sábado, 24 de dezembro de 2016

Os Sobrinhos de Judas. Délcio Monteiro de Lima.

Recorro à apresentação da obra para iniciar este post. Ela é feita por Antônio Houaiss. Precisa mais? Tomo duas frases desta apresentação. A primeira é uma referência ao título da obra e a segunda, uma referência à culpa dos sobrinhos, no caso, os empresários sobre as mazelas históricas deste país. Vamos lá:

"Aqui, Délcio Monteiro de Lima, escalpela Os sobrinhos de judas, seja, o empresariado brasileiro, cada um de cada representante pode ser um sábio e santo, mas que no conjunto são sobrinhos de Judas, os que abjuram de tudo para reterem suas trinta e três moedas só par si". E a apresentação continua:

"Não se pense que há aqui maniqueísmo - pois não há, apenas, empresários de um lado, e, de outro, vítimas. Mas há realidades impostergáveis: num território basicamente rico, com uma população extremamente equilibrada, senão que pequena, os empresários brasileiros, herdeiros dos monopólios coloniais, conseguem fazer deste país o padrão mais sociopatológico do mundo em concentração da riqueza, num mecanismo em que a alardeada 'modernidade' para entrar no Primeiro Mundo é desnecessária: desnecessária, porque a fração da Belíndia que somos é um esplendor de fazeres e saberes, e desnecessária, porque nossos empresários dão lição de opulência, hedonismo, requintes suntuários e gozos dilapidatórios de inveja do primeiro Mundo afora".
 A edição de Os sobrinhos de Judas, da Francisco Alves.

Creio que já deu para sentir um pequeno gostinho do livro. Ele é uma imagem da realidade brasileira, uma radiografia de seu empresariado. Ele analisa em profundidade a mentalidade e o comportamento da classe empresarial, e, por consequência, a sua elite econômica e política. Existe uma referência à origem escravocrata de nossa sociedade, ao contrário da origem feudal da sociedade europeia. A respeito gostaria de deixar duas referências, que não são analisadas no livro, mas que vão de encontro a esta nossa origem. A primeira é de Joaquim Nabuco, quando ele fala que a escravidão corrompe todas as instituições de uma sociedade e assim a degradam e, outra de Manoel Bonfim, que fala das origens parasitárias de nossa civilização e que nestas sociedades a morte ou a debilitação é de ambos, parasitado e parasita. Ai do povo que cultiva o bandeirante como o seu heroi.

O livro é estruturado em seis diferentes capítulos. O primeiro, Ideologia do lucro, começa relatando uma cena que reflete a ideologia do empresário brasileiro, quando um deles, vendo a marmita de um trabalhador da construção civil e vê nela ovo e carne, se espanta que um trabalhador tenha estes dois componentes em sua refeição. Um luxo descabido. Analisa pesquisas do IBOPE, encomendadas pelo empresariado em que é constatada a sua pouca popularidade na sociedade brasileira e, sentindo-se em função disso, extremamente injustiçados. Analisa ainda o pensamento deste empresariado através  de uma organização sua, o PNBE, Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Mostra ainda a origem escravocrata deste empresariado, mostrando ainda a base da formação da nossa classe trabalhadora é essencialmente composta de imigrantes europeus.

O segundo, Idolatria da esperteza, se centra exatamente em cima desta palavra esperteza e mostra todos os meios usados para a obtenção do lucro fácil, usando tanto meios lícitos, quanto ilícitos sem nenhuma preocupação com o bem estar geral da sociedade. São examinadas as relações promíscuas junto aos governos, a sonegação de tributos, a falsificação de produtos e numa análise de imagem, são os banqueiros ficam o com o troféu da pior imagem. Traça ainda a concepção existente em torno do salário mínimo, visto como uma cesta básica, sendo a manutenção física do trabalhador vista como a única aspiração. Passa ainda pela análise da organização da classe trabalhadora e de seus instrumentos de luta.

O terceiro, Cultura da ambição, mostra a organização dos trabalhadores frente a esta cultura do meio empresarial. Mostra que a relação capital x trabalho no Brasil sempre foi de desconfiança mútua e jamais de cooperação e que nunca vigoraram relações de igualdade, mas sim as de arrogância e prepotência. Mostra as principais doenças adquiridas em função do trabalho bem os acidentes que ocorrem em virtude de desleixos e de falta de cumprimento da legislação. Mostra ainda o grande sonho das organizações patronais em extinguir a mediação do Estado na relação capital x trabalho e a extinção da Justiça do Trabalho. Vejam bem que este tema está agora, voltando a tona. Também a tentativa de aumentar a jornada de trabalho e de diminuir o período de férias é abordada. Conhecemos bem esta questão neste momento atual do governo golpista de Temer. A questão ficara latente durante os governos petistas.

O quarto, Deformação do caráter, mostra dados da ONU sobre os índices de desenvolvimento humano no Brasil, situados entre os piores do mundo, em contraste com a vida de ostentação e fausto levada pelo empresariado, entre a sua frota de jatinhos particulares e um mundo de fraudes. Estas se corporificam com CPFs falsos, sonegação de impostos, empréstimos subsidiados e falsificação de produtos, como os de origem animal, com o uso de anabolizantes, mistura da água ao leite e os bonificados da indústria farmacêutica. Também camisinhas, marca passos e internações hospitalares integram este quadro. Vejam e observem o título, deformação do caráter.

O quinto, Pragmatismo irresponsável, mostra a acomodação do empresariado, especialmente, pela sua cultura de não inovar, requerendo proteção governamental e suborno aos órgãos fiscalizadores. Talvez neste campo o Brasil tenha avançado bastante neste período de tempo que separa a escrita do livro (1992), com os dias atuais. Especialmente em função da abertura econômica que foi promovida. Mostra também os desperdícios que ocorrem na produção do campo, na comercialização dos produtos e na construção civil e, ainda, toda a questão do desleixo e menosprezo pela questão ambiental.

O sexto, Reputação duvidosa, é extremamente interessante, especialmente, se você examinar a questão com um olhar de continuidade em todos os casos de corrupção generalizada em que vivemos nos dias de hoje. Contas na Suíça, paraísos fiscais e offshores no Uruguai são examinadas. Mostra também um interessante estudo sobre o lobby, como ele atua nos Estados Unidos, onde é uma instituição de respeito, em contraste com a sua atuação despudorada no Brasil. Mostra ainda um paralelo no comportamento das chamadas "classes produtivas" brasileiras, em contraste com as de outros países em suas ações de filantropia. Termina apontando rumos e possibilidades, apontando sempre para novos desafios para a classe trabalhadora.

Que livro! Délcio Monteiro de Lima é pouco conhecido na academia, o que é uma pena. Talvez seja pela sua linguagem, fortemente militante e não muito acadêmica seja o principal motivo, embora ele ancore todas as suas afirmações em dados de pesquisa. Ele é autor do famoso livro Os demônios descem do norte. Délcio Monteiro de Lima merece muito ser muito mais lido


2 comentários:

  1. Este autor é absolutamente incrível sua leitura é indispensável para que conheçamos as vísceras do Brasil e, ele é incrivelmente desconhecido, inclusive sua biografia, estou a horas tentando achar algo dele na internet e só chego aos seus livros, de resto, nada mais.Vc é um privilegiado de ter lido, vou ler também. Ele está na mesma tendência de Aloísio Byondi que e3screveu o livto "Brasil Privatizado" que em entrevista de apresentação da obra em 2001, se não me engano, no Programa do Jô, o próprio apresentador disse que diante dos crimes ali apontados haveria de ter uma CPI e punições. Não teve, o consórcio midiático sócia da rapina e que ficaria com parte do butim promovido por FHC, calou-se e, os brasileiros nascisdos no final dos anos 50 e de gerações após e quem tem hoje 20,30,40,50,60 anos de nada souberam, nem se indagam por quê a nossa telefonia que "vendida" a preço menor que a da Nigéria, é privatizada aqui mas, comprda por estatais de fora.

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    1. Carlo Ponti, os meus agradecimentos pelo seu pertinente comentário. Bela referência ao Aloísio Byondi. Creio que uma forma de homenagear e tornar mais conhecido o Délcio Monteiro de Lima, seria alguma editora popular reeditar a sua obra. E da nossa parte, contribuiríamos com a divulgação.

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