segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O ódio como política. III. Precisamos falar da "direita jurídica". Rubens Casara.

Um dos mais brilhantes textos contidos no livro O ódio como política - a reinvenção das direitas no Brasil, é o de Rubens Casara, que leva por título "Precisamos falar da "direita jurídica". O autor é doutor em direito e juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Rubens Casara é, portanto, revestido de autoridade (de autor) para falar com propriedade sobre o tema.
Entre outros, o necessário texto do Doutor Rubens Casara.

Casara inicia o seu texto com uma afirmação precisa: "O direito, entendido tanto como um sistema normativo quanto como um conjunto de teorias e práticas, costuma ser apresentado como um obstáculo à transformação social. Isso porque as formas jurídicas (e o Estado é a principal "forma jurídica") servem à manutenção das estruturas de poder". E continua: "Ao produzir a norma a ser aplicada a um determinado caso concreto, os atores jurídicos partem (ou deveriam partir) dos textos legais, que são produtos culturais condicionados pelos valores dominantes no contexto em que foram produzidos. Há, portanto, um evento comprometido com o passado que não pode ser ignorado. E isso, por si só, permite afirmar a tendência conservadora do sistema de justiça".

A partir desta constatação inicial, outras análises. A primeira delas é a questão da inserção da justiça à realidade brasileira, que mesmo com as tendências democratizantes a partir da Constituição de 1988, ela está inserida dentro de uma tradição absolutamente autoritária. Assim se manifesta a naturalização e a normalização da desigualdade e a hierarquização das pessoas, reflexo de uma herança escravocrata, nunca superada. Ademais, além dessas heranças mais longínquas, os atores jurídicos brasileiros são remanescentes ou se formaram dentro do espírito autoritário de 1964. E ainda mais, o judiciário brasileiro se reproduz a si próprio. Assim, "nos concursos de seleção e as promoções nas carreiras ficam a cargo dos próprios membros dessas instituições". O mito da neutralidade não consegue esconder esta situação.

Outra importante observação parte da importância histórica adquirida pelos sistemas judiciários, que no pós - segunda guerra, passaram a custodiar o chamado Estado Democrático de Direito, que se caracterizou pela imposição de limites rígidos no seu exercício, a fim de se evitar a barbárie. "Não funcionou", atesta categoricamente. Os limites da atuação rapidamente foram relativizados, abrindo-se espaços para a pós democracia. Os atores jurídicos não dissociam a sua atuação da tradição em que estão inseridos, o que no caso brasileiro é bastante agravado. Vejamos:

"Pode-se apontar que, em razão de uma tradição marcada pelo colonialismo e a escravidão, na qual o saber jurídico e os cargos no Poder Judiciário eram utilizados para que os rebentos da classe dominante pudessem se impor perante a sociedade, sem que existisse qualquer forma de controle democrático desta casta, gerou-se um sistema de justiça marcado por uma ideologia patriarcal e patrimonialista, constituída por valores que se caracterizam por definir lugares sociais e de poder, nos quais a exclusão do outro e a confusão entre o público e o privado somam-se o gosto pela ordem".

Assim o sistema de justiça não pode ser fonte de esperanças. Sob o mantra da neutralidade e das decisões técnicas, a atuação é em favor da manutenção da ordem, como agências seletivas a serviço daqueles capazes de deter poder e riqueza. A estas forças se somam, ainda, outras forças com a atuação de setores da mídia, na construção da imagem de "um bom juiz", aquele que "considera os direitos fundamentais como óbices à eficiência do Estado ou do mercado". Muitas decisões obedecem ou são consonantes com a "Opinião Pública".

Uma das características dos tempos atuais é a força da ideologia do neoliberalismo, doutrina que sustenta que o "livre mercado" não aceita a imposição de limites de qualquer natureza. O neoliberalismo é a base sob a qual se assenta o Estado penal, pós democrático. E esta racionalidade econômica também recebeu a adesão do mundo jurídico. Por esta adesão " o Poder Judiciário, à luz da razão neoliberal, passa a ser procurado como um mero homologador das expectativas do mercado ou como um instrumento de controle tanto dos pobres, que não dispõem de poder de consumo, quanto das pessoas identificadas como inimigos políticos do projeto neoliberal". Ao menos, para mim, ficou claro que o motivo pelo qual Lula está na prisão é por ser ele um "dos inimigos políticos do projeto neoliberal".
A destruição do Estado de bem-estar, ou democrático de direito.


O texto conclui com uma importante análise das características da personalidade autoritária, definidas por Adorno, e a constatação de que este autoritarismo latente na potencialidade fascista destas personalidades não recebe, por parte do judiciário, qualquer tipo de limitação. Na magistratura brasileira podem ser identificadas as características que definem uma personalidade autoritária. Recomendo muito a íntegra deste texto.Rubens Casara é também autor de um livro maravilhoso Estado pós-democrático - Neo-obscurantismo e gestão dos indesejáveis, do qual eu deixo uma pequena resenha. http://www.blogdopedroeloi.com.br/2018/01/o-estado-pos-democratico-neo.html

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