quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O amante. Marguerite Duras.

Continuo as minhas leituras da Biblioteca Folha. O livro da vez, agora foi O amante, de Marguerite Duras. O livro nos leva para a cidade de Saigon e desvenda muitos dos mistérios que envolveram a colonização francesa no sudeste asiático. O livro foi escrito em 1984 e, com ele, ela ganhou o mais importante prêmio da literatura francesa, o Prêmio Goncourt. O livro marca um encontro da escritora com o seu passado, vivido em Saigon e proximidades. Vamos situar um pouco o romance e a escritora.
O amante. Biblioteca Folha. 2003. Tradução de Aulyde Soares Rodrigues.

Marguerite Duras é o pseudônimo de Marguerite  Donnadieu. Ela nasceu em Gia Dihn, no Vietnã, onde passou a infância e a adolescência. A vida não lhe foi nada fácil. Lá perde o pai e a mãe ganha uma concessão de terras no Camboja, também de colonização francesa, que quase levou a família à falência. Esses tempos são a memória profunda da escritora e o tema do presente livro. Ela virá a morar em Paris por volta dos dezoito anos. Essa viagem de navio que a traz de volta a Paris ocupa as últimas páginas do livro. No Vietnã, a menina tem um amante chinês, mais velho e muito rico.A relação foi muito louca e evidencia um mundo de preconceitos, os preconceitos de raça sempre presentes nas histórias que envolvem o colonialismo.

Marguerite Duras é conhecida no mundo da literatura pela exposição de sua vida em suas obras. Vejamos o parágrafo final do livro: "Anos depois da guerra, depois dos casamentos, dos filhos, dos divórcios, dos livros, ele foi a Paris com a mulher. Telefonou-lhe. Sou eu. Ela reconheceu a voz. Ele disse: queria apenas ouvir sua voz. Ela disse: sou eu, bom dia. Ele estava intimidado, com medo, como antes. Sua voz começou a tremer de repente. E, com esse tremor, subitamente ela reencontrou o sotaque da China. Ele sabia que ela começara a escrever, soubera pela mãe, com quem se encontrou em Saigon. E também sobre o irmãozinho, ficara triste por ela. E depois não soube mais o que dizer. E depois lhe disse. Disse que continuava como antes, que a amava ainda, que jamais poderia deixar de amá-la, que a amaria até a morte". 

O livro é a narrativa desse louco amor, ou melhor, dessa louca paixão, praticamente imposta pela necessidade do dinheiro. A escritora, na época era uma menininha.  A narrativa envolve ainda a mãe e dois irmãos, sendo o mais velho absolutamente pervertido e o mais novo terá uma morte precoce. A escritora tornou-se famosa com os seus roteiros para o cinema, entre eles Hiroshima Mon Amour. Vamos ver um pouco sobre ela, pela orelha da capa do livro:

"Nascida nos arredores de Saigon (Vietnã) pouco antes do estouro da Primeira Guerra, Marguerite Duras tornou-se um dos mais influentes nomes da literatura francesa a partir da década de 1940, escrevendo romances e roteiros para cinema (Hiroshima Mon Amour, é o mais famoso deles). Mas foi só aos 70 anos de idade que Duras ganhou projeção internacional, com a novela O amante,  vencedora do Prêmio Goncourt de 1984 e traduzida para mais de 40 idiomas.

Filtrada por uma memória ao mesmo tempo autobiográfica e ficcional, a narrativa (que se passa em 1929) reconstitui os embates de uma adolescente que mantém uma relação com um oriental dez anos mais velho que ela. Intensamente lírico e erótico, O amante acompanha com rara felicidade a descoberta e o esgotamento da sexualidade, consumida em fogo lento pela escrita corrosiva de Duras.

Em 1991 o livro ganhou versão para o cinema pelo diretor francês Jean-Jacques Annaud.

Vamos ainda aos quatro parágrafos de Bernardo Carvalho, colunista da Folha, na contracapa do livro: "O amante  conta a descoberta do amor e do sexo por uma adolescente, filha de uma família de colonos falidos na Indochina francesa, nos anos 30. O amor proibido da menina branca, sua entrega a um jovem chinês rico, dez anos mais velho do que ela, é também uma forma de escapar à claustrofobia e à derrocada da família, o seu 'envelhecimento' precoce, a descoberta da sua solidão. É também a história da própria escritora.

Duras ergueu uma ponte impensável entre fotonovela e literatura de vanguarda. Seu amante, nesse sentido, é um príncipe encantado que faz da menina adolescente uma prostituta aos olhos dos outros e que a faz descobrir ao mesmo tempo a solidão de seu próprio desejo, e por consequência a vocação para a literatura. Em troca, e à imagem da prostituta, a menina faz o amante apaixonado sofrer de amor.

É a coragem ou a loucura de avançar sobre um fio tênue entre a originalidade e o grotesco que fez de Duras uma verdadeira escritora - sabendo que corria o risco de escorregar, de resvalar no ridículo, e ainda assim preferindo o risco à repetição. Razão de sua obra muitas vezes ser tão vulnerável e dependente dos bons olhos do leitor.

A obra de Duras é essa vulnerabilidade, essa exposição ao leitor, sem a cumplicidade do qual pode não restar nada além do escárnio. Há quem a odeie por isso. Mas foi também essa entrega e essa exposição que lhe garantiram uma legião de fãs, que reconheceram a coragem (ou a loucura) de uma escritora determinada a criar uma língua e um estilo próprios. Duras passou a viver a obra, incorporou o estilo à própria vida. E é o que faz do relato autobiográfico de O amante também um texto ficcional, um romance por denegação: 'A história da minha vida não existe'".

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