sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

A personalidade autoritária em tempos de neoliberalismo. Rubens Casara.

Há tempos que venho lidando com o tema da personalidade autoritária, levado pelos estudos de Adorno e de Hannah Arendt (banalidade do mal). Já usei o termo em várias oportunidades e guardo comigo vários apontamentos. Mas neste último livro do Rubens Casara, Sociedade sem lei - pós-democracia, personalidade autoritária, idiotização e barbárie http://www.blogdopedroeloi.com.br/2019/01/sociedade-sem-lei-pos-democracia.html, encontrei uma preciosa síntese, daquilo que Adorno e seus pesquisadores explanaram após as suas pesquisas nos Estados Unidos, em 1950. Eles procuraram verificar a presença de tendências fascistas naquele país, berço da "nunca abalada democracia". Os resultados foram terríveis. Constataram a forte presença de indícios que facilmente levariam o povo a aceitar as restrições à democracia. As chagas ou o "cio do fascismo" estavam abertas e vivas. Hoje, ao que tudo indica, estão sendo explicitamente cultivadas.
O maravilhoso e necessário livro de Rubens Casara.

Casara assim apresenta estas estas características: "Em, Estudos sobre a personalidade autoritária, Adorno identifica uma série de características que revelam uma disposição geral ao uso da força em detrimento do conhecimento e à violação dos valores historicamente relacionados à democracia". Casara alinhou estas características em 14 tópicos. Dou o tópico e um leve toque ilustrativo, remetendo à leitura do livro, se houver, como creio, um maior interesse.

1. Convencionalismo: uma subjetividade autoritária tende a fazer juízos de acordo com o senso comum produzido pela mídia e a aceitar certos fatos  como naturais. Linchamentos, por exemplo.

2. Submissão autoritária: adota uma submissão acrítica à autoridade, a quem incondicionalmente aplaude, mesmo perdendo direitos essenciais, inclusive, a sua própria liberdade.

3. Agressão autoritária: intolerância e agressão aos que transgridem seus valores convencionais. É submisso (masoquista) aos superiores e agressivo (sádico) com os que considera inferiores.

4. Anti-intracepção: se opõe ao subjetivo, ao sensível e ao imaginário. Não busca interpretações, por temor em não controlar os seus sentimentos, uma vez tocados pelo sensível, pelo humano.

5. Simplificação da realidade e pensamento esteriotipado: recorrem a explicações simplistas e rígidas da realidade, não a submetendo à análise da sua complexidade.  Abrem-se espaços aos preconceitos.

6.  Poder e "dureza": Buscam na dureza e na força a explicação para os fenômenos e não no intelecto e no conhecimento. São hostis ao intelecto. Veem o mundo por categorias antagônicas. Não ao outro.

7. Destrutividade e cinismo: hostilidade à ideia da dignidade humana. Exerce agressão racionalizada ao humano. Esta agressividade aumenta à medida que sente o apoio do grupo do qual participa.

8. Projetividade: Crê-se rodeado de ameaças e perigos. Atribui a culpa de suas pulsões ao outro, de quem busca se livrar. Age por fortes impulsos emocionais e inconscientes.

9. Preocupação com a sexualidade: Ele teme pelo seu fracasso, refugiando-se em atitudes viris, procurando compensar a impotência e o medo. Preocupa-se com a sexualidade alheia.

10. Criação de um inimigo imaginário: Fantasia riscos e inimigos. Busca para o outro a negação de direitos fundamentais como condição para a eliminação do inimigo e das ameaças.

11. O fiscal como juiz e a promiscuidade entre o acusador e o julgador: Um fenômeno da inquisição e da epistemologia processual autoritária. Exercer conjuntamente o papel de acusador e julgador.

12. Ignorância e confusão: a personalidade autoritária se desenvolve no vazio do pensar reflexivo. Se afirma no antiintelectualismo, movido pelo senso prático, sempre em favor de forte reacionarismo.

13. Pensamento etiquetador: Este é conexo ao pensamento esteriotipado. "Petralha", "coxinha", "pessoas de bem", são exemplos de pensamento etiquetado. São simplificações da realidade.

14. Pseudodemocracia: recorre-se a critérios falsos para justificar posições, como ser racista se a maioria o é. Busca-se a violação de direitos fundamentais forjadas pela desinformação.

Casara assim conclui o seu texto: "Importante ter em mente que as características e sintomas descritos por Adorno, em regra, apresentam nexos entre si, mas se referem apenas a uma tendência. As conclusões sobre a aderência, ou não, de cada pessoa às características da personalidade tendencialmente fascista nos servem para refletir sobre a formação da subjetividade de nossa época e a responsabilidade dos atores sociais na defesa da democracia".

Deixo ainda, de Adorno, as frases de abertura para o seu texto famoso, Educação após Auschwitz, contido no livro Educação e emancipação (Paz e Terra, 2012): "A exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la. Não consigo entender como até hoje mereceu tão pouca atenção. Justificá-la teria algo de monstruoso em vista de toda monstruosidade ocorrida. Mas a pouca consciência existente em relação a essa exigência e as questões que ela levanta provam que a monstruosidade não calou fundo nas pessoas, sintoma da persistência da possibilidade de que se repita no que depender do estado de consciência e de inconsciência das pessoas".

4 comentários:

  1. Que resenha!!! Seus textos são precisos. Esse é profético para o momento.

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    1. Muito obrigado, Marcos pelo seu elogioso comentário. O mérito é todo do texto do Rubens Casara. Mas, efetivamente, vivemos tempos horrorosos, tempos de desumanidade.

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  2. Maravilha de resenha. Além disso tenho a dizer que Casara com sua arguta observação tem nos brindado excelentes obras acerca dos ataques a Democracia. Como intelectual e juiz salva o Judiciário que deveria tê-lo como orgulho em seus quadros

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  3. Tenho profundo respeito pelo Rubens Casara. Um ser humano raro. Rosa, agradeço o seu comentário.

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