leitura de D. Quixote. Preparativos. A Espanha no tempo de Cervantes.

Tomei uma decisão afoita. Na qualidade de administrador de tempo livre, vou ler e reler grandes clássicos da literatura mundial. Obras com um sabor todo especial e que, seguramente, alavancam uma melhor compreensão do mundo e do ser humano. Vou começar com Cervantes, com o Dom Quixote, obra que já comecei uma infinidade de vezes, mas que agora, com toda a determinação, vou até o fim. Não vou a esmo. Me prepararei bem para esta tarefa e irei compartilhar esta minha experiência.

Guardo no meu exemplar do Dom Quixote (Abril cultural 1981) uma preciosidade. Um caderno especial da Folha de S.Paulo de 18 de junho de 2005, dedicado à comemoração do quarto centenário do lançamento da primeira parte do livro. A longa viagem de D. Quixote é o título do caderno especial. Um raro trabalho de fôlego, com todos os méritos. Será o meu primeiro preparo para a leitura.
A capa da edição da Abril Cultural. É esta edição que tenho em mãos.

Tenho obsessão por contextualizações. Sem elas jamais haverá compreensão. O primeiro texto que examinarei será A Espanha no tempo de Cervantes, um artigo de Antônio Feros, professor de História da Universidade de Pensilvânia, na Filadélfia. E vamos para as primeiras datas. Ele nasceu em 1547 e morreu em 1616. A primeira parte de seu livro data, como vimos implicitamente, de 1605. Felipe II governou a Espanha entre os anos de 1556 e 1598. Felipe III e IV o sucederão. Felipe III será nominalmente citado no caso da expulsão de mouros e judeus. Na outra grande potência da época, a Inglaterra, vivia outro escritor de semelhante envergadura, Shakespeare (1564-1616). Morreram, como podem observar, no mesmo ano de 1616.

Cervantes viveu em uma época de crise, de transição. A Espanha insistia em ser grandiosa, mas vivia a desilusão, o desencanto e procurava fugir da realidade opressiva e deprimente. A virtude era desprezada e o vício louvado. Eram tempos de profundas inquietações, ansiedades e fracassos. Tempos de pestes e de carestia. A Espanha não queria perder sua posição de prestígio no cenário internacional. Teve vitórias, como Lepanto (1571), quando, com a participação de Cervantes, ganhou dos turcos e, ainda dominou Portugal entre 1580 e 1640. Sofreu porém grandes derrotas, contra a Inglaterra, contra a França e contra a Holanda.

Já sob Felipe III viveu tempos de pacificação mas de profundas contradições sociais. A inquisição se preocupou mais com os costumes dos católicos, deixando mais liberdade para judeus e muçulmanos, neoconvertidos. Já os outros... Em dez anos a peste vitimou um milhão de pessoas, numa população de sete. Em torno de 15% dos nascimentos ocorriam fora do casamento. Os tempos eram um pouco mais tolerantes. Houve grande ascensão de fidalgos, galgando a nobreza e passando a usufruir de privilégios. Havia um muito grande número de clérigos. Houve frustração de safras por causa de secas e as ruas estavam abarrotadas de mendigos, desempregados, pobres e criminosos. A inflação era galopante.

Houve reações. Muitas execuções, com a finalidade de amedrontar, se tornaram públicas. Desempregados eram criminalizados por vadiagem. O único alívio vinha da caridade cristã, o que não significava grande coisa. A questão dos mouros aparece na segunda parte do livro. Não é por nada que Cervantes considerava esta sua época como a idade de ferro, embora muito ouro fosse encontrado. De uma maneira mais ampla, a época se situa dentro do renascimento já em expansão. É o tempo das grandes monarquias, dos grandes estados modernos se constituindo e os tempos do mercantilismo. Tempos de prenúncio, de novos tempos, de novas e grandiosas nações, de hegemonia protestante e de transformação industrial. E a Espanha continuava a filha predileta da Igreja Católica.

Cervantes teve vida particular bastante atribulada, passando por ferimento na batalha de Lepanto, prisão na mão de piratas e outras prisões por atrasos em suas prestações de contas, na qualidade de sua função como coletor de impostos da Coroa. Ao menos parte de sua obra foi escrita na prisão. A obra teve imediato sucesso.
O monumental Escorial, o Palácio de Felipe 2º.


Pessoalmente tive oportunidade de visitar na Espanha as cidades de Toledo, que já foi capital e o Escorial, para onde Felipe II levou a sede do império. São exatamente os tempos vividos por Cervantes. A grandeza do El Escorial é estonteante. Foram realmente tempos de grande glória para o império espanhol, mas a decadência já era amplamente visível. Em outra oportunidade, viajando de Madri para Granada, passamos pelas áridas terras da Mancha. Paramos em Puerto Lápica, onde simplesmente tudo reverencia a memória do grande mestre das letras.





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