quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Dom Quixote. Cervantes. Volume II.

No segundo volume do Dom Quixote é narrada a terceira saída do Cavaleiro da Triste Figura, agora no rumo da cidade de Saragoça. Mal e mal ele se recuperara das desventuras de suas duas primeiras saídas e da volta humilhante que teve à sua aldeia. Sancho Pança, mais uma vez está a postos para acompanhá-lo. O cura, o barbeiro e agora, mais o bacharel Simão Carrasco o estimulam, mas com um plano para deixá-lo em casa, para sempre, curar as suas loucuras e levar uma tranquila vida no campo.
Edição do Dom Quixote. Abril Cultural. 1981. Os dois volumes em um só.

Antes de acompanhar estas aventuras, uma dica. Os capítulos III e IV oferecem uma boa introdução para a leitura e compreensão de todo o volume I. Faz uma retrospectiva de todas as aventuras ou desventuras contidas no volume anterior. O principal narrador será mais uma vez o mourisco Benengeli, que chegou ao narrador pelas mãos de um tradutor. Artimanhas do narrador.

Já que falamos em narrador, reside aí a principal qualidade de Cervantes. Por esta condição de narrador é que ele é considerado o precursor de todo o romance moderno. Todas as estratégias possíveis e imagináveis foram por ele usadas. E, importante que se diga, Cervantes foi um escritor extremamente popular. O aparecimento de seu primeiro volume foi um sucesso imediato de público, fato que também não lhe passa despercebido. O sucesso também é contado no segundo volume, que aparecerá em 1615, dez anos após o primeiro. Antes disso, aparecera um segundo volume falso, que o narrador também explora nas 50 páginas finais do livro.

Cervantes faz rasgados elogios ao Cide Hamete Benengeli o narrador principal de toda a obra. Vejamos: "Realmente, todos os que gostam de histórias como esta devem mostrar-se agradecidos a Cide Hamete, seu primeiro autor, pela curiosidade que teve em nos contar as suas semínimas particularidades, sem deixar coisa alguma, por miúda que fosse, que não tirasse claramente à luz. Pinta os pensamentos, descobre as imaginações, responde às tácitas perguntas, aclara as dúvidas, resolve os argumentos, finalmente, manifesta os átomos do mais curioso desejo. Ó autor celebérrimo! ó ditoso Dom Quixote! famosa Dulcineia! gracioso Sancho Pança! vivais todos juntos, e cada um de per si, séculos infinitos, para gosto e universal passatempo dos viventes". (Capítulo XL).

O essencial da história é, mais uma vez, retirar Dom Quixote do campo de batalha, como já o fora no primeiro volume, uma vez que todos reconhecem a loucura do protagonista. Quem trama a volta do cavaleiro para junto dos seus, apenas a sobrinha e a ama, são o cura e o barbeiro da aldeia. Nesta segunda parte se soma Simão Carrasco, o bacharel formado em Salamanca.

Com esta finalidade, também Simão Carrasco se veste de cavaleiro, buscando desafiar o da Triste Figura, agora já auto rebatizado de Cavaleiro dos Leões. Para encompridar a história, ele perde o primeiro duelo, mas se prepara para o segundo. Se Quixote perdesse deveria ficar em casa por um ano, se dedicando à vida do campo. Como bom cavaleiro, ele cumpriria o prometido. Neste sossego, ele rapidamente encontrará a morte.

Mas antes tem muitas aventuras. Quixote nunca viu a sua doce amada. A vez em que esteve perto disso, foi ludibriado pelo escudeiro, que lhe mentira a respeito de um suposto encontro com ela, para lhe entregar uma correspondência. Dulcineia ficou encantada e lhe apareceu sob a figura de uma lavradeira. Contudo, não houve no mundo homem mais fiel à sua amada, fato que em muito aumentou as pretensões das damas em o namorarem. Tudo, obviamente, em seu imaginário.
 Cervantes despistou e o Dom Quixote não foi para Saragoça.

As aventuras passam pela gruta de Montesinos, por histórias que se fecham e que estavam em aberto desde o primeiro volume, pela recepção calorosa de um casal de duques que não pouparam esforços em ter a venturosa dupla como seus hóspedes, de sua chegada em Barcelona, uma vez que decidira não mais ir a Saragoça, para enganar o autor do volume falso, sobre as aventuras do cavaleiro em virtude de uma declaração de amor que recebe de uma donzela da corte do duque e sobre a sua derrota para o cavaleiro da Branca Lua. Por esta derrota e sob o peso do juramento que fizera, que na qualidade de derrotado, permaneceria em casa por um ano inteiro. Não suportou esta vida sem glórias e aventuras e a sua vida teve um fim muito rápido.

Um dos fatos mais interessantes ocorre com as sempre desmesuradas pretensões de Sancho Pança como compensação dos serviços prestados como escudeiro. Queria ser conde, transformar Teresa Pança numa dama nobre, casar bem a filha Sanchita e, acima de tudo, ser governador de uma ilha. O duque lhe proporciona a oportunidade de ser este governador. Quixote lhe dá conselhos filosóficos e também práticos. Os conselhos filosóficos são uma verdadeira aula de política e de princípios jurídicos e os práticos, uma fantástica peça de humor. Quixote passa a ser visto com  um "Cid nas armas e um Cícero na eloquência". Sempre a presença das contradições neste fantástico personagem.
Dom Quixote completou suas aventuras em Barcelona. Só que na época não tinha a Sagrada Família.

Sancho, revestido de toda a pompa, assume a governança da ilha. Se iguala a Salomão pela sabedoria de suas decisões. Passa a ser admirado por todos. Mas não suporta a presença de um médico na sua corte, que lhe dita uma dieta, que meticulosamente deverá ser cumprida. Difícil demais para um afamado glutão e beberrão, fato de que ele discorda. Assim fora pintado no volume falso. Em menos de dez dias renuncia ao cargo. Deixa esta fabulosa sentença sobre a sua ascensão a tão ambicionado cargo, com o qual realizaria todos os sonhos dos seus, "... mas, desde que vos deixei e trepei às torres da ambição e da soberba, entraram-me, pela alma dentro, mil misérias, mil trabalhos, e quatro mil desassossegos". "... deixai-me ir buscar a vida passada, para que me ressuscite desta morte presente".

O livro termina com a execração aos romances de cavalaria. Deixando seus bens para sua sobrinha mas a deserda, caso o pretendente tivesse lido tais livros, que o fizeram ser o Cavaleiro da Triste Figura, na qualidade de cavaleiro andante. E assim termina o seu livro: "... pois  não foi outro o meu intento, senão o de tornar aborrecidas dos homens as fingidas e disparatadas histórias dos livros de cavalarias, que vão já tropeçando com as do meu verdadeiro Dom Quixote, e ainda hão de cair de todo, sem dúvida. Vale". 

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